Talvez já tenha ouvido falar em medicina personalizada. É mais do que apenas um nome bonito para um tratamento mais pessoal – e não no sentido humano da coisa (embora este também seja importante).

É um novo jeito de utilizar a medicina; é sobre levar em conta a composição genética do paciente, em qualquer diagnóstico ou tratamento, o que permite buscar a solução ótima para cada um, até os mínimos detalhes.

Durante os últimos séculos, quando vamos ao médico, dizemos nossos sintomas e somos então encaixados em um diagnóstico padrão, que já tem um tratamento recomendado.

Com poucas exceções, pacientes com os mesmos sintomas recebem exatamente o mesmo tratamento (mesmos remédios, na mesma quantidade).

Isso é uma solução até que muito boa. Utiliza-se o conhecimento adquirido com casos anteriores para definir um tratamento de fácil replicação e com bastante chance de sucesso. Só o fato de organizar o conhecimento para obter um diagnóstico em qualquer pessoa já é fantástico.

Porém, com o avanço e barateamento das técnicas de sequenciamento e análise do DNA, um novo paradigma surgiu. Apenas em 2003 o primeiro genoma humano foi completado, após 15 anos de pesquisas, com a colaboração de dezenas de laboratórios, e custou cerca de 2,7 bilhões de dólares.

Hoje em dia, já é possível ter o seu DNA sequenciado e analisado por serviços na internet, e as melhores tecnologias conseguem fazer o sequenciamento completo em menos de uma hora, custando cerca de 1000 dólares. Isto se for o genoma completo. Para muitas análises, basta sequenciar os genes alvo.

A empresa 23andMe é uma das que oferecem kits e serviço de análise pessoal do DNA. (Nesse caso a análise é focada na ancestralidade).

Apesar de compartilharmos 99% do nosso código genético com qualquer outro ser humano, o 1%  restante é o que nos diferencia fisiologicamente como indivíduos, e traz inúmeras peculiaridades na saúde de cada um.

E não são apenas diferenças no código genético. Nossos hábitos alimentares e de vida também criam diferenças nos marcadores genéticos (conforme explicado no Scicast #196: Epigenética). Além disso, a recente onda de estudos sobre a microbiota (micróbios que vivem dentro de nossos corpos, e sem muitos dos quais não sobreviveríamos) revelou que esta também varia bastante entre pessoas e tem grande influência sobre a saúde de cada um.

Fármacos e medicamentos são cuidadosamente selecionados ou projetados para se encaixar em seu alvo, muitas vezes a nível molecular. Se nós humanos somos tão peculiares neste nível micro, é de se esperar que haja diferenças na forma como metabolizamos esses compostos. E há, bastante.

A medicina personalizada consiste em realizar análises genéticas do paciente, ou de sua microbiota, e usar essas informações para obter um diagnóstico específico, além de elaborar um tratamento certeiro, que irá se ajustar perfeitamente ao metabolismo do paciente.

Ainda que a medicina padronizada tenha sucesso em grande parte dos casos, existe também o problema da dosagem extra ou desnecessária. Devido às peculiaridades entre pacientes, o tratamento padrão sempre tem que ser puxado para cima, afinal, em se tratando de saúde, melhor sobrar do que faltar. Assim, pode ser que sempre estejamos recebendo um pouco mais do que o necessário, ou até, recebendo o tratamento errado numa primeira tentativa, podendo sobrecarregar o corpo e desperdiçar recursos.

A descoberta de drogas pode ser também direcionada de forma personalizada.

Os tratamentos contra câncer são alguns dos que mais têm a ganhar com a medicina personalizada. Como sempre ouvimos falar, “o câncer” é um grande vilão. Parece que todos estamos sujeitos a ele; “se não morrer de nada antes, vai ser de câncer”. Só que existem inúmeras formas de câncer. Todos são chamados assim pois se referem a uma multiplicação descontrolada de células. Mas isso pode acontecer em células de diversos tipos, e, principalmente, podem ter diversas causas. Por isso não existe um tratamento único contra o câncer. E está tudo muito ligado ao DNA, afinal, são nossas próprias células com problemas. Por isso, muitos tratamentos contra o mesmo tipo de câncer funcionam em alguns pacientes e em outros não. A medicina personalizada pode descobrir qual a forma exata de atingir o câncer de um paciente específico. Já é muito comum pedir exames de genes específicos para diagnosticar o tipo de câncer do paciente. E ainda, com o desenvolvimento da técnica CRISPR, ficou muito mais fácil editar o DNA de forma precisa.

Mas não é apenas o tratamento de doenças que se beneficia da medicina personalizada.

Da mesma forma que a medicina, a nutrição personalizada utiliza o conhecimento específico sobre a genética de cada paciente.

A Nutrição personalizada, também vem ganhando espaço. Apesar da nutrição “tradicional” já elaborar dietas de acordo com os hábitos e necessidades de cada um, ela ainda não costuma ir a nível genético. Existe também a chamada “nutrigenômica”, que leva em consideração os efeitos da alimentação em conjunto com os genes, mas não necessariamente personalizada.

Muitos de nós vivemos uma constante briga com a balança. Sejam os gordinhos que não podem olhar para um bombom que já ganham umas dobrinhas, ou os magros “de ruim” que comem o dia todo e não conseguem ganhar peso. E claro, a nutrição não se resume apenas ao peso ou gordura corporal. Precisamos estar bem nutridos em todos os sentidos (e a nossa microbiota também). Mesmo pessoas com os mesmos hábitos e tipo físico podem metabolizar alimentos de forma diferente, graças às diferenças genéticas. Os genes controlam todas as substâncias produzidas no corpo, inclusive aquelas que fazem a digestão e assimilação dos nutrientes. Assim, conforme a tecnologia se tornar ainda mais acessível, a nutrição personalizada também se tornará o padrão.