No começo de 2005 foi lançado Resident Evil 4. A reformulação da franquia survival horror da Capcom foi um sucesso estrondoso e ditou tendências. Diferentemente de hoje que você pode jogar o game praticamente em qual dispositivo eletrônico, na época o game ainda era um exclusivo do Game Cube, console de sexta geração da Nintendo. Assim, havia uma demanda nas outras plataformas por games nos moldes de Resident Evil 4. Com isso, várias produtoras se inspiraram no game e lançaram suas “versões” desse survival horrorCold Fear foi a aposta da Ubisoft, através da produtora Darkwood. Saindo ainda em 2005 para PC, PS2 e Xbox, no game controlamos Tom Hansen, um militar servindo na Guarda Costeira Americana que atende um chamado de emergência do baleeiro russo, Eastern Spirit. A trama envolve experiências com um tipo de parasita que foi encontrado no fundo do mar e que tem a capacidade de reanimar corpos mortos de seres vivos. 

Apesar de não ter uma história tão complexa, o plot se concentra em um questionamento que aflige muitos pesquisadores na vida real: Que tipo de seres podem existir no fundo do mar?  

Então, aproveitando esse questionamento, prepare seu colete salva-vidas, se segure firme quando a tempestade chegar, e vamos juntos mergulhar até a região mais profunda do mar para descobrir as espécies que vivem nesses lugares e se seria possível algo parecido com os parasitas vistos no game.

Antes de tudo, vale um aviso. Apesar dos inimigos no game terem sua origem em um parasita, não iremos abordar parasitismo e sim a origem desses parasitas. Falaremos então sobre os espécimes que vivem nas profundezas do oceano e conjecturar sobre o que ainda podemos encontrar por lá. Se quiser saber mais sobre parasitismo ou até mesmo sobre Resident Evil 4, recomendo a leitura desse outro texto aqui. Continuando… 

Na história do game, durante a perfuração de um poço de petróleo pela plataforma Star of Sakhalin foi encontrado uma caverna subaquática que continha uma nova espécie de parasita. Os cientistas dessa companhia de petróleo o chamaram de exocel e descobriram que esse parasita podia usar como hospedeiros, corpos de seres vivos recém falecidos. O dono da companhia de petróleo, Dmitriy Yusupov, investiu em pesquisas e fazendo experiências com esses parasitas, foi criado o soro exocel. O objetivo era reanimar corpos com esse soro, porém a coisa saiu fora do controle e ocorreu a contaminação de todos os tripulantes da plataforma de petróleo e da tripulação do baleeiro Eastern Spirit, também da mesma empresa. 

Animais pré-históricos descobertos em uma caverna subaquática? Hum, talvez eu tenha visto novamente esse plot em algum lugar…

É nesse momento que entra nosso protagonista Tom Hansen, começando suas investigações no baleeiro e terminando o game na plataforma petroleira, descobrindo toda a conspiração por trás da empresa de Yusupov.

Apesar de possuírem fisiologia e natureza extremamente estranhas, onde incialmente foram confundidos com alienígenas, os cientistas de Yusupov verificaram que os exocel eram sim parte do ecossistema da Terra. Na vida real, muitos animais que vivem nas profundezas dos mares, antes de serem descobertos e estudados, eram tidos como monstros fantásticos. É o caso da lenda do Kraken, que com o avanço da ciência, descobriu-se que se tratava de lulas gigantes, que apesar de ainda ser um animal incrível, está longe das fantasias contadas por marinheiros.

Um parasita exocel

Mas por que conhecemos tão pouco sobre as profundezas do oceano e os animais que ali habitam? De forma bem resumida, são três pontos: Pressão, escuridão e tamanho.  

Diferentemente de uma viagem para o espaço, onde a pressão atmosférica diminuiu à medida que subimos, nos oceanos à medida que descemos, a pressão aumenta. A cada 10 metros a pressão aumenta 1 atm. Para feito de comparação, a Fossa das Marianas, o local mais profundo dos oceanos tem uma profundidade de quase 11000 metros, nesse local a pressão seria algo em torno 1100 atm. Com pressões dessa magnitude, foi somente em 2020 que conseguimos enviar um veículo não tripulado e autômato para esse local, chegando aos 10000 metros de profundidade e começando o mapeamento da região.

