Revisão por pares é comumente descrita como um dos grandes pilares da ciência moderna. O processo de revisão por pares consiste no processo pelo qual passa um artigo científico submetido à revista científica feita por pessoas da área – os pares. Os revisores leem e avaliam o artigo sobre diferentes aspectos como a metodologia empregada, a confiança dos resultados, a linguagem e, mais importante, se o manuscrito traz algo de novo para o conhecimento da área e, portanto, se sua publicação é relevante.

Um exemplo de um formulário simplificado de revisão por pares pode ser visto na Figura abaixo contendo uma série de quesitos em que pontuações são dadas de acordo com a interpretação do revisor e um espaço para os comentário. Observe que na parte quantitativa, por mais que seja uma tentativa de obter medidas quantitativas para cada item, os itens não são de de forma alguma fáceis de atribuir pontuações. No espaço para o texto o revisor pode colocar explicações do porque atribuiu determinadas pontuações, além de colocar qualquer comentário que achar relevante. Com base nos comentários, o editor da revista decide se o artigo deve ser rejeitado ou aceito ou se o material é interessante mas ainda precisa de revisão.

Clique na imagem para aumentar. Exemplo de formulário de revisão por pares. Retirado desse link  

Os autores do artigo em geral recebem os comentários dos pares e as notas atribuídas para cada item. Na grande maioria das vezes os autores não sabem quem eram os revisores. Por vezes, os revisores não sabem também quem são os autores do artigo. Em alguns casos, no entanto, ambos os lados têm conhecimento da identidade dos pares. Quando apenas os revisores são anônimos, é chamada de revisão cega (Single blind); quando ambos os lados são anônimos a revisão é do tipo duplo cego. No caso em que as identidades são conhecidas é chamada de revisão aberta (open review).  O padrão ouro é o duplo cego, no entanto a revisão cega é ainda muito comum no meio científico.

Hoje em dia o processo de revisão por pares é uma etapa tão comum da vida de um pesquisador que faz parecer que o processo de revisão por pares é algo estabelecido de longa data (informações sobre o processo de descobertas científicas podem ser vistas aqui). Por mais que o embrião da revisão por pares seja quase tão antigo como o método científico, o processo de revisão por pares como conhecemos hoje é relativamente recente.

O “Philosophical Transactions of the Royal Society” é considerado a primeira publicação com revisão editorial, em 1665. O Transactions da Royal Society é também o mais antigo jornal científico ainda em atividade.  Na época, o editor e fundador, Henry Oldenburg, fazia o trabalho de seleção dos trabalhos que iriam ser colocados na revista. Portanto, não existia um comitê de especialistas da área específica do artigo em questão que avaliava os trabalhos; havia apenas um editor e seu trabalho se restringia a selecionar os trabalhos.

Em 1731,  a Royal Society de Edimburgo na primeira edição do “Medical Essays and Observations” foi o primeiro periódico com vários dos elementos do que hoje é referido como revisão por pares. Trabalhos enviado a Royal Society de Edimburgo eram avaliados por um grupo de especialistas que emitia um parecer ao editor.  A prática se proliferou e o próprio Philosophical Transactions passou a utilizar as mesmas práticas. No entanto, na grande maioria dos periódicos havia mais espaço para artigos do que artigos candidatos a preencher estes espaços.  Por esse motivo a prática não evoluiu tanto no século XIX.

A situação começou a mudar no decorrer do século XX, principalmente ao final da Segunda Guerra Mundial, em que o número de cientistas cresceu significativamente, invertendo o problema de ter muito espaço no periódico para poucas submissões. Outros adventos tecnológicos, como a fotocópia, facilitaram a replicação de artigos para serem enviados a outros membros e pouco a pouco a prática de revisão por pares começou a ser estabelecida em vários periódicos. Como um exemplo relevante, a Nature introduziu seu sistema de revisão por pares em 1967. Hoje em dia se tornou um padrão em periódicos e existem milhares de periódicos que adotam a revisão por pares.

Se o processo de revisão por pares é tão recente, como erros eram identificados anteriormente? Basicamente um outro cientista publicaria um outro artigo argumentando as falhas de um colega da área. De certa forma isto é feito até hoje, porém há uma distinção clara no que deve ser filtrado no processo de revisão por pares. Os pares, quando revisando, podem até não concordar com as conclusões de um determinado trabalho, mas se o trabalho tem uma metodologia clara, os resultados são reproduzíveis e falseáveis o trabalho pode ainda ser publicado independentemente se os revisores concordam com o método ou não.

Obviamente é sempre difícil para os pares separar a opinião pessoal quando os trabalhos são avaliados e este é um dos problemas do método. Há outras críticas ao processo como um todo, mas isso é motivo para um próximo texto.

 

Referências

 

Wikipedia sobre Peer Review

The history of peer review process – Trends in Biotechnology, 2002

Peer Review in 18th-Century Scientific Journalism, JAMA, 1990

O canal do Primata Falante tem um texto falando sobre artigos científicos que ele fala brevemente sobre a revisão por pares, é interessante para ver onde a revisão por pares está no processo (começa em torno de 6 minutos). Link aqui.

Scicast #24 – Método científico comenta brevemente sobre isso também. Link aqui.

Texto da Chris Vasconcelos e Thais Boccia da Costa sobre o processo de descobertas científicas.

Imagem do texto de chamada retirado daqui.