Lembro do meu primeiro contato com um terraplanista. Estava de boa na praça da minha cidade pegando uns pokémons, quando encontrei um antigo conhecido que não via há tempos. Em meio aquela conversa básica, ele comenta “cara ando lendo muito, vendo uns vídeos no Youtube (…) tô cada vez mais convencido de que a terra é plana!!!”. O meu pensamento foi uma confusão, não sabia se ele tava falando sério ou zoando, fiquei sem reação ouvindo aquele papo.

Enquanto estruturava esse texto pensei colocar uma série de indícios científicos que provam que a terra não é plana, porém esse debate foi encerrado e evidências não servem para os terraplanistas. No texto de hoje vou falar do fenômeno da terra plana, o que são teorias conspiratórias e como elas se encontram na política.

Terra plana e efeito Dunning-Kruger

 

ilustrador Quentin Blake

Quando comecei a acessar internet, adorava ler sobre teorias conspiratórias, de como as pirâmides foram construídas até a clássica “Eram os Deuses  Astronautas”. Deveria ter uns 12 anos, mas vêm adolescência, depois vêm a Faculdade, e aprendi metodologia e o pensamento científico. Todas essas teorias conspiratórias se tornaram um passatempo que só servia para fazer piadas. E na ridicularização de certas crenças é que o terraplanismo se criou. 

O pensamento conspiratório parte de uma descrença em especialistas. Como falei em meu texto sobre Notícias falsas na Saúde, pessoas que acreditam que vacinas causam autismo partem da ideia de que existe um plano da indústria farmacêutica para esconder essa informação da população, contradizendo pesquisas e profissionais, baseando única e exclusivamente em suas crenças.   

Crédito: University of Leicester

No caso dos terraplanistas, eles acreditam naquilo que seu olho vê, por exemplo: em uma praia ao olhar o horizonte eu posso traçar uma linha reta ou medir com uma régua, logo se não apresentar nenhuma curvatura conclui-se que: a terra é plana. Antes, se eu fosse conversar com algum amigo sobre o tema, seria diminuído por ter tal opinião, agora gravo um vídeo com a mesma teoria, jogo na internet e vou encontrar uma comunidade que vai concordar com meu pensamento, ou seja, vou me sentir incluído em um grupo.

No Brasil essa comunidade já soma 7% da população (cerca de 11 milhões de pessoas). De acordo com Milton TP, moderador de um grupo do facebook sobre o tema, em entrevista à BBC Brasil,Os globalistas (como chamam as pessoas que acreditam que a terra é redonda) acham que a gente não foi para a escola, que não temos conhecimento e somos facilmente enganados; sendo que é bem o contrário (…) para sustentar essa teoria é preciso ser forte, pois são ideias que vão contra a maioria.”

Os terraplanistas dificilmente acreditam única e exclusivamente na terra plana, sempre vêm acompanhados de outras teorias conspiratórias, como: evolução não existe ou o homem não foi à lua. Para sustentar esses argumentos usam explicações simples: “se o homem veio do ‘macaco’, então por que existe macaco hoje?” ou “se o homem foi até lua, por que não vai novamente?”. São sempre frases prontas que os fazem parecer inteligentes e questionadores, essa falsa sensação deriva de um efeito chamado: Dunning-Kruger.

Ilustração de Kenneth Lim

Lembro que, quando escrevia meu TCC, quanto mais eu pesquisava menos sabia do assunto e isso de certa forma é frustrante, porém comum. Quando se lê sobre algo e entende minimamente, se tem muito mais dúvidas do que certeza. O efeito Dunning-Kruger parte justamente disso, é a incapacidade de o indivíduo perceber os limites do próprio conhecimento, o que leva pessoas com menos informação a acreditar que sabem mais do que aqueles realmente entendidos.    

Os teóricos da terra plana têm suas próprias ideias, seus próprios métodos científicos. Ao realizarem experimentos que os resultados são extremo oposto do esperado, como mostra o Documentário da Netflix “A terra é plana” (2018), os terraplanistas criam novos fatos para comprovarem eternamente o que pensam (o famoso viés de confirmação). 

