Bem… Ainda inspirada pelo tema de mulheres na ciência, depois  da Claudinha, fui conversar com a Bruna Garbes, bioinformata e mestranda do IME-USP, que está trilhando seu caminho como pesquisadora e pesquisa sobre a relação entre genética e o transtorno do espectro autista.

Suzane Melo: Conte um pouco sobre você, de onde é, o que estudou, um pouco sobre a sua pesquisa.

Bruna Garbes: Bom, meu nome é Bruna, tenho 25 anos, sou nascida e criada em São Paulo- capital. Sou formada no bacharelado em ciência e tecnologia pela Universidade Federal do ABC – UFABC e (quase) formada no bacharelado em neurociência também pela UFABC, que aliás, é o primeiro curso de neurociência a nível de graduação oferecido por uma instituição de ensino aqui no Brasil. Atualmente sou aluna de mestrado no programa de pós-graduação em bioinformática no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME- USP) e trabalho com genética dos transtornos do espectro autista que a gente chama simplesmente de TEA.

Suzane Melo: O que é o TEA? Como a neurociência vê o TEA?

Bruna Garbes: O TEA é visto como uma doença heterogênea e complexa em termos genéticos, pois sabe-se que diversos genes são mutados nessa doença e eles variam de acordo com os pacientes. Ou seja, a nível molecular é difícil de encontrar um padrão de mutações que sirvam para explicar essa doença entre os pacientes. Do ponto de vista clínico a gente sabe que trata-se de uma doença que traz prejuízos sócio-comunicativos com comportamentos ditos estereotipados, que nada mais são do que comportamentos repetitivos, sem uma consequência social, como por exemplo balançar o próprio corpo de um lado para o outro repetidamente.

Nossa entrevistada, Bruna Garbes, no aniversário das PyLadies.

Suzane Melo: Como você se interessou pela bioinformática e pelo TEA?

Bruna Garbes: Bom, a vida leva a gente por caminhos nem sempre tão óbvios né? Mas eu diria que eu primeiro me interessei pela bioinformática quando eu na verdade nem sabia o que era isso ou mesmo que esse termo existia. Durante a minha graduação, eu tive de cursar uma disciplina de introdução à programação e, quando eu soube que eu teria de fazer ela, eu fiquei muito preocupada em não conseguir acompanhar a disciplina porque eu basicamente não sabia nada a respeito de computadores ou programação.  Então, antes de cursar ela, eu acabei fazendo um curso de verão lá no IME- USP, que é justamente onde estou hoje. Nesse curso, que era sobre introdução à programação, eu tive meu primeiro contato com lógica de programação.

A partir daí eu consegui fazer a disciplina da minha graduação (que era a minha maior preocupação na época) mas também comecei a desenvolver o gosto por programar e fiquei me perguntando se de alguma forma eu poderia aproveitar aquilo para resolver ou lidar com algum problema biológico, pois sempre me interessei por biologia. No fim das contas isso era bioinformática, ou seja, o uso de ferramentas e de conhecimentos computacionais para resolver problemas biológicos, especialmente aqueles relacionados com genética. Bom, alguns anos depois eu tive a oportunidade de participar do programa “Ciências Sem Fronteiras” do governo federal brasileiro e tive a oportunidade de estudar biologia durante um ano e três meses na Inglaterra, lá eu fiz uma disciplina de Genética Molecular que me abriu os olhos para a bioinformática. De volta no Brasil eu consegui uma bolsa de iniciação científica no Hospital Israelita Albert Einstein e lá tive a oportunidade de começar a trabalhar com dados genéticos de pacientes com transtornos do autismo sob a orientação da doutora Karina Griesi Oliveira, que faz parte da equipe de pesquisadores lá do hospital.

Tanto na minha iniciação científica quanto agora no meu mestrado, a bioinformática é extremamente importante para mim pois ela me fornece as ferramentas que eu preciso para trabalhar com meus dados genéticos (que como disse, no meu caso. são oriundos de pacientes com autismo). Esses dados genéticos, que geralmente são dados volumosos e com bastante informação, precisam ser manipulados com algumas ferramentas computacionais e é o que eu faço para tentar entender o que acontece no DNA de pacientes que possuem essa doença.

Suzane Melo: Você fala sobre ter bolsa de IC num hospital. Ou seja, a instituição também atua como ambiente de pesquisa. Agora você está no IME – USP, que é uma instituição pública e de ensino. Qual a diferença de fazer pesquisa aplicada num lugar que também é centro de pesquisa e fazer pesquisa, também aplicada, numa instituição de ensino? Posso dizer que sua pesquisa é aplicada?

Bruna Garbes: Pode sim, porque a gente no fim das contas quer encontrar o que a chamamos de biomarcadores para essa doença. Ou seja, precisamos encontrar pistas ou características biológicas da doença que a gente pode usar para diagnosticar ela precocemente nos pacientes, uma vez que atualmente o diagnóstico para o TEA é feito exclusivamente a partir de avaliações psicológicas. Bom, o hospital onde fiz minha iniciação científica também atua como instituição de ensino, mas umas das diferenças é que, exatamente por lá também ser um hospital, há uma tendência muito maior de fomentar pesquisas que envolvam a área da saúde, com pesquisa clínica e mesmo pesquisa básica que utilize dados ou materiais biológicos humanos, enquanto que, em uma instituição de ensino como a USP, não necessariamente o foco das pesquisas terá alguma aplicação em humanos.