No final do primeiro Transformers, os Decepticons foram jogados no Abismo Laurenciano que fica a 6000 metros de profundidade. Talvez se ele tivessem sido jogados nas Fossas Marianas, não teríamos Transformers 2…

Na chamada Zona Abissal (locais abaixo dos 4000 metros de profundidade, onde a falta de luz, altas pressões e frio reinam) existem diversos animais que conseguem viver por lá devido aos seus corpos serem adaptados para essas condições extremas. A pressão produzida pela água seria capaz de esmagar até proteínas, impossibilitando funções vitais em seres vivos terrestres, porém animais adaptados para essas profundidades possuem em suas células óxido de trimetilamina. Esse óxido funciona como uma parede que absorve a pressão exercida pela água. Outro ponto é que animais desse tipo acabam tendo uma pressão maior dentro das células para compensar a pressão externa, entretanto isso impede que vivam na superfície, o que explica porque vários animais abissais morrem quando são trazidos à superfície. Se fossem reais, dificilmente os exocel conseguiriam causar toda a confusão vista no game.

Nosso querido tardígrado é um desses incríveis seres que resistem à altas pressões

A escuridão é outro ponto. Depois de 1000 metros de profundidade a escuridão é absoluta, tanto que a maioria da vida marinha a partir desse ponto ou é cega ou não possui olhos. Isso reflete nos exocel do game que também não possuem olhos, fazendo sentido com o que existe na vida real.

Tamanho é outra coisa que importa quando se trata da exploração dos oceanos. 71% da superfície terrestre é coberta de água e a média de profundidade dos oceanos é de cerca de 3000 metros, considerando que só temos um bom conhecimento daquilo que está até 200 metros de profundidade, já dá para termos uma ideia do quanto ainda falta para conhecermos da vida marinha. Então, assim como acontece no game, a descoberta de novas espécies é perfeitamente plausível e até mesmo esperada.  

Para finalizar essa parte, se você quiser saber mais sobre os motivos de conhecermos tão pouco sobre os oceanos, recomendo a leitura deste texto aqui, produzido pelo nosso colega Pedro Henrique aqui para o Deviante mesmo. 

Falando sobre a adaptação da vida marinha para viver em grandes profundidades, os exocel trazem algumas características bem parecidas com o que vemos na vida real. Corpos macios e estruturas com poucos ossos são algumas dessas características. Porém, a principal característica encontrada em seres abissais não é vista nos exocel, a bioluminescência. 

Bioluminescência é a produção de luz fria e visível pelos seres vivos. A luz é gerada através de uma enzima chamada luciferase, que tem a capacidade de oxidar a substância luciferina, durante esse processo é liberado energia que emite luz. Quando pensamos em animais que usam bioluminescência, o primeiro exemplo que nos vem à mente é o vagalume, mas é nos oceanos que ela é mais usada, tanto que alguns estudos apontam que a bioluminescência pode ser o meio de comunicação mais usado no planeta Terra, já que essa é uma de suas utilidades.  

Também como vimos em Procurando Nemo, bioluminescência também é usada como forma de atrair presas

Se não vemos bioluminescência nos exocel, existe outra característica da fauna abissal que encontramos neles, seres que são praticamente fósseis vivos. Muitos animais encontrados nas profundezas dos mares pouco mudaram ao longo de milhões de anos. Isso também reflete nos exocel. Os cientistas de Yusupov, através de estudos de DNA, descobriam que esses seres já estavam na Terra a milhões de anos. Ainda não sabemos ao certo o porquê desse ambiente ter tantas criaturas antigas, talvez seja porque a vida nasceu nos oceanos ou até mesmo porque esses animais já chegaram ao ápice da adaptação para o ambiente onde vivem, enfim, são apenas algumas suposições.

O tubarão-cobra é uma das espécies mais antigas do planta. Já foram encontrados fosseis dessa espécie com cerca de 80 milhões de anos.

E para finalizar, vamos voltar ao nosso questionamento inicial: Que tipo de seres podem existir no fundo do mar? 

Bem, provavelmente uma infinidade de seres, que também provavelmente vamos levar um bom tempo para descobrir, mas a pequenos passos estamos avançando, motivamos por aquilo que define a humanidade, a exploração. 

Encontraremos algo parecido com os exocel? Talvez, mas se um dia descobrirmos essa espécie, ela deixará de ser um monstro. Afinal, não existe muita diferença entre um Pé Grande e um gorila, exceto que o gorila foi categorizado e colocado dentro da arvore da evolução das espécies, feito isso, esse deixa de ser um misterioso.  

E sobre Cold Fear, recomendo para quem é fá de survival horror. É um excelente game que infelizmente não foi tão bem recebido por ter ficado à sombra do titã Resident Evil 4. E você, já conhecia Cold Fear? Jogou? Deixe aí também nos comentários suas críticas e sugestões. Até a próxima, pessoal. 

Fonte: Wikipédia, Survival Horror Wiki, Tempo.com, Canal Tech, Jornal da USP, Britannica Escola, BBC Brasil, Perito Animal, SYFY e Super Interessante