Como afirma Mark Lorch no seu artigo no El País: “ os fatos e os argumentos racionais não são muito eficazes na hora de alterar as crenças das pessoas. Isso ocorre porque nosso cérebro racional está equipado com mecanismos neurológicos evolutivos não muito avançados. Uma das causas pelas quais as teorias da conspiração surgem periodicamente é nosso desejo de impor uma estrutura ao mundo e nossa incrível capacidade para reconhecer padrões.”

O que seria uma teoria conspiratória?

Qual foi a primeira teoria conspiratória que você conheceu? Aliens, reptilianos, a terra oca (ou os aliens são reptilianos que moram no centro da terra???)? Talvez conheça algumas delas, porém o que as transforma em teorias conspiratórias? A primeira vista, pode ser que considere um absurdo que, com todas as informações que possuímos atualmente, existam, por exemplo, pessoas que acreditem que vacinas são a causa do autismo. O que antes poderia ser visto como brincadeira, hoje essas “teorias” possuem um objetivo destrutivo.

Para responder à pergunta ‘o que é teoria conspiratória?’, usaremos a definição de Michael Barkun, professor de Ciência Política da Universidade de Syracuse. O autor divide em três tipos diferentes de teoria: conspiratória de evento, sistemáticas e ‘superteorias’ (1).

  • Teorias conspiratórias de eventos: aquela que lhe dá com um único fato ou uma quantidade limitada de eventos. Seu objetivo é preencher lacunas que não estão acessíveis ao cidadão comum. Exemplo: A Copa do mundo de (insira aqui qualquer ano de Copa que o Brasil perdeu) foi vendida.

Ricardo Corrêa/VEJA

  • Teorias conspiratórias sistemáticas: que acreditam existir todo um sistema por trás de algo para enganar a população, dominar um país ou, em alguns casos, o mundo. Exemplo: Aqui encaixam-se as já citadas no texto: terra plana e anti-vacina.
  • Superteorias conspiratórias: Utiliza-se de elementos das outras categorias e na maioria das vezes a ficção é utilizada como cola para juntar tudo. Exemplo: o Globalismo (falarei mais dele a seguir no texto).

Ainda de acordo com Barkun, as conspirações vêm ganhando força desde os anos 80 em grupos de extrema direita nos EUA.  Já na realidade brasileira, essas teorias chegam com um ar de nova, porém já foram há muito tempo desgastadas e refutadas. David Magalhães Doutor em relações internacionais escreveu no Estadão “Foi Millôr Fernandes quem disse certa vez que as ideias, quando envelhecem nos EUA e na Europa, vêm se aposentar no Brasil (…) Chegam aqui de andador e fralda geriátrica e são recebidas como se tivessem saído da maternidade.”

Teorias conspiratória chegando na política

Sinais (2002)

No livro “Tudo o que você desaprendeu para virar um idiota” (1) do canal Meteoro BR, os autores comentam em como as teorias conspiratórias vem sendo usadas para ditar políticas públicas no atual governo. Exemplos não faltam, desde de queimadas na Amazônia, que passou de não existir para ser causada por ONG e mais inúmeras versões, até a saúde nesse governo (onde os médicos cubanos tinham vindo pro Brasil para implementar o comunismo).

De acordo com a professora de política de Harvard Nancy L. Rosenblum “objetivo das teorias da conspiração não é mais explicar a realidade ou oferecer alguma explicação do mundo; em vez disso, o objetivo é corroer a confiança em figuras ou instituições públicas.”

O recente discurso do Bolsonaro na ONU, também encaixa-se nas teorias conspiratórias, quando cita que “o Brasil esteve na beira do socialismo”, o presidente usa de um discurso fascista no qual se utiliza do medo para pautar suas políticas.  De acordo com Ben Dupré grande parte do fascismo é motivada pelo medo dos acontecimentos e não pelos acontecimentos em si (1).

Esse tal de Globalismo

Anteriormente no texto eu usei de exemplo para superteorias conspiratórias o globalismo, mas afinal de onde veio e qual seu perigo nas políticas públicas brasileiras?

