Caro leitor, depois de perceber que já abordamos no “Como o pai se une à criança?” a mudança cerebral na paternidade e outro post que discorremos sobre o papel do exercício aeróbico na memória, chega o momento de darmos um nome à esta série de posts que mostram como fatores extrínsecos modificam a estrutura anatômica que comanda todo nosso corpo: o cérebro.

Sendo assim, vamos pensar nas escolhas que fazemos ao longo da vida com a nossa saúde, que incluem alimentação, prática de exercício físico, otimismo e até (olha só que coisa) nosso voto/fiscalização em quem investirá em ciência e saúde!

Continue sempre sendo sapien!

“(…) Os primeiros mil dias (…) eles são tão importantes para o futuro da humanidade, que, se a gente se dá conta, a gente precisava se dedicar intensamente, a família, mãe, pai e a sociedade pra cuidar disso, pra terem pessoas melhores no futuro (…)” José Martins Filho, pediatra.

Juntando este pensamento (de um excelente vídeo que deixarei o link no final), os SciCasts que falamos da importância do Saneamento Básico (#212: Saneamento Básico#173 Intoxicações Alimentares) e as inúmeras vezes nosso host Homão (vulgo Malta) martelou sobre a importância de investimento nesta área, apresentaremos hoje uma pesquisa recente sobre a temática: Saneamento Básico e desenvolvimento cognitivo.

No final da década de 1960, uma equipe de pesquisadores começou a distribuir um suplemento nutricional a famílias com crianças pequenas na região rural da Guatemala. Eles estavam testando a hipótese de que o fornecimento de proteína em doses adequadas nos primeiros anos de vida reduziria a incidência de baixo crescimento destas crianças.

E deu certo! As crianças que receberam suplementos ficaram 1 a 2 centímetros mais altas do que as de um grupo de controle. Além disso as crianças que receberam a nutrição adicional tiveram um maior desempenho em testes de leitura, e os adolescentes em teste de conhecimento. Quando os pesquisadores retornaram no início dos anos 2000, as mulheres que receberam os suplementos nos primeiros três anos de vida completaram mais anos de escolaridade.

Esta pesquisa e outros estudos em todo o mundo – no Brasil, Peru, Jamaica, Filipinas, Quênia e Zimbábue -, associaram baixo crescimento em crianças pequenas com pontuação menor em testes cognitivos  e pior desempenho escolar.

Uma noção que se confirmou na pesquisa é que ter um baixo crescimento no início da vida é um sinal de condições adversas – como uma dieta pobre e episódios regulares de doença diarreica -, um preditor de déficits intelectuais e mortalidade. Mas nem todo crescimento abaixo do percentil adequado está relacionado a esses resultados. Agora, os pesquisadores estão tentando desvendar os vínculos entre crescimento e desenvolvimento neurológico. A má nutrição é a culpada sozinha? E quanto a negligência emocional, doenças infecciosasUm dos desafios de tais estudos é que os pesquisadores ainda estão tentando descobrir como é o desenvolvimento normal do cérebro.

Semelhante ao estudo de Dhaka, os pesquisadores estão analisando como o desenvolvimento do cérebro está relacionado a uma série de medidas, incluindo a nutrição e a interação pai-filho. A meta a longo prazo é tentar definir uma trajetória padrão da função cerebral para crianças.

O grande empurrão financeiro da Fundação Gates e dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA se mostra como um reflexo da urgência do problema.

Uma das esperanças para o estudo de Dhaka e a motivação para financiá-lo é que irá revelar padrões distintos nos cérebros dos bebês, que são preditivos de desfechos ruins mais tarde na vida e podem ser usados ​​para ver se as intervenções estão funcionando, diz Jeff Murray, vice-diretor da Fundação Gates.

Qualquer intervenção desse tipo provavelmente terá que incluir nutrição. Os envolvidos estão fazendo mais um estudo de acompanhamento dos aldeões do pobre país da América Latina para ver se aqueles que receberam suplementos de proteína antes dos 7 anos de idade têm taxas mais baixas de doença cardíaca e diabetes 40 anos depois. Mas a nutrição sozinha é improvável que seja suficiente – quer para evitar o baixo crescimento ou para promover o desenvolvimento cognitivo normal. Até agora, as intervenções nutricionais mais bem sucedidas ajudaram a superar cerca de um terço do déficit de altura. E esses programas podem ser muito caros. No estudo guatemalteco, por exemplo, os pesquisadores solicitaram à centros especiais para fornecer suplementos.

No entanto, os pesquisadores estão se esforçando para melhorar as intervenções. Um grupo envolvido no estudo de vacinas em Bangladesh está planejando testar suplementos em mulheres grávidas com a esperança de aumentar o peso ao nascer dos bebês e manter seu crescimento nos primeiros dois anos de vida. Tahmeed Ahmed, diretor sênior de nutrição e serviços clínicos no centro de pesquisa de doenças diarréicas, está planejando um teste de alimentos, como bananas e grão-de-bico, para tentar promover o crescimento de bactérias intestinais boas em crianças de 12 a 18 meses de Bangladesh. Uma microbiota bacteriana saudável poderia tornar o intestino menos vulnerável a infecções que interferem com a absorção de nutrientes e que aumentam a inflamação no organismo.

O saneamento básico, em última análise, não é somente sobre água, esgoto e lixo, é sobre o que as pessoas serão em suas vidas à medida que se desenvolvem.

Referências e links sugeridos:

Nature

Os primeiros mil dias das crianças