Sim, somos todos fanáticos. Ok, tudo bem, no mínimo, torcedores. Não falo só em relação ao futebol, mas em diversas áreas. Todo mundo conhece um amigo ou colega que é corintiano, são-paulino, palmeirense, flamenguista. Mas esse amor à camisa ultrapassa as barreiras do esporte. Somos aficionados por aquilo que amamos, e esse tipo de amor é totalmente compreensível. Eu, por exemplo, sou extremamente bairrista com minha cidade, São Paulo, que pra mim é a maior, melhor e mais incrível do mundo, e se eu fosse imperador do Brasil catchup na pizza seria crime inafiançável.

Esse sentimento de pertencimento de grupo é tão forte, tão empoderador, que hoje no Brasil e no mundo vivemos uma onda de polarização política, onde questões das mais triviais até as mais complexas são resumidas numa briguinha ridícula em que todo mundo grita, ninguém tem razão, muitas vezes com argumentos resumidos a 280 caracteres.Ou seja, uma grande discussão de 5ª série, igual àquelas de 5ªA com a 5ªB num interclasse de escola. Falando dessa forma parece até ser uma coisa meio patética, logo, muitas pessoas podem até pensar que esse tipo de competição não ocorre dentro da academia, o que não é verdade. Essa característica é tão intrínseca da natureza humana que podemos acreditar que ela existe em todas as esferas sociais, e mesmo os mais intelectuais dos cientistas não consegue tirar de si esse viés.

Muitos pesquisadores se apegam tanto a sua área de conhecimento que, em certo ponto, ele a vê como a melhor de todas. Muito natural, até nossa mãe nos acha a pessoa mais incrível do mundo, independente do que fazemos. Temos como um grande exemplo aquela velha briga entre exatas, humanas e biológicas, apesar de todos sabermos que claramente a área de biológicas é superior (risos). Mas dentro da ciência essa conduta é particularmente complicada, pois muito raramente uma área sozinha possui todas as respostas para quaisquer questões que ela tente responder. Muitos biólogos ficaram tristes ao descobrir que pra ser cientista tinha que saber matemática, trágico. Mas para os fins da nossa discussão iremos ficar apenas dentro da nossa casinha, a área da saúde.

A hidradenite supurativa (HS), também conhecida como acne inversa, é uma doença crônica inflamatória recorrente que acomete os folículos pilosos da pele e afeta as glândulas apócrinas, principalmente nas regiões das axilas, da virilha, do ânus e das genitálias. Surgem lesões que podem gerar cicatrizes e fibrose no local acometido. É considerada uma doença rara no Brasil (por volta de 150.000 casos por ano) e atinge majoritariamente mulheres após a puberdade. Como um clássico das doenças crônicas, não tem cura e existe uma infinidade de abordagens terapêuticas para o tratamento. Ok, até o momento estou apenas descrevendo uma doença assim como qualquer site faria. Mas a parte interessante vem agora, prometo.

A HS é uma doença multifatorial, como predisposição genética, influência hormonal sobre a expressão gênica e resposta imune exagerada. Além disso, temos outro clássico das doenças crônicas que são os fatores de risco e, neste caso, temos o tabagismo, obesidade, atrito mecânico e o uso de alguns medicamentos como lítio, sirolimo (usado como profilaxia de rejeição de órgãos transplantados renais) e acetato de medroxiprogesterona (usado para tratamento de amenorréia secundária e outros distúrbios relacionados ao ciclo menstrual). Bom, legal saber disso, mas, e daí?

Vamos analisar esses fatores de riscos e fatores diversos. Fazendo uma pesquisa rápida no PubMed por “hidradenitis suppurativa genetic”, filtrando as datas de 2000 a 2020, podemos observar que, dos 20 primeiros resultados, 17 são referentes a publicações feitas em revistas de Dermatologia. “Interessante”, você pode pensar, pois realmente faz todo o sentido essa área ter um interesse maior nessa condição”. Porém, apenas 2 desses 20 artigos de relevância eram publicados em jornais de imunologia, nos quais principalmente eram expostas pistas sobre a fisiopatologia dessa doença. Pensando nisso, sou levado a pensar: será que o foco é maior no tratamento do que na origem da doença? É muito mais valoroso investir em remediação do que em prevenção?

São ponderações importantes de serem feitas. Mas o ponto que proponho de pensarmos é o porquê que não temos mais artigos que envolvem muito mais do que apenas um profissional que lida com essa doença. Uma coalizão entre dermatologistas, imunologistas, profissionais da biologia molecular, endocrinologistas, psicólogos, assistentes sociais e até esteticistas levaria a resultados incríveis pensando sob essa lente. Elucidar os mecanismos moleculares e a fisiopatologia ajudaria a entendermos a causa dessa doença, e, para isso, seria muito bem-vinda a união entre dermatologistas, com sua experiência de consultório, e imunologistas e profissionais da biologia molecular,com o mapeamento dos microprocessos que acontecem dentro dessas pessoas. Problemas de autoestima são recorrentes nas pacientes que passam por isso, além dos inúmeros reflexos que essa condição pode trazer para a vida dessas pessoas, logo, um acompanhamento com psicólogo e assistente social seria imprescindível, além de uma esteticista.

Observando por esse ponto, parece simples, certo? Mas certamente não é. Necessitamos de programas que incentivem a união entre essas áreas, pois uma união orgânica é extremamente difícil de acontecer. Não porque os especialistas são egoístas ou maus, apenas a falta de incentivo para que ocorra a tal da interdisciplinaridade leva a cada profissional se situar em sua zona de conforto, e cada área já tem seus desafios próprios. Logo, atravessar essa barreira disciplinar se torna um desafio desnecessário a ser enfrentado com poucos frutos. Acredito que investimentos em interdisciplinaridade poderiam gerar protocolos muito mais completos e complexos, que poderiam servir como um norte muito mais confiável para a elaboração de políticas públicas, principalmente em um país como o nosso, que possui um sistema como o SUS.

Em resumo, todos nós temos nossos times internos, e às vezes, tudo o que precisamos é de um incentivo para fazermos uma seleção, para o benefício de pessoas que estão torcendo simplesmente torcendo por viver suas vidas da melhor forma.


João Paulo de Sousa Ferreira. Bacharel em Biomedicina, iniciado Científico pelo ICB I da Universidade de São Paulo e Pós-Graduando em Docência do Ensino Superior. Candidato a cientista maluco desde cinco anos. Músico triste como blues antigo, formato computadores e olho pro céu noturno encantado.