(conto anterior)

Quase um ano após a carnificina em Coração Negro, Hamza andava pela floresta Estranha com a ordem dos Flamejantes ao lado de Olívia e Helena, e dois acólitos, Eduardo e Clóvis. Em breve, os dois seriam deslocados para compor a guarda da ordem. Ao contrário das demais escolas ou ordens mágicas, a ordem Branca não dispensa aqueles que não conseguem despertar completamente seu potencial. Os sensíveis a magia são treinados arduamente para dominar técnicas de combates se tornando guardiões ferozes e muito habilidosos.

Acompanhavam os flamejantes a convite de Donovan, este tinha recebido uma informação que uma concentração de goblins estava circulando pelo pé da montanha Sinistra na fronteira leste do reino.

Durante a viagem, Hamza pensou sobre as tribulações dentro da ordem Branca. Mestre Donovan fazia questionamentos com alguma frequência, exigia mais participação e mais ações contra as forças sombrias. Desejava uma vigilância maior dentro e fora do reino, mas as estruturas se confundiam, já que a ordem nascera dentro do reino há quase seiscentos anos.

A grande casa da ordem ficava dentro do reino. Não era incomum que paladinos e clérigos fornecessem algum tipo de apoio durante batalhas, por isso a ordem era mal vista fora dali e tinha más relações com os bárbaros e os reinos élficos. Donovan irritou a ordem solicitando novos e bons acólitos, pedindo que os ensinamentos fossem alterados para abordagens mais ofensivas.

Nessa campanha, saiu com os flamejantes sem autorização do conselho deixando a situação ainda pior, por isso o convite a Hamza, Olívia e os outros. Seriam perfeitas testemunhas das ações deles, pois havia um movimento interno pedindo a expulsão do velho mestre. O apoio de Hamza era importante, já que possuía grande estima dentro da ordem com vários jovens.

Precisaram de três dias para chegar ao local que não estava protegido. Apenas alguns corpos em decomposição foram encontrados pendurados em alguns galhos de árvores como um aviso. A floresta cedia por todo o pé da montanha, assim não foi difícil encontrar a grande entrada do covil das criaturas.

Donovan os dividiu deixando um terço dos flamejantes com Douglas na entrada. A ordem era que nada poderia escapar dali. Então invadiram o local que tinha uma entrada larga e iluminada ainda com luz natural e, com alguns passos, perceberam que havia duas entradas, uma passagem sul e uma passagem norte. Hamza, Olívia, Clóvis e dois outros membros dos flamejantes ficaram responsáveis pelo sul. E Donovan iria verificar o norte com o restante.

Hamza liderou o grupo pelo caminho sul. O ar era fétido e úmido. As poucas tochas deixadas iluminavam precariamente aquele lugar. Olívia mal sentia a energia sombria dos goblins a frente. Era incomum essas criaturas terem esse tipo de aura, mas outra coisa chamou a atenção dela ao norte dali. Um tipo de energia sombria pulsou, parecia estar escondida. Pulsou e sumiu. Em breve, informaria tudo a seu marido, pois chegaram numa abertura e um rústico salão se revelou com alguns goblins. As criaturas estavam surpresas e correram em busca de seus arcos.

Hamza lançou uma adaga energizada que acertou uma das criaturas pelas costas e orientou que procurassem proteção, pois os inimigos iriam alcançar suas armas. Zack e Nelson ignoraram a ordem e tentaram alcançar os goblins. Clóvis correu para direita, pois dois goblins surgiram de lá tentando atacar de surpresa. Enquanto isso, Olivia lançou um encantamento sobre os dois flamejantes. Hamza soltou algumas reclamações e tentou acompanhar os dois. Clóvis segurava dois goblins e o encantamento de Olivia fez os imprudentes correrem mais rápido. Simultaneamente, derrubaram dois inimigos, mas foi tempo suficiente para que um deles conseguisse alcançar um arco. Hamza chegou a tempo para evitar que os dois fossem estocados pelas costas. Assim matou dois goblins com um movimento quase sobrenatural deixando os flamejantes bem surpresos. Não sei se por sorte ou reflexo, evitou uma flecha negra que acabou acertando o peito de Zack. A criatura sorriu e preparou outro disparo, sem perceber uma massa de energia que a jogou contra parede, logo a criatura estaria fora de combate. Já Clóvis usava com maestria sua espada e escudo, uma criatura ficava sem a perna e a outra sem a cabeça, o jovem terminou a luta com alguns cortes, mas acabou superando um grande desafio.

Olívia correu para ajudar Zack, precisava saber se a flecha possuía algum tipo de veneno ou encantamento.

– Isso parece ser um depósito, precisamos retornar. Vamos deixar Zack com Douglas e ajudar o grupo de Donovan – disse Hamza olhando para a entrada do salão.

Levaram algum tempo para retornar, explicar o que havia acontecido e não tinham nenhuma informação sobre o grupo de Donovan.

Agora, estavam avançando pela entrada norte. Douglas tinha insistido e estava com eles no lugar de Zack. O caminho era melhor iluminado, encontravam com alguma frequência corpos de goblins e alguns tipos de runas espalhadas sem padrão pelo caminho.

