O futuro da construção civil pode ser a impressão em 3D?[i]

A impressão 3D não é assim uma suuuuper novidade, e, na verdade, muitos campos de pesquisa atuam com essa ferramenta desde os anos de 1980 – de design, até mesmo saúde. Hoje a escala vai mudar um pouco e vamos falar sobre como essa tecnologia pode trazer novas possibilidades à arquitetura e à construção civil – para além do uso mais conhecido, na produção de maquetes tridimensionais.

Vamos começar pelo que há de comum nos processos de impressão 3D! Mesmo que cada aplicação tenha suas particularidades, de modo geral, o processo para grande parte delas passa pelo desenvolvimento de um objeto em um software de modelagem, para depois enfim ser impresso por um equipamento específico.

O primeiro processo, o de modelagem, ocorre geralmente em dois tipos de softwares: os de Modelação de Sólidos (solid modelling) e os de Modelação de Superfícies (surface modelling).

Nos sistemas de modelação de sólidos, os objetos desenhados são preenchidos por dentro. Isso quer dizer que cada sólido terá uma “casca” e um “recheio” (sim, realmente como uma bolacha recheada). Essa tecnologia permite a realização de cálculos e simulações das volumetrias modeladas, como o cálculo de peso de uma estrutura ou a condutividade elétrica de algum material. Já nos sistemas de modelação de superfícies, os objetos não possuem o preenchimento, sendo apenas a casca aparente modelada.

Em relação ao material utilizado como “tinta” (claro, tinta aqui é apenas para fazer uma alusão às impressoras convencionais, porque, afinal, estamos falando aqui de materiais com o volume como determinante!), tudo vai variar conforme o objetivo do modelo final – bem como os equipamentos utilizados para essa impressão. Especificamente em relação à construção civil, as principais tecnologias hoje disponíveis para a impressão 3D partem da extrusão de concreto. Vamos a alguns desses métodos:

Contour Crafting (ou CC), de tecnologia norte americana: funciona a partir de um braço mecânico, através do qual é feita a extrusão de concreto em estado pastoso já na quantidade programada. O equipamento basicamente realiza uma extrusão do contorno e preenche o interior desse contorno – o que possibilita tratar o preenchimento de paredes com materiais mais leves ou até mesmo aproveitar materiais de propriedades de isolamento térmico-acústico mais interessantes. Para isso, a peça que deposita o concreto possui saídas diferentes para o contorno e o recheio. Esses equipamentos podem ser utilizados tanto em fábricas (pensando em um uso pré-fabricado) ou diretamente no canteiro de obras.

Simulação de funcionamento do método CC no próprio canteiro, associado com um sistema de montagem de pré-fabricados. Imagem disponível aqui

Concrete Printing, de tecnologia inglesa: é um método que também parte de uma extrusão de concreto pastoso, porém no qual as camadas são extrudadas de forma sucessiva, preenchendo a totalidade das paredes – imagine que esse duto de onde sai o concreto trabalha depositando linha a linha do preenchimento, e ao fim, você tem uma parede monolítica, única. É um equipamento com capacidade de deposição por camada menor se comparada ao Contour Crafting, o que garante maior precisão no acabamento das superfícies. Quando adotado esse método, também é possível optar pela aplicação em fábrica ou no canteiro.

Mobiliário urbano impresso com tecnologia Concrete Printing, mostrando a precisão até em formas orgânicas. Imagem disponível aqui

D-Shape, de tecnologia italiana: a principal diferença nesse método é que, além da extrusão do material, há ainda uma etapa de compressão. A D-Shape trabalha com uma superfície onde é depositada uma mistura de agregados, fibras e óxidos metálicos. Após a deposição desses materiais, rolos compactadores passam sobre a mistura injetando um aglutinante, garantindo resistência às placas – basicamente, esses rolos “amassam” a mistura e adicionam uma cola para torná-los mais fortes. Normalmente esse método é aplicado como um pré-fabricado, não sendo recomendada sua aplicação em canteiro de obras.

Esquema indicando como é a operação do método D-Shape. Imagem disponível aqui.

Pensando na aplicação desses métodos de impressão 3D em escala, do que sabemos até o momento, quais seriam as vantagens e desvantagens?

Algumas vantagens seriam:

– Processos mais automatizados, com ganho de tempo e economia de recursos, garantindo também um custo inferior de produção.

