Chegamos em 2020 e nada de carros voadores, invés disso estamos discutindo se a terra ainda é redonda e nossa responsabilidade no aquecimento global, porém, não só de retrocessos vive a humanidade. No final do ano de 2019, assistimos o lançamento da inusitada pick-up tecnológica, Cybertruck, mas calma! NÃO estamos aqui para noticiar mais uma vez a pick-up da Tesla e isso também não é mais um artigo sobre a importância da ciência (por mais que essa tecla mereça ser esmurrada!). Este artigo é sobre absorção de impacto! Mas então por que estou citando o lançamento da Cybertruck?

Uma breve recapitulação: Elon Musk nos apresentou a pick-up do futuro, o carro que ele pretende usar na sua aposentadoria em Marte, movida a energia elétrica, mais rápida que um porsche, mais forte que uma F-150, com um ousado e estranho design de linhas retas e extremamente resistente, pelo menos ele promete ser. Tem um vídeo resumido aqui pra quem não sabe do que estou falando.

É essa ideia de um carro super resistente que chamou minha atenção. Não vamos discutir aquela gafe dos vidros balísticos quebrarem e nem o fato de que a marretada na porta da Cybertruck pareceu quase um carinho comparada com a pancada na outra porta, mas vamos olhar para a promessa. Será que um carro inquebrável é uma verdadeira inovação no quesito segurança?

Quem nunca ouviu algum senhor saudoso dos Opalas, Landaus e até Fuscas reclamando de como os carros de hoje são feitos de plástico e como aqueles brilhantes para-choques de aço são capazes de fazer um enorme estrago nos “carrinhos de brinquedo” fabricados hoje?

O problema todo é que tivemos que aprender a lidar com a implacável e velha conhecida, a inercia.

No caso de uma colisão em que o carro reduzirá sua velocidade a 0km/h em frações de segundo, o corpo do passageiro tenderá a permanecer na mesma velocidade que estava antes, e, quanto mais rápido, mais brusca será essa aceleração negativa. Vamos entender por que esse efeito é muito pior naqueles carros grandes, fortes e duros. Ainda bem que na ciência, e engenharia, estamos sempre contestando os conceitos e caminhando até onde as provas nos levam. Entre as décadas de 80 e 90, pudemos observar uma grande mudança de conceito nos carros quanto à absorção de impacto. Essa mudança é visível, no design, nos materiais, na construção em monobloco e outros pontos mais discretos.

Depois dessa mudança no conceito de segurança, os “carros de plástico”, geralmente têm em sua estrutura as longarinas, barras laterais e reforços para que o compartimento dos passageiros permaneça o mais intocado possível, além dos airbags, cintos de segurança e até bancos pensados para nos segurar, enquanto que a lataria externa, é “feita para amassar”. Dessa forma o impacto é amortecido e aquela desaceleração é mais branda, reduzindo o impacto nos passageiros.

O fato de um material amortecer um impacto tem muito a ver com as propriedades mecânicas, como ductilidade, dureza, limite de escoamento, etc. (acho que acabei de descobrir o tema do próximo artigo)

Outro fator que afeta a capacidade de um objeto absorver os impactos é a construção, ou seja o design da peça. Por exemplo, uma estrutura metálica, como um galpão, um guindaste ou uma ponte, tem vigas em formato de “I”, “C”, “L”, tubos redondos, retangulares, etc. Isso não é apenas criatividade dos engenheiros, cada formato de seção resultará em propriedades mecânicas diferentes na viga e consequentemente na estrutura, assim como a disposição delas.

Sejam carros ou estruturas, graças a essa construção mais “macia” aliada ao material adequado, a força do impacto é distribuída. Dessa forma a tensão é menor, pois tensão pode ser entendida da mesma forma que a pressão (força sobre área). Esse conceito está explicado no meu primeiro artigo.

Olha uma forma bem simples de ver isso: sabe a capa de borracha do celular? Então, quando o celular cai sem capa toda a força do impacto se concentra no ponto que bate no chão. Quando você adiciona um material emborrachado para receber esse impacto, esse material se deforma e a carga é distribuída pela borracha em várias direções fazendo com que a força normal (perpendicular) ao celular seja a menor possível. Isso é absorver o impacto.

No caso do carro em alta velocidade, temos um corpo em movimento e todo corpo em movimento está realizando ou recebendo trabalho e se temos trabalho temos energia cinética. Depois dessa revisão de física, vamos separar os tipos de colisões.

Nós temos as colisões elásticas, como o próprio nome diz, bate e volta, isso acontece porque a energia cinética presente no corpo em movimento é 100% – ou quase isso – convertida em energia potencial e depois em cinética novamente, gerando um novo movimento. Um exemplo simples é a bola de bilhar. Isso é a terceira lei de Newton, ação e reação.

Nós também temos a colisão inelástica, isso é, o que acontece em uma batida de carros, bateu, amassou, ficou. Isso significa que uma grande parte da energia cinética é perdida em energia sonora, temperatura ou deformação e como a parcela convertida em energia potencial é muito pequena, assim o movimento de reação é proporcionalmente menor.

Outro caso é a colisão perfeitamente inelástica, quando dois corpos colidem e permanecem totalmente juntos, uma extrapolação do segundo caso em que não existe a conversão em energia potencial.

Bom, já viu como a bola de bilhar é dura? Agora se imagina dentro dela na hora do impacto e em seguida sendo sacudido pra um lado e pro outro. Temos que ficar longe dessa situação e tentar converter a energia cinética em outra coisa. E o outro extremo, se imagina dentro de ovo e taca na parede, duvido! Nada para te proteger, certo?

Então, precisamos de uma certa proteção, por isso existe toda a estrutura de longarinas, monobloco, barras de proteção coberta por uma lataria pensada para absorver a energia cinética que será transformada em energia potencial de deformação, ou simplesmente se amassando toda. Ao falarmos de uma construção feita para absorver, (lembra do celular?) a carga de reação é distribuída pelo objeto, resultando em uma carga normal menor, de forma que a aceleração negativa pode ser menos brusca.

O carro mais duro, em tese, pode transformar uma parcela maior de energia cinética de volta em energia cinética já que se amassa menos, isso significa uma capotagem, por exemplo. E como tem menos tensões sendo absorvida, a força contrária é maior, assim a aceleração negativa é mais brusca.

Para finalizar, pergunto de novo, será que esse conceito de carro super resistente da Cybertruck é realmente uma inovação em questão de segurança? Claro que existem outros equipamentos de segurança, como cintos, airbags, freios e suspensão inteligentes que aumentam a segurança de um carro.

Um fator muito importante, estamos falando de Tesla e se tratando de Elon Musk sabe-se lá mais o que foi inventado, mas é difícil que não tenha pensado em tudo isso.


Rafael Vendas. Projetista mecânico, formando em engenharia mecânica. Às vezes mecânico, às vezes marceneiro, às vezes encanador, às vezes escritor, às vezes preguiçoso. Sempre curioso.