Essas “runas” eram estranhas e tinham um leve brilho roxo. Demoraram, mas finalmente chegaram em uma câmara. Dessa vez, era bem trabalhada e tinha uma boa iluminação. Era possível ver claramente aquela cena horrenda. Um lugar recheado de corpos, tanto de goblins quanto de flamejantes. No centro, havia uma figura que não escondia mais sua energia vil, era uma energia que Olívia demorou para reconhecer, mas foi instantâneo para Hamza.

O homem tinha os braços e partes do corpo cobertos por sangue, as feições eram envelhecidas e o olhar vazio, mas o sorriso do mestre Donovan era inconfundível.

– Finalmente! Foram anos e anos de espera – disse Donovan limpando o rosto.

– O que você fez! – gritou Nelson com o rosto repleto de horror com o que estava vendo.

Avançou contra o velho mestre junto com Clóvis, que reconheceu o corpo de Eduardo ao lado de Donovan. A luta foi rápida com movimentos sobre-humanos. O mestre arrancou a mão direita de Clóvis e acertou a coxa esquerda de Nelson. Então o acólito foi lançado distante como se fosse um saco de arroz. Nelson atacou fazendo um pequeno corte na armadura do velho mestre, mas acabou atravessado pela espada do carniceiro.

– Esse era bom, ninguém tinha me “acertado”! – disse isso rindo e zombando enquanto empurrava o corpo com alguma vida para longe. – Agora é a vez de vocês! – quando terminou de falar a espada ascendeu em chamas pequenas.

– Mestre, que loucura é essa?! Não pode ser você, não pode! – dizia Douglas que tinha congelado de tanto horror.

– Calma, Douglas! Vamos resolver isso, calma! Não faça nada precipitado! – Hamza tentava raciocinar naquela cena surreal.

– Verdade, não é bem o seu mestre aqui – zombava Donovan. – Isso pouco importa, tomei o controle desse corpo, foram anos até conseguir controlar esse velho. Agora, preciso de um verdadeiro avatar. E não será você pequeno Douglas. Hamza é bem mais talentoso, será perfeito!! Hahahaha! – gargalhava de forma tão sinistra que preenchia completamente o salão.

– Não o meu marido! Você não vai encostar nele, seu velho maldito! – os olhos da sacerdotisa brilharam tão intensamente, mas o poder fraquejou e o ataque de luz mal afetou o sombrio.

– Vejo que estou com sorte, vi você fazer melhor, menina! Será o fim de você também, só tenho interesse nele… – o velho mestre não conseguiu terminar a frase.

Hamza se energizou buscando fazer o golpe mais rápido e mortal possível. Junto com Douglas que conseguia fazer a espada em chamas também, atacaram “Donovan” juntos. Hamza quase igualou a velocidade do mestre, mas foi desarmado e jogado violentamente contra o chão, isso salvou a vida de Douglas que fora golpeado e lançado para o outro lado do salão por uma explosão feita pelo velho mestre.

– Não! Não! – gritou Olivia.

 – Simmmmmmm – agora é a sua vez, o velho pegou a adaga de Hamza e fez chamas apareceram nela.

Donovan lançou a adaga flamejante contra Olivia, mas se arrependeu do movimento conseguindo no final do movimento desviar um pouco a direção do ataque, pois Hamza desesperado se jogou na frente para salvar sua amada. Assim Hamza acabou acertado pelas chamas e uma parte da lâmina nos olhos. Ainda viu por uma última vez o rosto aflito de sua esposa.

– Nããããããooooooooooooooooooooo! Não! – o mestre gritava desesperadamente.

– O meu avatar! Está estragado! Não! Não! – o desespero começava a virar ira.

– A culpa é sua! Morra maldita! – completamente entregue a ira, gritava com Olívia erguendo sua mão para tentar golpeá-la.

Hamza não permitiu, segurou o punho do antigo mestre e colocou a outra mão sobre sua testa, lágrimas ainda escorriam dos seus olhos queimados com um sorriso amargo de felicidade.

– Você nem conseguiu o domínio total deste corpo, ainda há faíscas de luz emanando de sua energia sombria. Meu antigo mestre ainda luta! – disse isso começando a concentrar a energia que restava.

– Você não tem como saber disso, você não domina a visão verdadeira. – dizia espantado o velho amaldiçoado.

– Não preciso, sua escuridão “inundou” esse lugar completamente! Desapareça! Eu te expurgo! – os olhos de Hamza começaram a brilhar, em seguida foi a vez dos olhos e da boca do seu antigo mestre.

O corpo ficou sem forças e caiu no chão já sem vida, porém tinha um sorriso de satisfação como se o antigo mestre estivesse satisfeito. Os dois choraram e se abraçaram, perderam o grande mestre e quase um ao outro.

– Quando? Quando ia me contar? – indagou encarando com seus olhos queimados.

– Se o fizesse, deixaria eu vir? – ela respondeu passando a mão carinhosamente no rosto dele.

– Hã… não! – respondeu um pouco contrariado.

– Então? Só iria dizer na volta! Eu preciso dar um jeito…

– Vocês poderiam… terminar a conversar depois? E ajudar aqui??? – disse o irritado Douglas do outro lado da sala.

(Próximo conto)

Meus agradecimentos ao revisor dedicado desse texto, Adriano Schramm.

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