Com rosto no chão, ao lado dos pés do seu contratante, estava o capanga inconsciente. O velho senhor dono da tecelagem estava espantado enquanto via que um pequeno fio de sangue saia do nariz do homem no chão. Um anão o encarava com uma cara vermelha e bufava em fúria na sua frente, o outro capanga tinha um punhal encostado em suas costelas e um homem de bigode fino falava algo nos seus ouvidos. Ele buscou com os olhos o outro capanga, esse tinha sacado sua espada, mas quando deu o primeiro passo, outro homem com olhos vermelhos o deteve.

– Não há mais necessidade de novas agressões senhores – disse Daniel fazendo com que o restante da multidão se dispersasse.

– Concordo com esse senhor, talvez possamos chegar a um acordo – falou o capanga em voz baixa.

Assim, o velho balançava a cabeça confirmando que aceitava a proposta para evitar algo pior, a mulher se levantara e olhava fixamente para seu salvador, Alerin ainda não dizia nada, mas seu rosto ficara menos corado.

Por algum tempo, as moças encheram os ouvidos do grupo com acusações contra o velho senhor de maus tratos e todos os tipos de abuso. Eram consideradas as melhores da região e escravas de luxo. As autoridades da cidade eram pagas para fazer vista grossa à situação delas. Tudo tinha piorado com a chegada de tantas pessoas na cidade. O velho acabou prometendo que iria respeitar as moças, que elas receberiam uma pequena parte nas vendas de cada peça, ainda que receberiam um valor do dono por causa dos maus tratos recentes. Daniel e Alerin concordaram em ficar mais alguns dias na cidade para verificar se o acordo estava sendo realizado e foram compensados por isso, pois não pagaram nada pelos dias que ficaram na taverna.

Daniel precisou de dois dias para se recuperar e remontar o grupo, precisavam de mais pessoas. Jorge optou por ficar em Belo Jardim, havia necessidade de guardas na cidade e sua experiência como mercenário não fora muito boa. Daniel admitiu a Alerin que o esforço fora muito grande para executar aquele encantamento, avisou que não pretendia usar mais aquilo no futuro. Alerin viu que o corpo do mago ficou cheio de marcas vermelhas, a pele parecia rachar, dores de cabeça e tonturas foram rotineiras durante esses dias, enquanto Daniel descansava e recebia visitas de Esmeralda. Ainda precisa ser considerado que o mago ficara inútil por alguns dias, nada inteligente e estratégico.

Alerin ficou encarregado de contratar novas espadas junto com o trapaceiro. Falando nele, foi bem recompensado a pedido das moças pelo tio. Sua bolsa ficou cheia e seu ego também. Foi complicado deixar as moças a vontade por tanto tempo, mas o esforço o compensou bem, o seu talento natural com as mulheres sempre o recompensava.

Precisaram de um dia inteiro para procurar sangue novo, mas ninguém se interessava. Belo Jardim era uma cidade pacifica, poucos gostavam de aventuras, a maioria estava preocupada em manter a cidade em ordem e fazer uma boa fortuna com negócios.

Entre os refugiados, poucos pareciam ter alguma utilidade, aqueles que tinham algum potencial estavam interessados em dias melhoras sem lutas sangrentas, mas no final daquele dia, duas pessoas encontraram Alerin. Disseram que sabiam que o anão responsável por salvar as pobres costureiras estava procurando por novas espadas e eles se apresentaram como antigos guardas da vila da Vigília. Os dois eram jovens, principalmente o arqueiro. Alerin optou por contrata-los, ainda pediu para que trouxessem mais pessoas de confiança, caso conhecessem alguém interessado. Daniel e Alerin combinaram que seria bom ter um grupo com seis.

Então, na manhã seguinte, Alerin aguardava Daniel que tinha fechado seu quarto e entregue a chave bem cedo ao taverneiro. Junto com o Anão estavam o trapaceiro e os três antigos guardas de vila da Vigília, os dois primeiros contratados encontraram mais um antigo companheiro interessado em continuar vivendo pela espada.

– Onde está esse mago? Parece uma mulher que vai para um baile, sempre atrasado. Odeio esperar! – resmungava o anão.

– Deve ter ido resolver as pendências dele com a cigana, não acha? – perguntou o ladrão sorrindo.

– Ele evita aquele mulher de todas as formas, creio que vai embora sem falar com ela – palpitou o jovem anão.

– Eles pareciam bem próximos. Se aquilo é evitar, imagine quando era apaixonado por ela – disse o ladino voltando a sorrir.

– Senhores, o outro contratante está melhor? – perguntou um dos jovens rapazes.

– Sim, está. Ficou muito drenado por fazer um encantamento, mas está recuperado. Aquele maluco teria morrido se estivesse sozinho, mas foi muito corajoso da parte dele – falou o trapaceiro.

– Concordo. Daniel sempre faz o que for necessário, não importa o tamanho do sacrifício, fiquei impressionado com esse maldito….  Que não honra com as próprias palavras! Desgraçado, ele tinha combinado! – esbravejou o anão fechando a cara enquanto Daniel se aproximava.

Uma moça de cabelos cor de mel acompanhava o mago. Isso arrancou um belo sorriso da cara do golpista. Sua pele branca e olhos verdes chamavam a atenção, seus traços finos davam a impressão de uma mulher delicada, mas a realidade era bem diferente. Suas roupas eram similares as dos protetores que vagavam pelas florestas, as proteções eram verdes escuras com detalhes escarlates destacando o símbolo de sua casa que foi rapidamente reconhecido pelo anão.

– Vejo que desfez nossa acordo, nobre sócio – falou áspero o anão.

– Você o fez primeiro, lembra? – respondeu Daniel.

– Estavas mal, o que poderia fazer sem a ajuda dela? – defendeu-se.

– Não importa, trato é trato, você descomprimiu primeiro – disse o mago.

– Então você quer uma escravagista entre nós? – falou alto Alerin olhando para a elfa.

– Um momento. Não tenho nada a ver com isso. O escravagismo foi proibido nesse continente há mais de quinhentos anos. O pai do meu tataravó tinha escravos e homens livres. Além da ligação sanguínea, não tenho escravos, nem concordo com os pensamentos deles, isso foi há muito tempo – disse a elfa claramente irritada com a acusação.

– Nenhum anão esquecerá o que os elfos fizeram por mais de mil anos. Nunca esqueceremos esses brasões que mataram centenas de nós – falava o anão com a voz mais calma apontando para o símbolo na proteção da elfa.