No dia 4 de agosto de 2020, ocorreu a detonação de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, armazenadas inadequadamente num depósito no Porto de Beirute desde 2014, causando uma explosão que pôde ser ouvida a até 240 km e que deixou mais de 200 vítimas fatais e cerca de 7,5 mil feridos, além de um raio de destruição com prejuízos na ordem de bilhões de dólares e com centenas de milhares de desabrigados.

Mas o que faz a detonação do nitrato de amônio ter esse efeito tão destrutivo? Nos próximos textos, vou discutir a físico-química envolvida na explosão catastrófica do nitrato de amônio. Nesta primeira parte, vamos entender os efeitos de uma explosão do ponto de vista físico.

A palavra chave para entendermos os efeitos de uma explosão é “PRESSÃO”. Perturbações no ar, sejam pequenas (como pequenos ruídos) ou grandes (como explosões) causam um aumento da pressão a partir do ponto de emissão. Mudanças de pressão em um gás influenciam na sua densidade (quantidade de matéria em um determinado volume). Essa variação de densidade é invisível nas sobrepressões causadas pelas perturbações mais corriqueiras, mas numa grande explosão energética, como na de Beirute, o aumento de densidade do ar na onda de choque é suficiente para condensar a umidade presente, deixando a frente esférica dessa onda de choque ser visível, como é possível ver no vídeo a seguir.

 

A onda de choque é região da explosão caracterizada pelo pico de sobrepressão do ar e que vem empurrando e arrastando o que encontra pela frente. Ela é a parte mais externa da esfera de propagação da explosão, sendo o primeiro efeito a ser sentido pelos atingidos no raio de ação. Neste vídeo da explosão de nitrato de amônio no Porto de Beirute, disponibilizado por Dalton Bennett na reportagem do Washington Post e na sua postagem no Twitter, a mudança de densidade do ar e a consequente condensação da umidade nos permitem enxergar a onda de choque se propagando.

Vale lembrar que fisicamente a pressão se manifesta como uma força aplicada sobre uma área. Daí que quanto maior a pressão sobre uma determinada superfície, maior a força exercida sobre a mesma. Perturbações mínimas causam pequenos aumentos de pressão no ar que não são suficientes para derrubar uma parede, mas são capazes de fazer vibrar as sensíveis estruturas que formam nosso ouvido interno. Essa vibração sentida é interpretada no nosso organismo como “o som”. Da mesma forma, perturbações maiores causam pressões suficientes para vibrar vidraças ou até mesmo quebra-las e são percebidos por nossos ouvidos como sons altos. Perturbações extremamente energéticas causadas por explosões geram sobrepressões que, além de vibrar (e por vezes até demolir) grandes estruturas, podem literalmente destruir os sensíveis órgãos dos nossos ouvidos. Sobrepressões ainda maiores podem esmagar órgãos vitais na caixa torácica e causar traumas cerebrais devido à agitação da massa encefálica.

A tabela a seguir mostra os efeitos da sobrepressão causada por uma grande perturbação no ar. As unidades da sobrepressão estão em quilopascal (kPa) e quilograma-força por metro quadrado (kgf/m², ou seja, a força equivalente ao peso em quilogramas aplicada em cada superfície de 1 metro quadrado). OBS.: Os valores estão arredondados (a escala de conversão de kPa para kgf/m² é aproximadamente 102).

Sobrepressão (kPa) Sobrepressão (kgf/m²) Efeito
0,3 30 Barulho alto
1 100 Vidros começam a se quebrar
4 400 90% das janelas quebradas, danos a materiais de revestimentos/azulejos e outros danos estruturais menores
7 700 Fragmentos de vidro voam com força suficiente para causar lesões, telhas removidas
14 1.400 Colapso dos blocos de cimento, danos estruturais perigosos em casas
21 2.100 Deformação de estruturas reforçadas, 20 % de chance de fatalidade dentro das edificações
35 3.500 Danos estruturais severos, casas demolidas, ruptura de grandes tanques de armazenamento, ferimento em todas pessoas atingidas, 15% de chance de fatalidade fora das edificações, 50 % de chance de fatalidade dentro
70 7.000 Demolição quase completa de todas estruturas comuns, quase 100% de chance de fatalidade dentro das edificações
140 14.000 Edificações robustas são severamente danificadas ou demolidas, quase 100% de chance de fatalidade

