Você se lembra da discussão que eu comecei no início do ano sobre carros elétricos? Não? Então dá uma lida aqui porque hoje vamos falar do grande calcanhar de Aquiles desse tipo de veículo: a bateria.

A bateria é o principal componente do carro elétrico, afinal, é ela quem fornece o “combustível” que o movimenta, além de corresponder a uma parcela significativa do preço do carro. Mas, como toda bateria atual, ela tem alguns problemas sérios como autonomia e tempo de vida. Quem é que nunca sofreu por causa da bateria do celular? Mesmo aquele celular novinho, quando muito usado, não passa um dia sem precisar ser recarregado e, à medida que o tempo passa, o intervalo entre as recargas só diminui.

Pois é, se isso já é complicado com o nosso celular, o que dizer de um carro, não é mesmo? Já imaginou ter uma longa viagem para fazer e ficar sem bateria no meio do caminho? E o que fazer se, depois de um tempo usando seu carro, a bateria começa a durar menos?

Então, vamos começar com o básico: você sabe o que é uma bateria e como ela funciona? Se não sabe, ouça esse episódio do Scicast que está ótimo. Resumindo bastante a história, as baterias possuem um catodo, um anodo e um meio por onde íons conseguem se locomover (essa parte é chamada de eletrólito). No caso das baterias mais modernas, tanto de celulares quando do carro elétrico, o catodo é comumente feito de grafite, o anodo é feito de óxidos contendo lítio e um metal de transição, como níquel ou cobalto, e o eletrólito consiste em solventes orgânicos com sais de lítio dissolvidos. Devido a sua composição, essas baterias são chamadas de baterias de íon-lítio e sua grande vantagem em relação àquelas mais antigas é que são mais leves, possuem maior densidade energética (armazenam mais energia com um tamanho menor), e duram mais que os modelos anteriores, como a bateria de níquel/cádmio, por exemplo, que já foi muito usada em celulares (era aquela bateria que “viciava” fácil).

O processo de geração de energia dessa bateria ocorre assim: os íons de lítio saem do anodo e migram para o catodo através do eletrólito. Enquanto isso ocorre, os elétrons se movem no sentido inverso, ou seja, do catodo para o anodo através do circuito externo (e não pelo eletrólito) e geram a energia. Desta forma, a bateria é descarregada quando todos os íons de lítio vão em direção ao catodo. Aí quando colocamos a bateria para carregar, o processo inverso ocorre e temos um monte de íon de lítio disponível para migrar de novo. O que acontece é que, durante esse processo, os íons vão perdendo a capacidade de locomoção, então as recargas já não recuperam mais 100% do potencial da bateria (que não vicia rapidamente como a de níquel/cádmio, mas vai, sim, perdendo sua capacidade ao longo do tempo).

Mas quanto tempo dura a bateria de um carro elétrico? Menos do que uma pessoa que paga caro em um carro novo espera que dure. Infelizmente, a vida útil de uma bateria desse tipo de veículo, hoje em dia, é estimada em oito a dez anos. Isso significa que, após esse período, as recargas podem ser mais freqüentes, o custo benefício pode ter diminuído e você provavelmente já vai estar se perguntando se compensa trocar de bateria ou de carro. Mas é claro que, por enquanto, é só uma estimativa e somente saberemos quanto ela vai durar de verdade daqui alguns anos.

Quanto ao custo de uma possível troca, você pode ver os valores para vários modelos de veículos aqui. Não vou listar todos eles porque ainda varia bastante de carro para carro, mas vou dizer que existe um consenso: manter o carro e trocar a bateria ainda não é financeiramente viável (atenção para o ainda, pois o preço da bateria tem caído bastante nos últimos anos, então, pode ser que continue caindo).

E o que fazer com uma bateria velha e sem capacidade de manter a carga? Aqui no Brasil quem diz o que deve ser feito é o Ministério do Meio Ambiente (MMA) através da Resolução CONAMA n° 401/2008 e da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Segundo esses documentos que eu citei, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de pilhas e baterias devem “estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos”. Traduzindo, é responsabilidade de quem produz e de quem vende recolher essas baterias.

