Para ler a parte 1 e 2 clique, respectivamente, aqui e aqui.

Vey, na boa… já tô perdido.

Depois de três textos, acho que devemos relembrar alguns conceitos chaves. O que você deve manter na cachola é o seguinte:

  1. Calcular distancias numa esfera e num pedaço de papel requer diferentes métricas.
  2. Ao redor de cada pequena região numa esfera, o espaço é plano
  3. Einstein generalizou a métrica para o plano, que é essencialmente o teorema de Pitágoras para o espaço plano em 4 dimensões
  4. Além disso, Einstein mostrou que gravidade e curvatura são a mesma coisa

Dito isso…

Finalmente Buracos Negros

Juntando todas as partes que escrevi até agora e tudo que você já sabe sobre buracos negros, podemos concluir o seguinte: Como buracos negros curvam o espaço-tempo, devemos vestir esse danado com alguma métrica. Ou seja, devemos estudar mapas dos buracos negros, e agora entra a cartografia.

A primeira pessoa a vestir esses objetos com um sistema apropriadamente foi Karl Schwarzschild; lembra dele e do seu bigode majestoso do primeiro texto? Curiosamente Schwarzschild achou essa solução enquanto estava nas trincheiras da primeira guerra mundial, em 1915. Poucos meses depois ele morreu de alguma doença que nunca tinha ouvido falar, mas depois de ver as fotos no google recomendo fortemente você a não fazer o mesmo.

A solução de Karl achou é a seguinte

Agora é um trabalho de entender o que cada um desses termos quer dizer.

  1. A parte vermelha já nos é familiar. Volte para o primeiro texto. É essencialmente a latitude e a longitude. É a métrica que podemos colocar numa esfera.
  2. A letra G é a constante de Newton (ensino médio?) A constante M é a massa do buraco negro.
  3. r é a nossa distância até o centro do buraco negro, que se localiza em r=0.
  4. t é o tempo. Lembra do texto passado que disse que toda vez que tiver um menos na frente de termo significa tempo? e que só caminha pra frente?

 

Agora é só um trabalho de exploração…

Como já temos um mapa pra buracos negros e entendemos o significado de alguns símbolos, entender esses objetos é essencialmente um trabalho pra bandeirantes (toda vez que falo essa palavra lembro do Morre Diabo!): explorar cada local que podemos caminhar nesse espaço.

 

  1. A primeira região a ser explorada é a que estamos agora, longe pra dedéu (como diria minha mãe) do buraco negro. Longe pra dedéu é uma distância tendendo ao infinito. E o que acontece quando dividimos algo por infinito? todo mundo que já dividiu um chocolate com um grupo de amigos sabe que quanto mais gente, menos chocolate você terá no final. Embora não mostre aqui, nesse limite o espaço que achamos é a métrica do espaço plano em 4D do texto anterior.

 

  1. Muito mais interessante é a região ao redor do buraco negro. Em particular, a região em que r=2MG.

 

O que há de tão especial aqui? Observe que na equação de Schwarzschild tem algo do tipo.

Aí você já viu o que acontece quando r=2MG né? Pecado. Lembra que um dos principais mandamentos da matemática é: Não dividirás por zero. (Se bem que algumas vezes você pode quebrar essa regra)

Então. É exatamente isso que acontece quando r=2MG. Veja que equação ofensiva achamos nesse ponto:

Inaceitável. Isso é uma singularidade.

Esse ponto é chamado Horizonte de Eventos. É o ponto de não retorno, uma vez que você cruza essa linha, ferrou, não tem mais como voltar. Por que? É um exercício algébrico simples, talvez você devesse tentar. As dicas: i) Lembre que se você dividir um número X por outro menor que X, o resultado é maior que 1; ii) Lembre que quando temos menos na frente da métrica, significa direções que só caminham para frente.

Por muito tempo os físicos ficaram meio encafifados com o que essa singularidade significava fisicamente. Mas depois descobriu-se que ela não era realmente uma singularidade importante e que pode ser removida se você vestir o buraco negro com outro mapa, ou sistema de coordenadas.  Essa singularidade surge porque tentamos juntar mapas de duas regiões distintas.

  1. Finalmente, temos uma outra singularidade. Essa em r=0.

Essa singularidade é mais séria e não pode ser removida vestindo o buraco negro com outros mapas. Justamente por isso é um ponto muito mais interessante.

Muita gente diz, e escreve, que esse é um ponto onde toda matéria está concentrada e tal… vamos ser honestos. Isso não é correto. Porque? O motivo pra isso é que singularidades denotam, do ponto de vista matemático, inconsistências da teoria.

A teoria gravitacional de Einstein funciona muito bem para todas as regiões do espaço onde r é diferente de zero. Longe desse ponto, podemos criar mapas para diferentes regiões do buraco negro e tudo será completamente consistente. Para r=0, devemos ter alguma teoria mais musculosa para esse ponto.

Problema semelhante acontece com o Big Bang. Usando a teoria de Einstein podemos reconstruir a evolução do universo até alguns segundos após a sua criação.

Como podemos resolver esse problema?

Tanto o centro de um buraco negro quanto o começo do universo, são eventos do espaço-tempo em que matéria e radiação estão concentrado numa região infinitesimal do universo. Por ser muito massivos, devemos usar a relatividade geral; mas por ser regiões muito pequenas, devemos estudar usando mecânica quântica. Mas isso é história para um outro texto.

 

Referências (em ordem crescente de dificuldade)

#1 Brian Greene: O tecido do Cosmos e Universo Elegante (divulgação)

#2 Steven Weinberg: The First three minutes (divulgação)

#3 Roger Penrose: The Road to Reality (mais ou menos divulgação)

#4 Susskind & Lindsay: Black Holes, Information and String Theory

#5 Anthony Zee: Einstein gravity in a nutshell (adoro esse livro, se tivesse que recomendar apenas um livro de RG seria este)

#6 Richard Feynman: Lectures on Gravitation (um ótimo livro, mas um pouco antigo)

#7 Sean Carroll: Introduction to General Relativity, existe uma versão gratuita desse livro no arXiv (esse foi meu primeiro texto de relatividade geral)

#8 Steven Weinberg: Gravitation and Cosmology (meu texto favorito de RG)

#9 Robert Wald: General Relativity (esse é leitura obrigatória na área; a bíblia de todo relativista.)