Já parou para imaginar como se tenta prever qual será a demanda por transporte público, congestionamento entre outros daqui a cinco anos? Em geral isso é o resultado de decisões das atividades – guarde este termo – de todas as pessoas na cidade. Uma pessoa realiza várias atividades ao dia como ir ao trabalho, praticar esportes, realizar compras e voltar para casa. Para realizar estas atividades esta pessoa tem que se deslocar entre os locais destas atividades. Baseado nas nossas atividades, os locais possíveis para realizá-las e a disponibilidade de modos de transporte escolhemos onde, quando e com que modo de transporte nós nos deslocaremos para cada uma destas atividades.

Com base nessa ideia de que a utilização do sistema de transportes é o resultado das atividades cotidianas, muitos grupos de pesquisas e agências utilizam ferramentas de planejamento que são inspiradas neste conceito; estes modelos são chamados “Modelos baseados em atividade”. O que quer dizer isso? A grosso modo, a ideia é ter uma simulação da cidade tipo o SimCity em que existem pessoas ou “agentes”  dentro desta simulação que tomam decisões baseadas nas informações disponíveis e às vezes até imperfeita – como nós seres humanos.

Ilustração da simulação. Esta figura é do jogo SimCity.

 Esses agentes têm um local de residência e um local de trabalho e todos os dias esse agente toma decisões de onde serão suas atividades – como por exemplo, trabalho, academia e supermercado – onde elas serão realizadas e como ele vai se deslocar para cada atividade. Inclusive como a figura acima demonstra, onde o seu carro ficará estacionado e a que custo.

Ainda que estas ferramentas sejam tão divertidas quanto o jogo SimCity (ao menos para quem trabalha com isso ;)), o foco desta simulação é no aspecto da mobilidade urbana da simulação desta cidade. O objetivo é basicamente entender por que partes da cidade são mais congestionadas que outra e como a decisão dos nossos agentes (pessoas) mudam caso determinado corredor fique mais congestionado. Talvez vão utilizar o transporte público ou pode ser que pessoas que trabalharam na área troquem de emprego ou o mercado preferido para as compras cotidianas.

Pois bem, perceberam que as pessoas vão ao trabalho, podem pegar o transporte público e podem fazer compras e esses são os locais em que as pessoas mais frequentemente se infectam devido ao COVID-19?

Conceitualmente, nestes modelos, pessoas realizam determinadas atividades (por exemplo, “trabalho”) em determinados locais (por exemplo, um prédio comercial em um certo endereço) com um tempo determinado (por exemplo, das 9h às 18h). Nós podemos ver quantas pessoas se encontram dentro desta simulação e podemos tentar simular o contagio de COVID-19 de pessoa para pessoa.

Isto é muito similar a essa animação que circulou na internet um tempo atrás. Seria como analisar quando duas pessoas se “batem” nesta simulação.

Baseado nesta ideia, um grupo de pesquisa alemão utilizou a ferramenta de simulação que tem um foco em transportes e mobilidade urbana e adaptou-a para também levar em consideração a transmissão do COVID-19. A ideia é que a cada vez que duas pessoas se “encontram” seja no transporte público, trabalho e etc essa pessoa será infectada com probabilidade proporcional ao tempo de exposição e a proximidade da outra pessoa.

Aí essa pessoa infectada possivelmente mora com mais 2 ou 3 pessoas que também podem se infectar e que possivelmente vão ao trabalho no dia seguinte e podem infectar outras pessoas e por aí vai. Rodando essa simulação por múltiplos dias dá para estimar qual será o número de infecções na cidade; onde essas infecções ocorrem e simular casos hipotéticos. 

E aí, quais foram os cenários simulados e a quais resultados chegaram?

Eles partiram do modelo “normal” da cidade para modelar um caso base que seria o de nenhuma intervenção. Além disso, eles avaliaram diversas combinações entre restrição de idas ao trabalho, desligamento de transporte público e significativa redução de atividades fora de casa além das obrigações profissionais e escolares. Por último, eles testaram um caso em que todas as pessoas ficam em casa (lockdown).

Os resultados são bem parecidos com o que se menciona no estudo que baseou a desistência do Reino Unido da tal da imunidade de rebanho. Todos os casos que não são um lockdown completo quase toda a população de Berlim seria eventualmente infectada. No caso base o pico de casos e pacientes doentes ocorreria após 45 dias quando coexistiram em torno de 2.3 milhões de pessoas infectadas. Com restrições de transporte público e de idas ao trabalho há um achatamento significativo da curva com o pico reduzindo de 2.3 milhões para 1 milhão de pessoas. Seria uma melhora significativa, mas ainda seria um patamar que poderia exceder a capacidade dos hospitais.

Por último, testou-se o lockdown completo. Neste caso, há ainda um crescimento do número de casos logo após a implementação porque o vírus estaria no período de incubação e pessoas poderiam ser infectadas por outros membros da família. No entanto, logo após isso há uma queda relativamente rápida no número de pessoas infectadas. Este é o único cenário em que uma boa porção da população não seria infectada – o número de infectados depende basicamente de quando a medida é colocada em operação.

Em resumo, este estudo corrobora os estudos anteriores que estratégias de mitigação não seriam efetivas e que provavelmente precisaríamos de medidas de completa supressão. Este estudo também corrobora o quão interessante são essas ferramentas de análise de mobilidade urbana :-). Talvez seja porque o autor trabalha em uma área próxima.

Na verdade… o autor deste texto trabalha no desenvolvimento de uma ferramenta que pode-se dizer concorrente da ferramenta utilizada para este estudo. E sendo ciência, gostamos de compartilhar um trabalho interessante de nossos pares :-).

Referências

Link para o preprint do estudo.

Figura de capa retirada deste link.

Referência para a Figura

Matéria do Washington Post

 

 

Nota da Editora:

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