O ideal, depois de retornar para a indústria, é que a bateria seja reciclada, já que possui tantos componentes de valor que podem ser recuperados, como o cobalto, o cobre e o próprio lítio. Mas, aqui no Brasil, a grande dificuldade está no mercado ainda incipiente. Grandes montadoras preferem fazer convênios com empresas estrangeiras, exportando as baterias usadas e depois importando uma nova, já montadinha, de novo. A justificativa é o fato de termos poucos veículos desse tipo, principalmente por conta do seu preço bastante elevado e da pouquíssima infra-estrutura (ou nenhuma, dependendo da região) para que se possa rodar pelo Brasil todo. Mas tente imaginar o quanto se gasta na exportação de um resíduo que poderia ser recuperado aqui mesmo e na importação de uma bateria nova. Agora imagine essa despesa sendo repassada ao consumidor (pois é…).

Neste momento, eu gostaria de dizer que minha intenção aqui não é fazer com que ninguém odeie veículos elétricos ou desista de ter um. Que tal fazermos uma comparação com a bateria que existe dentro dos carros movidos a combustão interna (esses que rodam com gasolina ou álcool)? A principal diferença entre elas é que a bateria de chumbo-ácido (sim, olha que coisas legais existem dentro do seu carro!) não desempenha um papel tão central quanto a de íon-lítio no carro elétrico e, por isso, é muito menor, menos potente e seu preço é bem mais baixo, não impactando tanto na hora de comprar ou vender um carro usado. Entretanto, você deveria se preocupar com o resíduo que está gerando quando precisa substituir essa bateria, afinal o chumbo é um metal pesado bastante tóxico e temos pouquíssimas empresas no país que fazem sua reciclagem.

Bem, mas e aí? E aí que tem muita gente no mundo todo tentando solucionar os problemas que eu apresentei e ainda outros que eu nem elenquei aqui (como elevado o consumo de energia na fabricação de baterias, por exemplo). Abaixo eu trago três possíveis soluções que estão sendo pesquisadas (clique nos links se quiser saber mais):

  • Em maio do ano passado, uma fabricante de chips para smartphones apresentou uma tecnologia para carregar a bateria com o carro em movimento chamada Dynamic Electric VehicleCharging System (DEVC), ou Sistema de Carregamento Dinâmico de Veículos Elétricos. Essa tecnologia fornece energia para a bateria por indução, ou seja, o carregador não entra em contato com o carro, ele é um trilho eletrificado colocado numa rodovia, por exemplo. A grande vantagem do DEVC é que a bateria do carro pode ser menor, sem que se perca a autonomia. A desvantagem é que para deslocamentos pequenos, como dentro de cidades, pode não ser tão útil.
  • Em janeiro deste ano saiu uma notícia que um pesquisador chamado Rachid Yazami apresentou um protótipo capaz de restaurar a capacidade de uma bateria de íon-lítio usada em até 95%, não havendo então a necessidade substituí-la. Já pensou que sonho? Por enquanto, as grandes interessadas na tecnologia são as grandes empresas de smartphones, mas vamos combinar que seria útil demais para veículos elétricos, já que trocamos de carro com muito menos freqüência que de celular?
  • E que tal uma notícia brasileira? O Programa Veículo Elétrico de Itaipu é um convênio entre duas instituições, a Itaipu Binacional e a suíça KWO – KraftwerkeOberhasli AG, e está pesquisando soluções economicamente viáveis para mobilidade elétrica. Além de desenvolver protótipos de veículos de diversos tamanhos (carros, caminhões, ônibus e até aviões), o programa desenvolveu uma bateria de sódio 100% reciclável, mas por enquanto ela só cabe em veículos grandes como ônibus ou trens.

E aí, se sentindo animado com o que está por vir? Caso a resposta seja não, aqui vai meio último argumento. O que acontece é que estamos cercados de pesquisas e inovações na área e o que está impulsionando tudo isso é, justamente, o crescente mercado consumidor. O apelo ambiental é real e tem muitos países tomando medidas severas em prol desse apelo, mas ele só vai ser levado em consideração se for atrelado com o lucro de quem produz. E como hoje a demanda está crescendo de maneira considerável (mesmo que as coisas ainda estejam um pouco devagar no Brasil, em algumas partes do mundo já existe um mercado de verdade), teremos muitas novidades com relação a eficiência, custo, autonomia e tudo mais que é necessário. Talvez eu esteja sendo otimista demais, mas você concorda comigo que é assim que acontece o desenvolvimento científico e tecnológico? Surgem novos problemas e inventamos novas soluções.