 

Modelagem gráfica tridimensional do pico de pressão da onda de choque, partindo do ponto da detonação no Porto de Beirute, onde a sobrepressão é máxima, e reduzindo a pressão conforme a onda se propaga – sendo possível identificar a sobrepressão de 40 kPa, reduzindo para 20 kPa e para 10 kPa conforme a onda de choque se afasta do ponto da detonação (modelagem apresentada no artigo de Ollie Ballinger).

 

Alcances dos picos de sobrepressão da detonação de 2.750 ton de nitrato de amônio desenhados em forma de curvas (conhecidas como “curvas de iso-risco”) sobre o mapa da cidade de Beirute. Cada curva indica um pico de sobrepressão, que se reduz à medida que se afasta do centro da detonação: 46,4 kPa a 460 m; 24,5 kPa a 680 m; 11,2 kPa a 1.188 m; 5,6 kPa a 2.041 m; e 2,2 kPa a 4.082 m. Imagem de satélite obtida pelo Google Earth e valores obtidos no estudo “The Beirut disaster – Assessment of the explosion consequences” (GOREN, Aharon. The Israeli Explosives Safety Center, 2020).

 

Detalhe do alcance de sobrepressões a partir do ponto de detonação de nitrato de amônio no Porto de Beirute, e fotografias de alguns pontos dos arredores do Porto de Beirute, comparando como era antes e como ficou depois do desastre. Imagem de satélite obtida pelo Google Earth e fotografias disponíveis na reportagem “Beirut before and after the Explosion” do The National News.

 

E porque certas reações químicas tem capacidade para gerar tamanha sobrepressão? Três fatores precisam ocorrer em uma reação para que ela seja capaz de elevar a pressão no ar ao seu redor, tornando-se assim uma reação explosiva:

  1. O aumento de moléculas de gases
  2. Temperatura alta
  3. Reação rápida

A detonação de nitrato de amônio satisfaz essas condições, bem como a de outros compostos nitrados tais como TNT, nitroglicerina, nitrocelulose e pólvora (nitrato de potássio em presença de carvão e enxofre).

No próximo texto, vamos explorar cada um desses três fatores citados, entendendo como eles impactam no efeito de uma explosão, e vamos entender como a química dessas substâncias conferem a elas seu poder destrutivo.

 

REFERÊNCIAS:

BURRESON, Jay; LE COUTEUR, Penny; Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. Os Botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

BALLINGER, Ollie. Building a 3D Model of the Beirut Explosion. 16/08/2020. Disponível em < https://h.ollieball.in/2020/08/building-3d-model-of-beirut-explosion.html >

BENNET, Dalton; BLANCO, Adrian; KELLY, Meg; LEE, Joyce Sohyun; MIRZA, Atthar. Video analysis of Beirut explosion reveals its power, even at great distances. The Washington Post, 2020. Disponível em < https://www.washingtonpost.com/world/2020/08/07/video-analysis-beirut-explosion-reveals-its-power-even-great-distances/?arc404=true >

DA SILVA, GABRIEL. What Is Ammonium Nitrate, the Chemical That Exploded in Beirut? Scientific American, 2020. Disponível em < https://www.scientificamerican.com/article/what-is-ammonium-nitrate-the-chemical-that-exploded-in-beirut/ >

GOREN, Aharon. The Beirut disaster – Assessment of the explosion consequences. The Israeli Explosives Safety Center, 2020.

Process Systems Engineering, Volume 6, editado por Ian T. CAMERON e Raghu RAMAN. Chapter 7 – Vulnerability Models. Academic Press, 2005.

ZIPF Jr., R. Karl; CASHDOLLAR, Kenneth L. Explosions and Refuge Chambers. NIOSH Docket Number 125, CDC, 2007. Disponível em < https://www.cdc.gov/niosh/docket/archive/pdfs/NIOSH-125/125-ExplosionsandRefugeChambers.pdf >