–  Possibilidade de uso de materiais reciclados e mais eficientes energeticamente em escalas mais amplas.

Já algumas das desvantagens seriam:

– Até o momento, as tecnologias disponíveis apenas permitem a impressão de paredes (ou fechamentos). Ainda não é possível adotar esses métodos para impressão de fundações e telhados; ou instalar eletrodutos, tubulações, portas, janelas ou outros componentes automaticamente.

– Essa tecnologia também ainda não permite a construção de edificações muito altas, tendo sido mais adotada para construções de apenas um ou dois pavimentos.

– No caso dos métodos que permitem a utilização do maquinário no próprio canteiro, é importante considerar que esses equipamentos ficarão expostos às intempéries durante a construção, o que pode, em certa medida, trazer prejuízos de funcionamento.

Embora ainda não existam tantos exemplos da aplicação dessa tecnologia para a construção civil, diferentes países estão investindo no aprimoramento das técnicas de impressão 3D para a construção civil. Um exemplo é uma proposta dos Emirados Árabes para Dubai, na qual a ideia é que até 2025, ao menos um quarto dos novos edifícios da cidade sejam impressos em 3D.

Maaaas, enquanto não chegamos nesse ponto, já é possível extrair muito aprendizado a partir das experiências que já foram implementadas em diferentes países. Vamos a alguns exemplos!

Algumas experiências de casas impressas e habitadas[ii]

Em 2018, a primeira casa impressa a ser habitada por uma família foi construída na França, contabilizando 54 horas de impressão e mais quatro meses para sua finalização, com uma economia de 20% no seu custo final, se comparada às construções mais tradicionais. Com 95m², o processo para sua construção foi organizado da seguinte maneira:

–  O projeto foi desenvolvido por uma equipe de arquitetos, acompanhados por pesquisadores especializados que realizaram a programação da impressora 3D.

– Para dar início à construção, optou-se por levar a impressora diretamente ao canteiro de obras, onde já havia sido preparada uma fundação rasa para a edificação.

– Para o processo de impressão, foi adotada a metodologia de contornos, sendo utilizado como camadas externas um isolante em poliuretano e como preenchimento, cimento.

– Ao longo do processo de extrusão das paredes, foram encaixadas as estruturas para as caixilharias (ou seja, janelas e portas), que foram instaladas ao término da impressão, juntamente com a cobertura.

 

 

Fotografia do processo de impressão, onde podemos observar tanto as camadas de material aplicado quanto as estruturas de esquadrias já alocadas. Imagem disponível aqui

 

Fotografia da casa finalizada. Imagem disponível aqui

Já nos EUA, uma startup de robótica para construção civil chamada Icon, ergueu sua primeira casa modelo em 2018 em Austin (no Texas), pensando em uma proposta para casas emergenciais. Recentemente, em setembro de 2020, a mesma empresa implementou na mesma cidade um conjunto de casas para desabrigados. A iniciativa faz parte de um projeto local para um bairro planejado de acolhimento da população sem-teto da região, considerando um programa de moradias para cerca de 480 pessoas.

Com 37m², a moradia que inclui uma cozinha integrada com uma área para estar, um quarto, um banheiro e uma varanda, foi impressa em menos de 48 horas. Posteriormente foram finalizados os acabamentos e instalações elétrico-hidráulicas das unidades. O aluguel de 300 dólares por mês garante, além da moradia, a participação de programas de apoio educacional e oportunidades de emprego dentro da comunidade.

Fotografia do exterior das unidades finalizadas. Imagem disponível aqui

 

Fotografia do interior das unidades finalizadas. Imagem disponível aqui

Além desses exemplos, outras moradias já foram implementadas na Holanda, Bélgica, República Tcheca, China e México. No Brasil, Juliana Martinelli, aluna do curso de engenharia elétrica do Centro de Ensino Unificado de Brasília (UniCEUB) e fundadora da startup InovaHouse3D, em parceria com a empresa 3DHomeConstruction (do Rio Grande do Norte) concluíram em julho de 2020 o primeiro protótipo brasileiro de impressão 3D para uma moradia.

Para o desenvolvimento do modelo, a equipe se baseou nas especificações do programa federal “Minha Casa, Minha Vida”. Ao fim, a casa com 66m² (dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço) foi edificada em Macaíba (cidade na região metropolitana de Natal, no Rio Grande do Norte), utilizando um compósito cimentício (semelhante à argamassa). A preparação do canteiro de obras durou um total de uma semana e a impressão levou dois dias. Espera-se que ao final do primeiro semestre de 2021 a residência esteja finalizada e pronta para abrigar sua primeira família.

