O mel é um dos principais produtos naturais que adoçam nossa vida, ao mesmo tempo em que alimenta o corpo de forma saudável. Porém, existem diferentes maneiras do produto ser adulterado durante sua passagem da colmeia à mesa.

Continuando com nossas ponderações a respeito da adulteração do mel na cadeia de abastecimento (o primeiro texto está aqui), hoje irei levantar algumas considerações sobre o mel adulterado de forma intencional, com o objetivo explícito de aumento da lucratividade ou mesmo de mascarar defeitos de conservação.

Como destaquei no primeiro texto, a característica nutricional e físico-química do mel é caracterizada pela florada que lhe deu origem – pela espécie de flor de que ela veio –, ou até mesmo pela espécie de abelha que transformou o produto [1]. Conhecer sobre as características do mel é o mínimo para delimitar se o produto sofreu algum processo de adulteração.

Entre as características de destaque do produto, não se deve deixar de mencionar a coloração (que varia de amarelo bem luminoso ao pardo escuro), sabor e aroma adocicado e fenólico (atrativo); e consistência variável com a temperatura do ambiente, mas nunca muito diferente do viscoso consistente. O mel contém ácidos sensorialmente chamativos, deixando-o com pH em torno de 3,9.

O grau de maturidade do mel – o quanto ele está apto ao consumo – pode ser dado em função da quantidade de açúcares redutores (um tipo especial de açúcar de alto potencial oxi-redutor, como a sacarose – merece um texto só dele para explicar suas capacidades!), sendo que a quantidade varia com a transformação. Para o mel puro, o ideal é de 6g/100g de produto, e para o melato transformado seria no máximo 15g/100g de produto.

Outro componente interessante para caracterizar o mel é sua quantidade de hidroximetilfurfural (Irei chamá-lo de HMF a partir daqui). Esta molécula é resultado da interação de alguns ácidos com açúcares hexose – que possuem seis carbonos, como a glicose e a frutose –, sendo que sua quantidade aumenta com a temperatura maior. Argumenta-se que a cada 10ºC a mais, a quantidade de HMF fica 4,5 vezes maior [1]. Guarde estas informações!

 

Representação esquemática da formação do HMF a partir da frutose. Repare que, com a saída das moléculas de água, o agrupamento dos carbonos vai ficando com dupla ligação, sendo mais difícil “quebrar” esta molécula [2].

 

A adulteração do mel mais reconhecida é a sua mistura com xarope de milho ou de beterraba, ou mesmo com a utilização do xarope de açúcar invertido. Quando utilizado o xarope do açúcar normal, a quantidade de HMF se torna mais diluída, então os laboratórios bromatológicos possuem condições de saber se houve adulteração por meio da comparação com a escala.

Porém, se a adulteração foi realizada com xarope de açúcar invertido, a detecção fica um pouco mais complicada. Este xarope já possui muito hidroximetilfurfural em sua composição, derivado da hidrólise ácida (“quebra” pela água) do xarope de milho que lhe deu origem. Desta forma, fica mais difícil ao laboratório saber se aquele HMF é resultante de adulteração ou do aumento da temperatura a que o alimento foi exposto.

Os laboratórios então utilizam outras formas diretas e indiretas para delinear se aquele HMF saiu ou não do mel. Quando o HMF é natural do doce, geralmente a quantidade de enzimas (como a glicose-oxidase) fica um pouco menor. A diminuição destas enzimas ocorre pois elas são gastas na reação com o ácido.

Desta forma, já sabemos: Se a quantidade de HMF estiver alta no produto, e a quantidade de enzimas também estiver alta, tem-se um indício que o produto foi adulterado!

Uma outra forma indireta de descobrir adulteração é baseado na pureza do alimento: Espera-se do mel a quantidade de sólido insolúvel em cerca de 0,1g/100g, a quantidade de minerais de 0,6g/100g (1,2g para o melato) e inclusive uma quantidade traço de pólen.

Por meio de uma determinação quantitativa, denominada de “índice diastásico”, pode-se inferir sobre a quantidade de alguns destes compostos minerais [5]. A presença em grande quantidade de zinco, ferro ou alumínio são indicativos de armazenamento inadequado (em embalagens que soltam átomos) ou mesmo da mistura com algum outro produto mais carregado desses elementos.

 

A normatização preconiza a diminuição das atividades de risco através da fiscalização. Na imagem, produtores, agroecologistas e comerciantes comemoram a regulamentação da lei do mel no Rio Grande do Norte, que institui padrões técnicos para a meliponicultora (criação de abelhas nativas sem ferrão) [4].

 

E outro procedimento bem interessante para ser citado é a reação de Lund. Praticamente se mistura o mel diluído em ácido tânico para que, assim, se observe a precipitação de substâncias albuminoides presentes no líquido viscoso [3].

Quando o mel é natural, espera-se uma geleia “albumínica” de 0,6 a 3 ml no fundo da proveta. Com mel adulterado, ou esta geleia não aparecerá, ou estará em menor quantidade. Com este teste não existe conversa!

Observa-se então que existem muitos testes para flagrar algum fornecedor que esteja traindo a confiança do consumidor. O melhor teste varia dependendo do aprofundamento que queremos obter sobre a adulteração, como ocorreu e com que tipo de agente químico!

Com estes dois textos, eu quero passar aos leitores sobre o quanto o conhecimento da Ciência de Alimentos é importante para que possamos garantir mais segurança e confiança em todas as fases da produção. E o quanto é complexo manter o abastecimento de alimentos pelo Brasil afora!

Se apenas com o mel já temos tudo isso de informação, imagine com outros alimentos! Qual produto poderá ser o próximo para ser descrito aqui no Portal Deviante? Não deixe de deixar sua opinião e até a próxima!

 

Referências:

 

[1]: GERMANO, Pedro Manuel Leal; GERMANO, Maria Izabel Simões (Org.). Sistema de gestão: Qualidade e segurança de alimentos. 1ª edição – 2013. Editora Manole LTDA, Barueri, SP. ISBN 978-85-204-3304-1.
[2]: AGATHA, Projeto. Questões de química da Fuvest 2021. Disponível aqui.
[3]: OPUCHKEVICH, Maria Helena; KLOSOWSKI, Ana Léa Macohon; MACOHON, Edson Roberto. Qualidade do mel no município de Prudentópolis. Revista Conexão UEPG, v. 4, n. 1, p. 36-38, 2008.
[4] AGORARN.  Lei regulamenta a atividade da meliponicultora no Rio Grande do Norte. Redação AgoraRN, 28 ago. 2021. Disponível aqui.
[5]: BARBOSA, Marlene Filipa Azevedo. Avaliação da estabilidade de mel da mesma origem ao longo de 6 anos: comparação com mel comercializado. 2012.