Olá, leitoras e leitores. O texto de hoje é de um comentário crítico que eu fiz pra disciplina de Filosofia da Educação, no curso de história que comecei. Como eu gostei do meu texto, quis compartilhar aqui. A ideia do trabalho era pensar o Mito da Caverna de Platão na modernidade. Vamos ver no que deu!

O mito da caverna

Em linhas gerais, o mito ou parábola da caverna é um recurso de Platão para explicar a diferença entre o “mundo sensível” e o “mundo inteligível”.

Na história, as pessoas ficam presas dentro de um caverna e tudo que enxergam e conhecem são sombras projetadas na parede, sombras essas geradas por figuras colocadas em frente a uma fogueira.

A questão é que, como as pessoas não conhecem o mundo fora da caverna, pensam que aquelas sombras são a realidade. Até que um dia, uma dessas pessoas consegue se libertar e sair.

A princípio, essa pessoa é cegada pela luz do sol, mas conforme seus olhos se acostumam, ela consegue ver o mundo como ele é e percebe que as sombras são apenas representações enganosas da realidade.

Essa pessoa lembra de seus companheiros e volta para a caverna para contar a verdade a eles, porém, os outros zombam dele por questionar aquilo que eles têm como certo e acabam por matá-lo.

O sentido por trás da história

A história serve para ilustrar as teorias de Platão sobre o mundo sensível, daquilo que você capta pelos seus sentidos (o mundo das coisas) e o mundo inteligível, que você só alcança pelo exercício da razão (o mundo das ideias).

As pessoas, em geral, teriam acesso apenas ao mundo sensível, portanto, não conseguiriam compreender a essência própria das coisas. O filósofo seria aquele capaz de se libertar da caverna e compreender essa essência, a realidade para além das sombras que podem ser captadas pelos nossos sentidos.

Contudo, se baseando na condenação de Sócrates a tomar veneno, Platão conclui que esse filósofo, ao tentar libertar as pessoas da caverna, seria menosprezado e defende que prefeririam se manter presas ao que têm como verdade, à percepção falha sobre as coisas em vez da compreensão das ideias.

A caverna na atualidade

Para pensar o que seria a caverna na atualidade, precisamos, primeiro entender como a realidade atual se assemelha e como se diferencia da de Platão.

Mesmo após anos do nascimento da filosofia, que, segundo Chauí (2000), se propunha a romper com a explicação mitológica do mundo, a sociedade ainda não superou totalmente a narrativa mítica, a qual ainda é recurso tanto para explicar coisas para as quais a ciência não tem uma resposta totalmente satisfatória (por exemplo a origem da vida, do universo e tudo mais), quanto para o que já tem explicações plenamente compreensíveis (como a eficácia ou não de um tratamento médico).

Sociedade da hiperinformação

Quanto às diferenças das sociedades, dentre as muitas que existem, hoje nós vivemos na “sociedade da hiperinformação” (MARSHALL, 2013). Na atualidade, as imagens vistas na parede da caverna, ou seja, aquilo que se acreditar ser real, não são formadas apenas pelo apego à uma tradição e mantidas, em boa parte, pela falta de informações. Agora as pessoas têm excesso de informação, acessível a qualquer momento a partir da cada vez mais crescente internet móvel.

Pensando na caverna, seria como se você tivesse muitas fogueiras, cada uma com muitas sombras projetadas. As pessoas se dividem em grupos, cada um podendo olhar apenas para um grupo de sombras. Ou melhor, até podem olhar para outras sombras. Conseguem até sair da caverna se quiserem, mas estão tão crentes das sombras que sempre foram colocadas para elas, que qualquer outra já é taxada de absurdo.

Manipulação das sombras

O problema na atualidade não é só a falta de conhecimento sobre o real, cuja tarefa de relevar a filosofia passou muito bem à sua pupila, ciência. Atualmente, as pessoas têm formas de acessar a informação adequada, mas essa está sufocadas por informações imprecisas e falsas e a sociedade em geral não desenvolve as habilidades de buscar, filtrar e interpretar essas informações.

Como agravante, existem setores (políticos, econômicos) que conhecem dessa deficiência social e manipulam a percepção das pessoas. Uma forma é com o uso de tecnologias de disseminação de informações (nem sempre comprometidas com a verdade), de conhecimentos da neurociência e da psicologia. Outra é com o uso de técnicas da publicidade, que já fazem seu trabalho ao introjetarem uma mentalidade consumerista com que a sociedade passa a encarar o mundo (fazendo um jabá pro concorrente, dá uma olhada no Naruhodo 291: por que preferimos certas marcas a outras sobre o tema).

Isso permite não apenas uma maior manipulação das sombras que a sociedade percebe, mas também um maior apego das pessoas ao que querem ver, já que a desinformação acaba constituindo um reforço potente às suas pré-compreensões de mundo.

A libertação da caverna

A luz do sol, que na história de Platão representa o conhecimento sobre a realidade, continua sendo a busca pelo conhecimento, cujo maior instrumento é a educação. Contudo, essa educação deve ser adaptada ao seu tempo, não pode ser uma “educação bancária” (FREIRE, 1978) , em que o professor só “deposita” informações na cabeça do aluno, sem desenvolver nele uma autonomia para conhecer mais.

Em uma sociedade em que a informação está plenamente disponível em quantidade nunca vista e incapaz de ser totalmente absorvida pelo cérebro humano ou por qualquer computador existente, a educação que se limita a transmitir conhecimento apenas seleciona algumas das informações existentes a estudantes.

Diante disso, a educação na atualidade deve focar no desenvolvimento de habilidades, em especial, na habilidade de buscar, filtrar e interpretar a informação, sempre de forma autônoma e crítica, algo que ainda está muito em falta no modo como pensamos as escolas e universidades.

 

Referências

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2006. Disponível em http://home.ufam.edu.br/andersonlfc/Economia_Etica/Convite%20%20Filosofia%20- %20Marilena%20Chaui.pdf. Acesso em 25 ago. 2021.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra,
1978.

MARSHALL, Lenadro. A sociedade da hipercominicação. In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO CENTRO-OESTE, 15., 2013, Rio Verde. Anais […]. Rio Verde, [s.n.], 2013.

NARUHODO 291: por que preferimos certas marcas a outras. Hosts: Ken Fujioka. Altay de Souza. [S.l.], B9, 05 jul. 2021. Podcast. Disponível em: https://www.b9.com.br/shows/naruhodo/naruhodo-291-por-que-preferimos-certas-marcas-a-outras/. Acesso em 25 ago. 2021.