Como a nossa jornada evolutiva interfere nas escolhas alimentares

Cada um de nós tem uma lista de “comidas favoritas”. Mas, quantos itens dessa lista você escolhe de fato? Acredito que a resposta da maioria das pessoas para essa pergunta seja algo como: “Ora, eu escolhi todos!” ou “Eu decido o que gosto ou não”. Mas, será mesmo?

Convido você a pensar melhor sobre o livre arbítrio, a liberdade de escolha, a biologia humana e o “SER humano”.

Inicialmente, precisamos refletir sobre o contexto social no qual estamos inseridos, afinal ninguém pode gostar de um alimento que não conhece. Dessa forma, sociedades isoladas (sim, elas ainda existem) possuem um leque de opções mais limitado (na maioria das vezes). Embora esse seja um ponto que não possa nem deva ser desprezado, nesse texto vamos dar um enfoque no quanto o lado biológico interfere nas nossas escolhas. Pretendo abordar o contexto social relacionado à alimentação em um texto futuro.

Como sabemos, o ser humano é um animal. Claro, temos certas peculiaridades (não que isso seja algo “especial”, mas…). Você! Sim, você mesmo! Se torceu o nariz para a afirmação que acabei de fazer, é provável que pense mais ou menos assim: “A evolução é só uma teoria” ou “se somos animais, por que os outros animais não viraram humanos?”. Se você pensa de forma semelhante, PARABÉNS! Você tem a exclusiva oportunidade de aprender sobre uma área que ainda não conhece! Saia desse texto agora e vá estudar, de fato, a teoria da evolução. Mas se você convive bem com a realidade de ser um animal, pode continuar a ler, se quiser, claro! Mas, eu sei que você quer… Não tente disfarçar.  

É oportuno salientar ainda que não pretendo me aprofundar em evolução humana nesse texto, porém alguns conceitos básicos serão necessários. Para começar, tenha isso em mente: somos animais, vivemos em sociedade e nossas raízes evolutivas têm grande influência sobre nossas atitudes, hábitos, aparência, entre muitas outras características.

Como nossa história evolutiva pode influenciar nossas escolhas alimentares?

Recordo-me que na infância gostava muito de um desenho norte-americano conhecido como Tico e Teco. Um dos personagens, Monty, tinha um desejo incontrolável por queijo.

 

Figura 1: Monty seria um queijólotra?

Percebo um comportamento semelhante entre alguns de meus alunos (adolescentes) por coxinhas, refrigerantes, certas marcas de biscoitos recheados e um certo creme de avelã (marcas ocultas, estamos aí, hein?!). Evidentemente, que o desejo por esses alimentos tem muito de campanhas de marketing milionárias, mas independente da marca ou do nome do produto, determinadas características sempre acompanham esses alimentos “queridinhos”. O nosso lado biológico nos “conduz” a perceber certos alimentos como mais saborosos, mais palatáveis. Normalmente são alimentos saturados em açúcar, gorduras e/ou sal. Seria coincidência?

A indústria de alimentos sabe muito bem qual a proporção exata dessas substâncias deve estar presente em cada alimento, para que possamos ansiar por eles. Mas, como e por que temos essa sede incontrolável por certos ingredientes?

No ambiente em que nossa espécie evoluiu, alguns componentes nutricionais sempre foram raros. O açúcar, por exemplo, sempre foi um item raríssimo para caçadores-coletores, como relata o professor de Harvard Daniel E. Lieberman, no seu excelente livro “A história do corpo humano”. Por ser um item de difícil obtenção, aqueles indivíduos que naturalmente carregam um desejo maior por esse carboidrato (nesse caso com alto teor energético) têm maiores chances de sobrevivência, ou seja, tendem a passar seus genes “adocicados” às próximas gerações. O grande problema do açúcar, assim como os demais componentes supracitados, é a enorme disponibilidade que grande parte de nós temos deles hoje. Aqui mesmo, no portal DEVIANTE, esse tema já foi amplamente debatido em um Scicast sobre açúcar.

Localizando nesse sentido os demais exemplos que citei:

– Os sais sempre foram difíceis de encontrar em ambientes naturais. Por esse motivo, disputado por muitos animais em barrancos ou poças que secam. Antes do início de sua extração em grande escala, nós também sofremos com baixos níveis desse mineral em nosso corpo.

Figura 2: Na natureza, não há limites para a busca por sais minerais.

– As gorduras são excelentes fontes de energia, mas obtê-las na natureza (em um ambiente caçador-coletor) sempre foi um desafio que envolvia gasto energético, inteligência e um pouco de sorte.

Nesse contexto, não é de admirar que os indivíduos que sobreviveram foram aqueles que tinham maior atração e dedicavam boa parte de sua vida a buscar esses itens alimentares. Como a lógica já nos leva a concluir, esses genes, os vencedores da corrida evolutiva, estão em nós hoje (não que isso seja grande coisa). É por esse motivo que é tão difícil resistir àquele refrigerante (com bastante açúcar e sódio) acompanhado de coxinha, hambúrguer e/ou fritas (kit: gordura, sal e carboidratos de rápida absorção).

 

Cassio José: Biólogo, fotógrafo de natureza por hobbie e ciclista por amor! Louco pelo mundo natural e louco por ser louco mesmo! Adora conversar sobre bons livros e tomar café. No caso de não ter café, uma cerveja também é bem-vinda. Tentando manter dois canais no youtube, sendo um continuamente atualizado e outro quase nunca (links a seguir). Claro que há mais a dizer sobre ele, mas acredite, não vale a pena…

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Referências:

– Livro:

– A história do corpo humano

 

– Sites:

– As estratégias e artifícios da indústria de alimentos para sabotar a nossa saúde

– A indústria de alimentos não quer matar você

– Estilo de Vida Saudável

– 3 passos para diminuir o consumo de açúcar

– Em busca de sais minerais cabras selvagens escalam paredão de 50 metros na Itália