A constante sondagem do cosmos em busca daquilo que podemos considerar como vida, seja ela baseada nos princípios em que se baseia a vida que observados ser formada na Terra ou qualquer outra que possua as características que a qualifiquem como tal, nos traz uma lição de temor frente a magnificência do universo.

“O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e a ciência do Santo, a prudência.”

Provérbios 1:7

 

Durante o processo de aprendizagem produzida pela somatória de estudos desenvolvidos com o passar do tempo passamos a nos libertar dos desejos emocionais de nosso referencial frente ao universo. Passamos do papel central do universo para um subproduto decorrente de uma somatória de fatores indiscriminadamente desenvolvidos em um ambiente que reconhecemos como uma exceção ao caos observado no universo. Fatores esses que naturalmente possibilitaram o desenvolvimento da física à química, bem como dessa para então a biologia, em um processo impelido pelo legado de “crescer e multiplicar” da seleção natural.

 

“O primeiro pecado da humanidade foi a fé; a primeira virtude foi a dúvida.”

Carl Sagan

 

Os métodos com os quais aprendemos a identificar outros mundos tem se acumulado com o desenvolvimento do nosso conhecimento sobre a questão. Aqui vamos abordar os quatro métodos mais conhecidos para a detecção de exoplanetas, apesar de existirem outros.

Com o passar do tempo, obtemos diversas formas de utilizar a física para sondar o universo de forma tão precisa quanto se poderia imaginar. E mesmo quando não temos uma resposta para uma pergunta, através do método científico temos a possibilidade de alcançar coisas até então inimagináveis.

Existem muitas formas distintas, decorrentes de variáveis específicas daquilo que procuramos, para se encontrar um exoplaneta. Quando falamos de uma busca em larga escala há uma quantidade consideravelmente menor de métodos que atendem muito bem aquilo que desejamos, os quais a seguir abordaremos.

 

1.1 Métodos de Trânsito (Phothometrics)

 

Este é o melhor método que hoje temos quanto ao objetivo de encontrar planetas além do sistema solar. Apesar de na prática ele se mostra um método difícil de se executar, por outro lado é um método fácil de se entender.

Imagine que você está olhando, com a proteção adequada, para a estrela mais próxima da Terra e algum objeto cruza o seu ponto de vista para com essa estrela. Você conseguirá ver um ponto escuro decorrente da sombra causada pelo objeto que passa frente ao Sol. Dessa forma, quando um objeto passa entre nosso ponto de vista e uma estrela isso é chamado de “trânsito”.

O exemplo mais factível de um trânsito seria um eclipse solar, quando a lua passa entre o Sol e a Terra. A luz solar que recebemos diminui drasticamente porque a lua bloqueia nossa visão do sol. Quando um planeta como Mercúrio ou Vênus transita, o sol escurece numa quantidade menor. Isso não é porque esses planetas são menores do que a lua, é porque eles estão mais distantes de nós, fazendo com que eles parecem menores.

 

Esta imagem mostra o caminho que Mercúrio fez enquanto transitava frente ao sol em 9 de maio de 2016. Créditos: NASA

Mercúrio bloqueia uma pequena quantidade de luz do Sol durante o seu trânsito, deixando-nos ver o planeta como um pequeno ponto preto.

Agora, imagine que o objeto do exemplo acima passe só uma vez frente a estrela qualquer, e nunca mais você venha a identificá-lo. Essa seria uma ocorrência desinteressante para a nossa busca, pois procuramos planetas que orbitem estrelas, e órbitas possuem períodos mensuráveis.

Mas, em um segundo exemplo, imagine que algum tempo depois você percebe um novo objeto passando frente a essa mesma estrela, e ele parece repetir o mesmo percurso com uma periodicidade mensurável e estável em determinada quantidade de horas, repetidamente. Esse novo objeto identificado possui grande chances de ser um exoplaneta!

E foi seguindo esse raciocínio exemplificado inicialmente com o transito de Mercúrio frente ao Sol que os cientistas descobriram que poderiam usar esse fenômeno para procurar exoplanetas orbitando estrelas distantes.

Quando Mercúrio transita o sol, causa um leve mergulho no brilho do sol, pois bloqueia uma pequena porção da luz do sol. Ao medir o brilho das estrelas distantes, um ligeiro mergulho recorrente na curva da luz (um gráfico da intensidade da luz) pode indicar um exoplaneta orbitando e transitando sua estrela. E foi dessa forma que a missão Kepler da NASA encontrou mais de 1.000 exoplanetas procurando por essa queda de brilho.

A missão Kepler mede o brilho das estrelas. Sempre que um planeta passa na frente da sua estrela principal, visto pelo telescópio espacial, é produzido um pequeno pulso ou batimento (frequência em que a luz da estrela é emitida). A partir dos batimentos repetidos podemos detectar e verificar a existência de exoplanetas e aprender sobre a órbita e o tamanho do mesmo.

