Bom dia e bem-vindas e bem-vindos a mais um Spin de notícias, o seu giro diário de informações científicas… em escala subatômica. Aqui é a Debbie Cabral e hoje 7 Auroran no calendário Dekatrian ou who cares no calendário da régua torta, Voltamos a falar de linguística forense.

E no programa de hoje:

– Uma ilusão de compreensão

Shiu shiu shiu shiu Spin de notícias!

Vou falar hoje do artigo “An illusion of understanding: How native and non-native speakers of English understand (and misunderstand) their Miranda rights”. Em tradução livre: Uma ilusão de compreensão: como falantes nativos e não nativos de inglês entendem ou não seus Miranda rights”. Esse foi um artigo publicado na revista The International Journal of Speech Language and the Law que, infelizmente, tem acesso restrito a assinantes. Então deixo o link da revista, mas, para ler o texto inteiro, tem que pagar…

Bom, vamos aos Miranda rights. Todo mundo que já viu um filme policial/investigativo de Hollywood sabe pelo menos o começo do Miranda Rights:

“You have the right to remain silent. Anything you say can and will be used against you in a court of law. You have the right to an attorney. If you cannot afford an attorney, one will be provided for you. Do you understand the rights I have just read to you? With these rights in mind, do you wish to speak to me?”

Você tem o direito de ficar em silêncio. Qualquer coisa que disser pode e será usada contra você no tribunal. Você tem direito a um advogado. Se não puder pagar um advogado, um será disponibilizado para você. Você entende os direitos que acabei de ler pra você? Com esses direitos em mente, você deseja falar comigo?

Lembrando que há variações. Não é uma frase única para todos. Apenas a ideia.

Vamos falar um pouquinho sobre o que são esses direitos e sua história. O nome Miranda rights vem da decisão da suprema corte americana de um caso de 1966 Miranda vs o estado do Arizona. Na verdade, o caso engloba 4 situações em que os presos foram coagidos a confessar, produzindo provas contra eles mesmo, ferindo a 5ª emenda da constituição dos EUA. Como havia muito abuso policial, os direitos do seu Miranda foram uma conquista com relação aos direitos humanos. Mas…..

Ainda hoje existem vários estudos em linguística forense sobre a eficácia desse parágrafo. Será que, mesmo um nativo da língua inglesa, em uma situação de estresse de estar sendo preso (sim, os direitos do seu Miranda só podem ser lidos quando há prisão! Se a pessoa estiver só depondo, deve ficar claro que aquilo é voluntário também), consegue entender aquilo? E se a pessoa tiver algum déficit cognitivo? E se não for nativo?

No artigo que vou comentar hoje, as pesquisadoras Aneta Pavlenko, Elizabeth Hepford e o pesquisador Scott Jarvis mostram que há uma desvantagem significativa no processamento dessa informação em não-nativos quando comparado com nativos da língua inglesa. E o que é pior, esses não nativos não perceberam que não entenderam e criaram uma ilusão de compreensão.

Vocês sabiam que 80% dos adultos e 90% dos adolescentes abrem mão desse direito e falam com os policiais sem a presença de um advogado? É um percentual altíssimo! Cadê o acesso desse povo ao Netflix??

Os autores fazem uma distinção importante entre dois obstáculos linguísticos para a compreensão dos Miranda rights por não-nativos. O primeiro tem a ver com a densidade de informação, pouca familiaridade com os jargões legais e construções gramaticais complexas. Essa mesma dificuldade é vista em falantes nativos com baixo grau de escolaridade. O segundo obstáculo está relacionado apenas aos não nativos e tem a ver com a velocidade com que os direitos são lidos/ditos e palavras que aparecem frequentemente no Miranda, mas que a pessoa não está familiarizada, tipo conjunções, modais e quantificadores.

A pesquisa foi feita com estudantes universitários testados e considerados com um inglês avançado para uma comparação com falantes nativos. Foram selecionados 82 nativos da língua inglesa, 117 nativos de língua chinesa e 66 de língua árabe.

Ao pedirem para esses estudantes parafrasearem (ou seja falar com outras palavras) os direitos do seu Miranda, o resultado foi que 10% dos nativos não conseguiram entender o suficiente, a média dos falantes de árabe foi maior que as dos chineses, mas, ainda assim, nem próximo que os pesquisadores estipularam como compreensão suficiente. Pediram, então, que os chineses, ao invés de parafrasear, escrevessem exatamente o que ouviam (o resultado ruim poderia estar relacionado com a falta de hábito ou de vocabulário para paráfrase) O resultado foi melhor… mas muito pouco

Na tentativa de criar alternativas plausíveis, os não nativos usaram palavras com sons parecidos, por exemplo right/write /  present/president/prison  // variações morfológicas questioned / questioning /  question // e polissemia, quando a mesma palavra tem vários significados. Right de direito entendido como correto ou exercise como prática de exercício e não exercer…

E dos não nativos 60% avaliaram que tinham confiança alta que sua compreensão estava correta.

Numa situação real, quando perguntados, então, se entenderam seus direitos, eles estariam confiantes em abrir mão de falar com o presidente ou com um advogado na prisão ou de fazer exercícios no pátio da prisão…

Por isso é tão necessária a pesquisa contínua de linguística forense que tenta identificar esses desafios para colaborar com uma justiça mais abrangente.

P-p-por hoje é só,p-p-pessoal! Lembro que todos os links comentados estão no post e deixe lá também seu comentário, elogio, crítica, declaração de amor ou sugestão de comprimido que queiram que eu dissolva. Lembro ainda que esse podcast só é possível acontecer por conta de seu apoio no patronato do SciCast, no Patreon, no Padrim ou PICPAY. Um grande abraço apertado e até amanhã!

 

https://journals.equinoxpub.com/IJSLL/issue/view/advanced-access

http://www.mirandarights.org/

https://www.uscourts.gov/educational-resources/educational-activities/facts-and-case-summary-miranda-v-arizona