Pode estar chegando o dia em que pacientes poderão tomar seus remédios para o coração na forma de um punhado de sementes no café da manhã, ou tratar o câncer com uma xícara de chá diária.

Calma, não é uma propaganda de medicina alternativa.

Este é o objetivo de dois bioquímicos que almejam baratear o custo de produção de drogas produzindo-as em plantações geneticamente modificadas.

Os cientistas David Craik, do Instituto de Biociencia Molecular da Universidade de Queensland, e Marilyn Anderson, da Universidade de La Trobe, receberam o prêmio Ramaciotti de Pesquisa Biomédica por desenvolver uma tecnologia que transforma plantas em “biofábricas” de baixo custo, capazes de produzir drogas compostas de mini proteínas chamadas de ciclotídeos (peptídeos cíclicos).

Os peptídeos são cadeias de aminoácidos que, por sua complexidade, são mais precisos e tem menos efeitos colaterais do que medicamentos compostos de moléculas pequenas.

paracetamolvsinsulin

Comparação estrutural entre molécula pequena (paracetamol), e peptídeo (insulina)

No entanto, peptídeos precisam ser injetados para terem efeito, uma vez que, se ingeridos, são quebrados em aminoácidos – basicamente comida.

Os ciclotídeos, por sua vez, são peptídeos cujas pontas se conectam, formando uma estrutura cíclica, capazes de resistir às enzimas digestivas e chegar intactos ao alvo.

O ciclotideo Kalata B1

O ciclotídeo Kalata B1. O fato de não terem pontas soltas torna os ciclotídeos resistentes às enzimas digestivas

Os ciclotídeos foram encontrados pela primeira vez nos anos 60, quando o Dr Lorents Gran, da Cruz Vermelha, percebeu que mulheres no Congo bebiam chá feito de uma erva local para acelerar o parto. O peptídeo kalata B1 foi logo identificado como composto ativo, mas os cientistas não conseguiam entender porque a molécula retinha a ação mesmo após ter sido cozida e ingerida, até que Craik e seus colegas descobriram sua estrutura cíclica, em 1995. Desde então, centenas de ciclotídeos foram encontrados em plantas pelo mundo todo.

Mas os cientistas não estão limitados aos ciclotídeos naturais. Craik desenvolveu uma técnica de reação química para conectar as pontas de peptídeos naturalmente lineares, tornando-os cíclicos.

Para produzir esses ciclotídeos em quantidades significativas, Craik buscou a colaboração de Anderson, a fim de criar plantas geneticamente modificadas que façam o trabalho, evitando os desperdícios gerados pela síntese em laboratório. Ao determinar a expressão dos peptídeos nas partes comestíveis das plantas, não seria nem preciso extraí-los, podendo consumí-los diretamente.

Prof. David Craik e suas plantas

Prof. David Craik. Courtesy of University of Queensland Institute for Molecular Bioscience

~ Uma breve história da medicina ~

– Estou com dor de ouvido.

2000 a.C. – Aqui, coma estas raízes.
1000 d.C. – Raízes são pagãs, reze.
1850 d.C. – Rezas são superstição, beba esta poção.
1940 d.C. – Essa poção é óleo de cobra, tome esta pílula.
1985 d.C. – Essa pílula é inócua, tome este antibiótico.
2000 d.C. – Antibiótico é artificial, coma estas raízes.

O principal desafio agora é fazer com que as plantas expressem uma quantidade consistente do medicamento, para que a dose ingerida possa ser controlada de maneira precisa. O time pretende estudar as plantas em estufas controladas até que consigam uma dose consistente em cada uma, além de desenvolver kits baratos para testar a quantidade de qualquer droga produzida no plantio. “Isto (medir a quantidade) é relativamente fácil para proteínas” – diz Craik.

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Qualquer coisa pode ser um veneno ou um remédio, quando tomada nas devidas proporções.

Embora Craik e Anderson esperem conseguir incentivo do governo e companhias farmacêuticas para o projeto – sendo o sistema de produção barato e ambientalmente amigável o principal chamariz – eles pretendem fazer suas plantas o mais “user-friendly” possível, para beneficiar comunidades carentes do mundo todo.

Outra barreira para o projeto é superar os medos a respeito da segurança de alimentos e plantas GM (geneticamente modificados). Mas Craik está otimista, “Pelo menos três bilhões de refeições derivadas de plantas transgênicas foram consumidas por pessoas e animais em 29 países, durante 15 anos, sem um único caso comprovado de dano” – ele aponta.

A ideia de aplicar GM em plantas para produzir medicamentos não é nova. Cientistas do MIT fizeram algo parecido, adicionando um gene de bactéria a uma planta.

T. J. Higgins, um cientista da CSIRO, na Austrália, utilizou uma técnica similar para desenvolver feijões resistentes a peste para camponeses em comunidades sub-saarianas, e acredita que o momento está certo para projetos como esse. “Baseado na nossa experiência desenvolvendo um feijão GM… a comunidade está pronta para um produto GM que contribua para sua saúde, desde que tenha passado por todos os requisitos de segurança” – diz Higgings.

E aí, já estão preparados para cultivarem sua hortinha medicinal?

Homem que cultivava maconha

Homem que cultivava maconha

Fonte: Scientific American