A imagem abaixo mostra um mergulho na curvatura de luz observado em uma estrela:

Créditos: NASA/JPL-Caltech

Para ver esse “ruído” na curva da luz você pode ver o vídeo que deu origem a imagem acima. Isso pode ser a variabilidade na estrela, ou gás e poeira movendo-se entre nós e a estrela, ou algum outro efeito.

Lembrando que quanto aos agravantes na detecção desse exoplaneta, que quanto maior o planeta, maior a sua influência na curvatura da luz da estrela durante o trânsito, e que algumas observações têm muito ruído, algumas têm muito pouco.

Cabe ressaltar que quando os astrônomos estudam estrelas distantes não há uma imagem como a apresentada acima para o trânsito de Mercúrio frente ao Sol, pois as distâncias nesse caso são astronômicas. Quem já teve a oportunidade de observar uma estrela em um telescópio pode imaginar melhor essa situação, pois uma estrela mesmo que observada com um telescópio continuará sendo um pequeno ponto de luz independente da ampliação. Para estrelas muito longe são feitas análises sobre os dados obtidos quanto ao brilho da mesma para que assim esses dados sejam estudas com o intuito de identificar sobre esses dados a possibilidade de existência de um exoplaneta orbitando essa estrela.

 

1.2 Método de Velocidade Radial (Wobble)

 

Para que possamos compreender o método de velocidade radial faremos um novo exercício mental. Imagine que você possui um cordão de um tamanho médio, com 2 metros de comprimento. Em uma das extremidades do cordão você amarra uma laranja de forma que se o cordão for movido ela não se desprenda. Então você segura o cordão na extremidade oposta a da laranja e começa a girar sobre o próprio eixo, impulsionando a laranja a uma órbita delimitada pela extensão do cordão, de forma que a laranja é impelida a se erguer em relação a sua posição inicial.

Nesse caso específico a força predominante é você que permanece girando o cordão com a laranja amarrada nele, sem que o peso da laranja tire você do eixo estabelecido para o giro. Porém, imagine que o seu cordão é muito forte, de forma que agora você amarra uma melancia sem que ele venha a se quebrar. Considerando que você tome a mesma ação de girar sobre o próprio eixo, fazendo com que a melancia se erga no ar com a força do seu giro, o quanto o peso da melancia lhe forçaria a girar fora do seu eixo?

Para um observador externo a essa brincadeira, considerando um ponto imaginário fixo para o eixo principal, o deslocamento para fora do eixo poderá ser percebido. Na astronomia, quando observamos as influências gravitacionais dos diferentes corpos que orbitam uma estrela, é possível verificar esse desvio na orbita da mesma, reconhecendo que algo de considerável massa a órbita.

Créditos: NASA/JPL-Caltech.

Utilizando como exemplo o Sistema Solar podemos ver que o Sol é mais de 300 mil vezes mais pesado do que a Terra. Então, nessa brincadeira de cabo de guerra gravitacional, enquanto a Terra e o Sol são atraídos um para o outro gravitacionalmente, o efeito sobre a Terra é muito mais visível por causa de sua massa mais baixa, enquanto a influência gravitacional da Terra sobre o Sol nos passa desapercebida.

No entanto, nem todos os planetas e as estrelas são assim. Júpiter, por exemplo, é apenas 1000 vezes mais leve do que o Sol. Quando olhamos para alguns outros sistemas solares que encontramos, há planetas muito mais pesados ​​que Júpiter que orbitam suas estrelas a uma distância mais próxima do que Mercúrio orbita o Sol.

 

Imagem de domínio público.

 

Quando a massa do planeta é significativa em comparação com a massa da estrela, a sua influência sobre o desvio do eixo na órbita da estrela torna-se mais óbvia. Eles se movem em torno de um único ponto central. É possível observar isso, como imaginado, nosso sistema Solar, porém é mais fácil observar esse efeito em sistemas estelares onde há planetas mais pesados ​​e mais próximos de suas estrelas.

Poderíamos esperar que as estrelas se movessem no céu, mas a maioria das estrelas está tão longe que não poderíamos ver seu movimento dessa maneira. Por sorte, podemos usar outra técnica.

O movimento de uma fonte de luz, como uma estrela, muda a frequência de onda em que a estrela emite seu espectro eletromagnético. Este é o mesmo efeito Doppler que faz com que o som do motor de uma moto mude de intensidade ao passar por você (mais alto à medida que se move em sua direção, mais baixo à medida que se afasta). Quando a estrela se move em nossa direção, ela libera luz de maior frequência. Quando se afasta, a luz é de menor frequência. A diferença é pequena, mas nossos instrumentos são tão sensíveis à frequência que podemos detectar uma velocidade de apenas meio metro por segundo! Isso é a velocidade de uma pessoa caminhando.

