A resenha de hoje é do livro O Rato e a Montanha, baseado em uma fábula escrita pelo filósofo italiano Antonio Gramsci, ilustrado por Laia Domènech e lançado no Brasil pela Boitatá, o selo de literatura infantil da Editora Boitempo.

O texto no qual este livro se baseou foi escrito por Gramsci em 1931 em uma carta enviada a seus filhos no período em estava preso devido à perseguição política do regime fascista italiano.

Esse objetivo de se comunicar com seus filhos se reflete no caráter carinhoso e didático da narrativa, bem como no tom de esperança da história, apesar desta ter sido escrita em um contexto de cárcere e com seu país em estado de depressão econômica, desolação social e opressão política.

A fábula narra a saga de um rato que, arrependido por ter bebido o único copo de leite de um menino, busca pela cidade e pela natureza meios para que haja leite disponível novamente.

Para isso, o rato conversa com a cabra e descobre que ela não dá leite porque o campo não dá mais capim, e então conversa com o campo e descobre que ele não dá mais capim porque a fonte não dá mais água, e então conversa com a fonte, e assim por diante. Finalmente, o rato chega até a pobre montanha com “suas encostas desmatadas e os cursos dos riachos secos” em que os “homens de negócio haviam derrubado tudo”. A montanha concorda em fornecer material para ajudar a ter leite novamente para o menino sob a promessa de que, quando o menino crescesse, ele replantaria as árvores para a chuva voltar, e assim formar o riacho e regar o vale novamente. Desse modo, as terras voltariam a serem férteis.

Numa primeira camada, mais evidente, Gramsci deixa evidente sua visão de mundo, segundo a qual é possível obter o progresso de uma sociedade se todos indivíduos estiverem trabalhando colaborativamente visando um objetivo comum.

Numa segunda camada, Gramsci acaba tratando sobre as consequências das ações humanas para o clima, uma discussão à frente do seu tempo, já que escreveu em 1931. Por mais que o impacto humano diretamente sobre o meio ambiente local (no sentido de mudança da paisagem natural) já fosse debatido desde a Primeira Revolução Industrial no século XVIII, a mudança climática em decorrência dessas ações se tornou pauta de discussão apenas na década de 1970. Na carta original, Gramsci ainda explica: “a precipitação atmosférica volta a ser regular porque as árvores retêm os vapores e impedem que as torrentes devastem a planície”.

As ilustrações de Laia Domènech são predominantemente sem cor, o que permite estabelecer um contraste com as ilustrações das últimas página em que tons verdes surgem como indicativo da prosperidade alcançada pela comunidade.

O Rato e a Montanha oferece, ao mesmo tempo, tanto uma história com elementos de fábula, que conseguem despertar a atenção de crianças de todas as idades, como também um ensaio repleto de simbolismos para tratar de assuntos como economia local, coletividade e impactos ambientais.