Suzane Melo: Como está sendo a trajetória de se tornar pesquisadora?

Bruna Garbes: Até agora tem sido bastante desafiadora, pois sempre tenho de correr atrás de novos conhecimentos, especialmente de conhecimentos das áreas da computação e da estatística sem, no entanto, esquecer que no fim das contas eu tenho de sempre me preocupar com o meu problema biológico em questão. Ao longo da minha trajetória, tive e tenho o privilégio de estar em lugares nos quais as pessoas são extremamente competentes e me incentivam o tempo todo a superar os desafios que eu encontro, pois trabalhar com bioinformática requer uma capacidade de lidar com assuntos e pessoas de diferentes áreas de atuação, pois ela é um campo da ciência extremamente interdisciplinar.

Suzane Melo: Como é ser mulher e fazer ciência, especialmente numa área dominada por homens?

Bruna Garbes: Pois é, eu tive uma professora, mas depois que eu me formei acabei vendo mais homens, especialmente oriundos da computação e da física do que mulheres.
É desafiador, eu felizmente nunca passei por nenhuma situação de assédio ou de constrangimento pessoal por ser mulher, mas ainda é nítida a baixa presença de mulheres em áreas tecnológicas, como por exemplo, na área de desenvolvimento de softwares ou de ciência de dados (o tão famoso data science que está bem na moda).
Na bioinformática também há uma linha de desenvolvimento de softwares, por exemplo, para visualização de dados biológicos, e sempre vejo homens trabalhando nisso.

Suzane Melo: Nos últimos anos, existe toda um movimento de incentivo para mulheres fazerem ciência, com foco nos campos de ciências exatas, tecnologia, engenharia e matemática. Você foi influenciada?

Bruna Garbes: Eu diria que sou influenciada, pois, depois que comecei a me empenhar em aprender mais sobre programação, comecei a ver que esse mundo é bem masculinizado, especialmente porque toda vez que tinha alguma dúvida com algum código e eu perguntava nos fóruns de dúvidas online e nos encontros que as pessoas dessas áreas fazem, sempre era algum homem que me respondia. Porém, desde o ano passado, descobri que existem grupos de mulheres de diversas áreas de atuação que se reúnem frequentemente e discutem vários assuntos relacionados às ciências exatas, como por exemplo, linguagem de programação. Esse é o caso da Pyladies e da R-ladies que são dois grupos voltados exatamente para a difusão do ensino da lógica de programação nas linguagens Python e R, respectivamente, para mulheres.

Suzane Melo: Acredita que estas iniciativas estão fazendo diferença?

Bruna Garbes: Sim, pois essas iniciativas não só propiciam um ambiente no qual as mulheres se sentem mais confortáveis e mais seguras para aprenderem e fazerem perguntas sem medo de serem julgadas ou intimidadas por saberem pouco sobre o tema, como também cria uma rede de interação entre essas mulheres que faz com que elas se sintam mais confiantes em iniciar uma carreira em alguma área tecnológica, como na área de desenvolvimento.
Eu, por exemplo, fiz várias amizades e é comum eu sempre encontrar algumas das meninas em algum evento de tecnologia. Isso é muito legal, pois me dá uma sensação de confiança e de que aquele ambiente é um ambiente que de fato eu posso me sentir a vontade para conversar, tirar dúvidas e aprender sem medo de ser subjugada por ser mulher

Suzane Melo: Acredita que serve de exemplo para que outras meninas e mulheres sigam na área de desenvolvimento?

Bruna Garbes: Eu particularmente não atuo na área de desenvolvimento, mas eu diria que atuo mais com data science, porém tenho amigas que são desenvolvedoras e acredito que todas nós queremos servir de exemplo para mais mulheres, pois isso no fim das contas é uma forma de contribuir para a existência de um ambiente de trabalho mais diverso e mais plural no qual as mulheres possuam mais representatividade e participação. O que eu acredito que nada mais é do que uma contribuição para uma sociedade com menos desigualdades sociais e mais justa.

Suzane Melo: Como você vê a divulgação científica?

Bruna Garbes: Vejo como uma ferramenta importante de comunicação entre o cientista e a sociedade, especialmente em momentos mais delicados como o que estamos vivendo agora, no qual a ciência é sempre vista como algo supérfluo e sem importância, quando no fim das contas ela e a educação são essenciais no desenvolvimento de um país.
Nós cientistas precisamos nos aproximar mais da sociedade se quisermos que nossos trabalhos possam ter continuidade, pois nenhuma sociedade vai valorizar aquilo que não conhece ou que não vê importância para si.

Suzane Melo: Gostaria de dizer algo mais? Mandar algum recado?

Bruna Garbes: Bom, acho que, por mais que as coisas e as situações pareçam difíceis, eu diria que sempre vale a pena insistir e lutar por aquilo se gosta ou que se acredita . Isso vale para vários aspectos da nossa vida, mas eu diria que vale sobretudo na escolha de uma carreira.