Se vemos esse tipo de mudança rítmica na frequência de luz emitida por uma estrela, sabemos que a estrela está sendo orbitada por um corpo significativo. Esta abordagem para a detecção de planetas extra-solares é conhecida como Espectroscopia Doppler, ou, às vezes, o Método da Velocidade Radial. Como a estrela se move em torno de um círculo, isso também é chamado de método Wobble.

Como todos os métodos, o método do Wobble tem seus limites. O mais óbvio é que quanto menor o planeta, e quanto mais longe é da sua estrela central, menor o efeito na estrela. O efeito gravitacional da Terra sobre o Sol, por exemplo, estaria além dos limites de detecção de nossos espectroscópios atuais. O efeito Doppler também é muito mais potente quando uma estrela está se movendo em direção ou longe de nós no céu, ao invés de circular em círculo. É difícil ou impossível para nós detectar sistemas solares que estão inclinados no ângulo errado em relação a nós.

Vale ressaltar que o método de Wobble e o Método de Trânsito funcionam melhor em conjunto um com o outro, pois ambos fornecem informações complementares sobre o objeto estudado.

 

1.3 Métodos da Imagem direta (Direct Imaging)

 

A “imagem direta” é o termo técnico para “tirar uma foto de um planeta”. A imagem direta detecta um tipo diferente de planeta do que o método de trânsito ou de velocidade radial. Os planetas encontrados com imagens diretas são muito diferentes dos de nosso sistema solar. As razões pelas quais esses planetas são tão diferentes estão diretamente relacionadas aos desafios desse método. O grande agravante desse método é que as estrelas são muito brilhantes, e os planetas não.

As estrelas são incrivelmente brilhantes, e estão incrivelmente distantes de nós. Os planetas, por outro lado, geram pouca luz própria (principalmente infravermelho) e refletem principalmente a luz da sua estrela doméstica. Do nosso ponto de vista a maioria das estrelas são apenas um pixel nos detectores do nosso telescópio, e a luz dos planetas também recai sobre esse mesmo pixel. Não podemos separar a luz dos planetas da luz da sua estrela.

No entanto, para alguns sistemas próximos, temos a chance de detectar um planeta desta forma porque nossos telescópios podem detectar mais detalhes. Os astrônomos usam várias técnicas de processamento de imagem para remover a luz da estrela enquanto deixa a luz dos planetas.

 

 

Créditos: Discover Magazine.

 

Por analogia, se você está tentando olhar para uma pessoa através do brilho de sua lanterna, provavelmente a primeira coisa que você fará é colocar sua mão sobre a luz. Isso também é como os astrônomos fazem imagens diretas: eles tentam o seu melhor para bloquear a luz da estrela, para que eles possam ver os planetas escuros ao redor. Cientistas desenvolveram instrumentos e técnicas sofisticadas que os ajudam a bloquear a luz das estrelas muito bem. Normalmente, se observa a luz fora do espectro visível, como o infravermelho, para esse fim.

Uma vez que você bloqueia a luz da estrela, que tipos de planetas poderíamos ver? Os planetas orbitando muito perto da estrela serão perdidos no brilho, mesmo nas melhores circunstâncias. Os planetas que foram diretamente detectados na imagem direta estão distantes de suas estrelas e geralmente as orbitam com períodos de centenas de anos. Isso também significa que as estrelas próximas do sistema Solar são melhores alvos, porque a separação angular entre uma estrela e seus planetas será maior quando mais perto for para nós.

Planetas mais brilhantes também serão mais fáceis de detectar. Há duas maneiras para um planeta brilhar: ele pode refletir a luz de sua estrela hospedeira, ou pode emitir sua própria luz. A luz das estrelas refletida não estará em qualquer lugar perto de uma partida para a luz da estrela – especialmente em grandes separações – de modo que deixa a última opção como nossa melhor aposta. Os planetas emitem luz (energia) própria. Parte dessa energia é absorvida e reirradiada luz das estrelas. Alguns são energia sobrante da formação do planeta, que é irradiada enquanto o planeta esfria. Quanto maior o planeta e quanto mais jovem o planeta, mais energia está disponível para libertar. A imagem direta é, portanto, mais sensível a planetas jovens e grandes.

Os astrônomos, portanto, visam as estrelas jovens próximas em sua busca por planetas diretamente projetados. Depois de remover a luz da estrela, eles procuram pequenas fontes de luz que persistem à medida que a configuração do telescópio muda. Ao longo do tempo, também verificamos que os planetas estão de fato se movendo em torno de sua estrela, como seria de esperar de um planeta em órbita.

