É comum na discussão de mobilidade urbana o argumento que grandes obras não resolvem o problema do trânsito. A explicação geralmente é atribuída a uma demanda reprimida existente que vai passar a utilizar mais o carro para realizar viagens outrora proibitivas. Em outras palavras, pessoas que não cruzavam a cidade quando o tempo de viagem era de 3 horas, viajam quando o tempo é de, digamos, uma hora. A discussão faz sentido, mas nesse caso há uma aparente piora porque mais pessoas estão nas ruas contribuindo para o congestionamento. O paradoxo de Braess é diferente: em certos casos, construir ruas pode ser pior para atender o mesmo número de pessoas.

Imagine o cenário da Figura abaixo. Temos dois caminhos alternativos entre A e D. Nas vias AC e BD o tempo de viagem é sempre o mesmo independente do número de veículos utilizando a via. No entanto, nas outras duas vias, AB e CD, o tempo de viagem depende do número de pessoas utilizando a via, isto é, o tempo será maior se mais veículos a utilizarem a via. Isto modela uma via com certa capacidade e o tempo cresce em função do número de veículos. Por exemplo, no caso da via AB se 100 veículos utilizarem, o tempo será de 1 minuto; se 500 veículos utilizarem, o tempo será de 5 minutos – e observe que é 5 minutos para todos os veículos. Este é o princípio básico do congestionamento: se você decidir usar o seu carro amanhã, você fará com que o tempo de viagem seja maior para todos e não apenas para você.

Por outro lado as vias BD e AC modelam vias de grande capacidade, mas de certa forma longa. Isto é, não existe diferença se 100 veículos ou 1000 veículos utilizarem estas vias, o tempo de viagem será igual. No entanto, veja que para CD com 100 veículos (1 minuto) o tempo é significativamente menor que BD. Em resumo, AB e CD são vias curtas e “estreitas” (de baixa capacidade) enquanto AC e BD são vias longas e “largas” (de alta capacidade).

Figura com uma rede com 4  junções e 2 possíveis rotas

 

Retornando ao nosso exemplo, temos 2 rotas alternativas entre A e B e vamos supor que exista 4 mil veículos querendo se deslocar entre estes dois pontos. Como é feita a distribuição entre cada rota e qual será o tempo de viagem? Veja que as rotas não são simétricas, mas vamos imaginar que a demanda de 4 mil veículos é distribuída igualmente:

Rota Fluxo Tempo de Viagem (min)
ABD 2000 (2000/100)+50=70
ACD 2000 45+20000/100=65

 

Veja que o tempo de viagem para os veículos utilizando a rota ABD é maior. Imagine que você utilizou a rota ABD e sabe que indo pela rota ACD o tempo de viagem é menor, o que faria? Bom, presumivelmente passaria a utilizar a rota mais rápida. Portanto, no dia seguinte o que deve acontecer é veículos da rota ABD passarão utilizar a rota ACD e possivelmente a rota ACD passa ser mais a devagar. Aí o inverso ocorre com veículos deixando de usar a rota ACD e passando usar a rota ABD. Quando isto termina? Isto termina quando o tempo entre as viagens nas duas rotas for exatamente o mesmo e um equilíbrio é atingido:

 

Rota Fluxo Tempo de Viagem (min)
ABD 1750 (1750/100)+50=67,5
ACD 3250 45+3250/100=67,5

 

Estes conceitos é a aplicação de teoria de jogos ao tráfego. No caso temos uma série de agentes maximizando suas utilidades (minimizar tempo de viagem) e quando os tempos são exatamente iguais é o ponto em que nenhum agente (motorista) se beneficia de uma troca de rota.

Agora imagina que a prefeitura da cidade decidiu criar uma rua entre as junções B e C de modo que o tempo de viagem nesta rua pode ser negligenciado. Perceba que para os 4 mil veículos para chegar em B ou em C é preferível ir por AB (40 minutos em vez de 45); o mesmo se aplica a B-D. Portanto,  a única rota utilizada é A-B-C-D.

Calculamos então o tempo de viagem que será 40+40 = 80 minutos que é mais do que os 67,5 minutos do caso anterior. Ou seja, na melhor das intenções criamos mais uma rua porém isto leva a uma piora da situação! Isto é conhecido como o paradoxo de Braess e tem exemplos similares em outras áreas. Veja que isso é um resultado puramente do comportamento dos motoristas na escolha de rotas porque ainda é possível utilizar as rotas ABD e ACD.

Tudo bem, é um exemplo bem específico, mas isto ocorre na prática? Existem relatos de situações similares terem acontecido em Nova York, Seul e Stuttgart. Analisando o exemplo acima, isto ocorreu quando tentamos unir duas vias “estreitas e pequenas” que são vantajosas utilizadas por poucos veículos, mas rapidamente podem ficar congestionadas e o resultado final pode ser prejudicial quando sobreutilizadas.

Fique de olho que a ligação entre duas avenidas ao lado de sua casa, pode não ser uma boa ideia.