O termo é usado frequentemente por políticos de extrema direita citando rapidamente dois exemplos: Donald Trump no discurso da ONU em 2018 falou em rejeitar o discurso da “ideologia do globalismo”; em terras brasileira o ministro Hernesto Araújo de Relações Exteriores sempre traz em seu discurso libertar o Brasil e o mundo da ideologia globalista.

Fonte:Alex Wong/Getty Images

Os teóricos globalistas acreditam que existe um esquema de dominação mundial, o qual tem como objetivo substituir as culturas tradicionais por uma moral secular, cosmopolita e ‘esquerdista’. A elite globalista é composta por ONG’s (financiadas por George Soros), a UE (União Europeia) e a ONU (União das Nações Unidas).

Ainda na visão Globalista, o mundo divide-se em três blocos onde cada um tem seu modelo operante (1):

  • Eurasiano: seria o ponto de vista geopolitico e militar;
  • Ocidental: que tenta se impor no ponto de vista econômico;
  • Islâmico: mais interessado em impor sua religião ao restante do planeta.

De acordo com o livro do Meteoro BR: “além de ser uma visão ficcional, é uma versão simplória para um mundo complexo – cheio de nações com suas disputas internas e externas, interesses comuns e divergências – se reduz a uma eficiente divisão de 3 partes, com cada bloco representando fantasias associadas ao que os conspiracionistas entendem como ‘as 3 modalidades essenciais do poder’: econômico, político-militar e religioso.(1)”

Até aqui parece um pouco confuso não é mesmo? As ideias do globalismo se estendem por muito mais, passando por uma dominação comunista, uma religião biônica mundial (você não leu errado é isso mesmo) chegando até aos negacionistas climáticos.

Para os que acreditam no globalismo, o aquecimento global seria uma mentira que serve apenas para a junção das nações, impedindo o desenvolvimento e roubando a identidade dos países. Inclusive os cientistas que alertam sobre os riscos das mudanças climáticas estariam sendo financiados direta ou indiretamente (pelo George Soros ou por ONGs) para fazerem tais afirmações.

De volta a Terra plana

Documentário “a Terra é Plana” de 2018, Netflix

Os conspiracionistas procuram em seus semelhantes ideais (não importa quão absurdo) que expliquem o mundo de forma simples, que os tornam especiais por ver algo que ninguém vê ou saber algo que ninguém sabe.

Para os terraplanistas “o mundo vive uma grande mentira é só assistir os vídeos certos no YouTube, você vai encontrar a verdade que tentam esconder, ninguém consegue provar o heliocentrismo”. Para o presidente da república “os dados estão errados, as ONGs é que causa as queimadas na Amazônia, não tem como provar mais é isso que está acontecendo”. Nos dois casos é uma suposta ‘falta de prova que prova’ que eles falam a verdade. Citando novamente a frase, contradizem pesquisas e profissionais, baseando única e exclusivamente em suas crenças. 

Teóricos se criam pela crise de empatia que estamos tendo nos últimos anos. Está cada vez maior a desconfiança no próximo e, consequentemente, em especialistas também. Essa crise passa por um debate de como as redes sociais estão nos influenciando. Os cientistas não estão totalmente corretos, porém esses questionamentos devem ter respostas por meio de métodos científicos e não por supostas opiniões e vídeos no YouTube.

 

Referências:

  1. Tudo o que você desaprendeu para virar um idiota / Meteoro Brasil. — São Paulo: Planeta do Brasil, 2019.
  2. Ben Dupré, 50 grandes ideias da humanidade, 2009. Editora Planeta.
  3. Jason Stanley, Como funciona o Fascismo: a política do “nós” e “eles”, 2018, L&PM Editores.

Documentário disponível na Netflix: “A terra é plana” (2018) 

E se a terra fosse plana? Contrafactual: 20

Texto do coleguinha aqui no Deviante sobre Pseudociência e terra plana.

Fonte da imagem da capa: 

http://atzingen.com.br/2017/01/18/crianca-sopra-suas-bolhas-de-sabao/