Impressão de habitações para programas habitacionais[iii]

Tanto os trabalhos da Icon, nos Estados Unidos, quanto de Juliana Martinelli trazem um ponto forte em comum: o desejo de aprimorar essa tecnologia e implementá-la para aplicação em programas habitacionais.

Como falamos anteriormente, é uma tecnologia que permite uma velocidade impressionante de construção, com menores desperdícios e adequada tanto para pré-fabricação quanto para utilização no canteiro de obras. Todos esses fatores juntos dão uma perspectiva interessante para o futuro da impressão 3D em grandes programas habitacionais.

Entretanto, estudos indicam que a aplicação da impressão 3D para o desenvolvimento de modelos em menor escala pode não representar exatamente a mesma economia de custo em um cenário de aplicação em grande escala – principalmente se pararmos para analisar todos recursos e maquinários necessários para essa ampliação. Além disso, quando falamos desses programas habitacionais devemos ir além do número de casas a serem construídas – devemos pensar também na qualidade dessas moradias, condições ambientais e de urbanidade disponibilizadas, dentre outros fatores.

Por esses motivos, embora a aplicação da impressão 3D traga uma ótica bastante animadora em termos tecnológicos, ainda precisamos de estudos e análises aprofundados, para quem sabe, em breve, possamos unir essa nova ferramenta a uma qualidade de vida excepcional a uma população ainda maior.

EM TEMPO: Casa é construída com impressão 3D e argila na Itália[iv]

Logo na sequência da publicação do Spin #1285, recebemos uma matéria superinteressante sobre a construção de uma casa também utilizando uma técnica de impressão 3D, mas, ao invés de utilizar concreto ou cimento, esse protótipo partiu do uso de terra, SIM, terra! Por isso estamos fazendo essa soma aqui “em tempo” no formato de texto!

O protótipo foi construído na região de Bolonha, na Itália, no início de 2021, partindo essencialmente de materiais da própria região, compreendendo que, dessa maneira, além de todos os benefícios de uma construção impressa em 3D, haveria também uma redução nas emissões de carbono – considerando que tanto o transporte de materiais quanto o desperdício cairiam drasticamente com essa opção pelo material local.

O projeto da casa foi desenvolvido como parte do programa de Design Ambiental Sustentável da Architectural Association School of Architecture de Londres, e, para além das considerações ao material utilizado e ao incentivo às novas tecnologias empregadas, também houve uma pesquisa aprofundada sobre a problemática habitacional global e as possibilidades que a solução proposta pode agregar nesse contexto.

 

Fotografia das casas sendo impressas. Imagem disponível aqui

Referências:

[i] (A) O futuro das Habitações Sociais pode ser a impressão em 3D? – Disponível aqui

(B) Uso da impressão 3D na produção de unidades habitacionais de baixa renda – Disponível aqui 

(C) A impressão 3D como alternativa para a diminuição do déficit habitacional no Brasil – Disponível aqui 

 [ii] (A) The world’s first family to live in a 3D-printed home – Disponível aqui.

(B) Vila de casas impressas em 3D é construída para sem-tetos nos EUA – Disponível aqui

(C) O futuro é agora: casas impressas em 3D começam a ser habitadas na Holanda – Acesso aqui

(D) Estudante idealizadora da primeira casa impressa em 3D do Brasil vai representar o país na Rússia – Acesso aqui

[iii] (A) Uso da impressão 3D na produção de unidades habitacionais de baixa renda – Disponível aqui

(B) A impressão 3D como alternativa para a diminuição do déficit habitacional no Brasil – Disponível aqui

[iv] (A) Casa é construída com impressão 3D e argila na Itália – Disponível aqui

(B) Round Houses of Raw Earth: 3D Printing Sustainable Homes in 200 Hours – Disponível aqui

(C) Megaimpressora usa terra crua e constrói casa de 60 m² em 8 dias – Disponível aqui

 


Heloisa Escudeiro. Sou arquiteta e urbanista, mestranda em planejamento urbano e regional, entusiasta a professora, apaixonada por artes manuais e humana de gatos e plantas (e, às vezes, tudo junto e misturado).

 

Para ouvir este Spin, clique aqui