Planetas de imagem direta são a nossa melhor oportunidade para estudar planetas jovens e sistemas planetários, que não são tão facilmente detectáveis ​​com outras técnicas devido à variabilidade intrínseca das estrelas jovens. Eles oferecem um vislumbre exclusivo no processo de formação do planeta. Ao mesmo tempo, eles podem não ser os melhores planetas para investigar sinais de vida porque são jovens e fora da zona habitável.

Uma vantagem do método de imagem direta é que a observação contínua pode nos fornecer informações mais detalhadas sobre o tamanho dos planetas, órbita e muito mais. Nós também podemos usar esse método para detectar planetas que não estão em linha com suas estrelas do nosso ponto de vista. Naqueles raros momentos em que podemos detectar um planeta através da observação direta, provavelmente seremos capazes de reunir muito mais informações com o passar do tempo.

A partir desta escrita, apenas 17 planetas foram gravados diretamente. Nenhum deles está a mais de 500 anos-luz da Terra.

Os cientistas estão trabalhando em duas técnicas avançadas que eles esperam melhorar a sensibilidade da imagem direta para planetas parecidos com a Terra. O primeiro é um “Starhade”, uma tela externa opaca que voa separadamente de um telescópio espacial e bloqueia a luz da estrela que hospeda um planeta que desejamos observar. A segunda técnica seria a “Coronagraphy”, uma solução utilizada junto aos telescópios em terra que tem o mesmo fim de bloquear a luz direta da estrela observada para que suas intermediações possam ser vistas de forma mais nítida. Embora tenham sido propostas pela primeira vez na década de 1960 só recentemente as inovações em tecnologia e design transformaram essas ideias em opções factíveis.

 

1.4 Métodos da Microlente Gravitacional (Microlensing)

 

A lente gravitacional é um resultado maravilhoso da Relatividade Geral. Dê uma olhada na imagem abaixo:

 

A supernova SN Refsdal é visível em três locais e em três pontos diferentes graças à lente gravitacional – Créditos: Daily Astronomy News

 

Na lente da galáxia, como visto na imagem acima, a flexão da luz é tão extrema que às vezes a imagem fundo é distorcida.

A luz de um objeto distante é curvada pela gravidade enquanto viaja. Nossos telescópios, portanto, veem o objeto distante em um local diferente de onde ele realmente está. Essa luz captada pode, também, parecer mais brilhante ou mais fraca dependendo se recebemos mais ou menos luz do que o normal, e muitas vezes aparece distorcida.

Com a microlensing a física é a mesma que por trás dos impressionantes eventos de lente de galáxia, mas o efeito é muito menor. Ainda assim, podemos usar a presença da lente gravitacional para detectar um planeta ao redor de uma estrela.

O truque é que não procuramos um planeta criando um efeito de lente em sua própria estrela. Em vez disso, do nosso ponto de vista, a estrela do planeta deve passar na frente de outro objeto mais distante e brilhante. Esta poderia ser outra estrela, uma galáxia distante, um quasar ou qualquer outro objeto emissor de luz. Quando a estrela mais próxima se move na frente do objeto mais distante, há um efeito de lente gravitacional causado pela estrela mais próxima. O planeta também cria seu próprio efeito de lente. Podemos ver a diferença entre a lente da estrela e as lentes de um planeta e uma estrela juntas. Isso funciona mesmo se esse planeta não é muito próximo da sua estrela, o que é uma vantagem sobre o método de bambolear e o método do trânsito.

Infelizmente, devido as estrelas moverem-se lentamente pelo céu do nosso ponto de vista, este é um evento bastante raro, e também improvável de se repetir para qualquer estrela. As observações, assim, ocorrem uma vez sem que exista um acompanhamento periódico como ocorre no método de trânsito. Desde o momento em que isso é escrito, menos de duas dúzias de planetas foram detectados dessa maneira.

 

Para continuar explorando o assunto, confira:

Scicast #72: Origem da Vida

Scicast #15: Astrobiologia Parte 1

Scicast #16: Astrobiologia Parte 2

Scicast #168: Paradoxo de Fermi

Exoplaneta Fotografado Diretamente – Space Today TV Ep.286

Nova Técnica Para Detectar Exoluas – Space Today TV Ep. 381

Hubble Encontra Exoplaneta Em Sistema Binário Por Microlente Gravitacional – Space Today TV Ep.447

Detecção de Atmosfera na Super-Terra GJ 1132b – Space Today TV Ep.668

Space Today – Telescópio da nasa procura por exoplanetas que podem ser imageados diretamente

Space Today – Exoplaneta do tamanho de urano é descoberto pelo hubble e pelo keck usando o evento de microlente

Curso gratuito – Super-Earths and Life – HarvardX

NASA Exoplanet Exploration

 

Nicolas Sampaio

Pedante e amante das ciências naturais, em busca de um novo planeta para chamar de lar.