Maio chegou e com ele alcançamos o marco de dois meses de isolamento social. Todo mundo ansioso e com saudades de atividades ao ar livre e eis que surjo com um tema indigesto: por que engenheiros se preocupam com a transferência de calor? Alguns provavelmente vão protestar afirmando que desde que terminaram o Ensino Médio nunca mais usaram isso, mas isso não é verdade. Talvez vocês não tenham se dado conta, mas somos expostos a esses conceitos diariamente.

Lembra daquela ida à praia no final de semana e da sensação boa da areia quente e fofa debaixo dos pés, o sol batendo no rosto e aquela brisa suave com cheiro de maresia? Pois é, em menos de um minuto você já experimentou as três formas de transferência de calor: condução, radiação e convecção.

Matando (ou não) as saudades do professor de física, devemos entender que o calor é um tipo de energia em movimento, desde que haja uma diferença de temperatura. O modo, entretanto, como essa energia pode ser transferida varia e segue as três formas mencionadas anteriormente, todas elas bem distintas entre si.

Para que a CONDUÇÃO ocorra, é necessário um meio sólido ou fluido (gás ou líquido) – desde que este permaneça estável. As moléculas de um fluido, por exemplo, possuem um dado grau energético decorrente do movimento de translação aleatório, além dos movimentos internos de vibração e rotação. Tal grau será mais elevado quanto maior for a temperatura das moléculas e, como consequência, tais moléculas mais energéticas, ao se chocarem com suas vizinhas “meio paradonas”, irão transferir parte desta energia. O mecanismo nos sólidos funciona de forma similar, em que os movimentos se propagam através do reticulado – uma espécie de rede que interconecta os átomos – como ondas. E é por isso que o seu pé, um sólido, sente que os grãos de areia estão quentes. A areia está a uma temperatura mais elevada e transfere por condução essa energia ao seu corpo.

Já quando analisamos a CONVECÇÃO, estamos mais interessados na situação envolvendo um fluido e uma superfície sólida, embora possa ocorrer entre fluidos distintos. Os movimentos de translação, rotação e vibração descritos anteriormente também ocorrem, com o mecanismo adicional de movimentação do fluido como um grande agregado. Adicionalmente, podemos falar em dois tipos de convecção: forçada e natural. Enquanto na primeira há um equipamento impondo o escoamento – aqui basta lembrar do ventiladorzinho preso ao microprocessador no seu PC – nesta há apenas a ação do empuxo.

Para clarear o último caso, podemos exemplificar com a situação em que um ar condicionado trabalha para refrigerar um determinado cômodo. O ar quente é menos denso, ou seja, mais leve que o ar frio. Correntes ascendentes de ar quente sobem ocupando o lugar do ar frio anteriormente ali. A massa de ar frio que desceu é aquecida e volta a gerar a mesma corrente ascendente, com o ciclo se repetindo várias e várias vezes. Tudo isso em função do empuxo. Por esse motivo não é recomendado que esse tipo de aparelho seja instalado na parte inferior. Do contrário, ele trabalhará mais, consumirá mais energia e não será tão eficiente. E nesse meio tempo em que estamos tostando na nossa praia imaginária, a brisa suave que vem direto da água está, por meio da convecção, removendo o calor de nossa pele.

Por último, mas não menos importante, temos a RADIAÇÃO. Aqui todos são convidados a participar: gases, líquidos e sólidos emitem energia quando estão a uma temperatura diferente de zero. A energia é transmitida através de ondas eletromagnéticas (ou fótons, que são pacotinhos de luz) em virtude de alterações na configuração eletrônica do material em questão. Qualquer objeto emite radiação e também é capaz de absorvê-la ou transmiti-la. O grau com que fará isso irá depender das características do material assim como de sua geometria. Algumas dessas ondas eletromagnéticas interferem diretamente na nossa experiência praieira, como é o caso do infravermelho. A sensação de calor pode ser atribuída a esta onda em específico, enquanto a necessidade de usar protetor solar é por conta do ultravioleta, que pode causar mutações no nosso DNA e, consequentemente, câncer de pele.

O estudo desse tema é de vital importância na engenharia e, para melhor compreender o motivo, basta notar a matriz energética brasileira. Cerca de 56% é constituída por combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), portanto não renováveis. Em 2019, dados preliminares da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostraram que o consumo de energia elétrica foi de 486 GWh, com a indústria sendo responsável por quase 35% desse consumo, seguida de perto pelo setor residencial e comércio (29,4 e 19,1%, respectivamente).

Infelizmente grande parte da energia que é produzida e consumida se perde na forma de calor. O desafio atual em um momento que discutimos tanto a questão da sustentabilidade ambiental é melhorar a eficiência que convertemos energia, diminuir as perdas e tentar armazenar o máximo possível desse calor perdido.

Vejamos o caso da indústria siderúrgica, por exemplo. O aço é produzido em fornos especiais que chegam a temperaturas de 2000°C. Para evitar que o calor necessário ao processo seja desperdiçado, o forno é revestido com um material refratário para isolamento térmico, além de proteger o material e aumentar a longevidade do forno.

Nos grandes centros urbanos, com redução da cobertura vegetal e intensificação das construções de concreto é muito frequente o fenômeno de ilhas de calor. Isso gera um desconforto térmico, que aumenta o uso do ar condicionado – especialmente no verão. Muito desse desconforto pode ser sanado graças ao uso de tintas térmicas nos telhados e paredes, que, por suas propriedades especiais, absorverão quase nenhuma radiação infravermelha – responsável por metade da energia do espectro eletromagnético.

Outro caso que merece destaque é o uso de células a combustível, podendo ser considerada uma forma de energia limpa. O princípio é bem simples, funciona como uma espécie de pilha: um eletrodo combustível e outro oxidante mergulhados em um eletrólito e interconectados por um circuito. A energia química é convertida em elétrica por meio da oxidação do hidrogênio, gerando como subproduto água e tendo a vantagem de ser muito mais eficiente a baixas temperaturas.

Atualmente existem muitas iniciativas com o intuito de deixar um legado mais sustentável para as próximas gerações e o uso consciente de energia é algo que trará um grande impacto. Entendermos de forma simples os conceitos envolvidos na produção da mesma e como ela pode ser perdida nos torna críticos em relação aos nossos hábitos. Em paralelo, o conhecimento nos dá mais força para cobrarmos dos articuladores de novas políticas o engajamento nesse tema: maiores investimentos em pesquisas, subsídio a empresas com tecnologia limpa e um maior comprometimento em mudar a atual matriz energética brasileira.

 

Referências Bibliográficas:

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  • O que é célula a combustível? Usp.br. Disponível em: <http://www.usp.br/portalbiossistemas/?p=4316>. Acesso em: 3  maio  2020.
  • WENDT, HARTMUT, GÖTZ, MICHAELINARDI, MARCELO. Tecnologia de células a combustível. Química Nova, v. 23, n. 4, p. 538-546, 2000.

Gabriela Uribe. Formada em biomedicina e engenheira mecânica, um pequeno gafanhoto errático no caminho do conhecimento. Gostaria de ganhar a vinda lendo e ter um sítio para cuidar de animais abandonados.