Pois então, amiguinhos, no meu texto de estreia rumo ao Nobel de Literatura de 2032 aqui no Portal Deviante, tratei da angústia da escolha que nos acomete em diversas fases da vida, mas principalmente na juventude. Então, nesse texto, vou tratar do oposto: da impossibilidade de escolher. Hoje, aproveitando as notícias recentes e o mote do podcast da casa referenciado no título, vou escrever uma pequena esquete sobre as possíveis consequências de decisões para a história da ciência, se houvessem ocorrido de modo diferente.

Devo lembrar que esse é um texto de ficção. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.

Cenário: laboratório de Pesquisas Pediátricas, na Universidade de Cincinnati. Um homem de meia idade, Albert, trabalha com sua equipe numa tarde comum, quando entra no recinto o reitor da Universidade.

REITOR: Boa tarde, Albert. Como vai?

ALBERT: Boa tarde, magnânimo Reitor! Eu vou muito bem e o senhor?

REITOR: Bem, bem… como anda o trabalho? Sua pesquisa sobre a poliomielite está evoluindo?

ALBERT: Oh, sim! Como o senhor foi informado, eu e minha equipe conseguimos isolar o vírus e, com base nos estudos prévios sobre a pólio, estamos desenvolvendo uma nova vacina, diferente da existente com o vírus inativo. Esperamos em breve desenvolver um protót…

REITOR: Ah, Albert, bem lembrado, que fortuito você mencionar sua equipe. Quantos pesquisadores trabalham com você?

ALBERT: Bem, no total, somos 15.

Albert Sabin desenvolveu a vacina contra a poliomielite na década de 1950, graças ao investimento em ciência e inovação

REITOR: 15 PESQUISADORES!? Todos empregados da Universidade?

ALBERT: Na verdade, vinculados diretamente à Universidade, somos 4. Os demais são bolsistas, alguns desenvolvendo seu mestrado ou doutorado na área de imunização e cujas linhas de pesquisa têm afinidade com o nosso programa.

REITOR: Mas, Albert… 15 não é um número um pouco alto?

ALBERT: Como assim?

REITOR: Você precisa mesmo de 4 pesquisadores titulares e mais 11 bolsistas para analisar um mero vírus? Sabe, a Universidade está em um período de vacas magras, as doações estão raras, o governo está cortando alguns fundos…. acho que teremos que reduzir sua equipe a partir do ano que vem.

ALBERT: O QUÊ!!!? Mas não é possível! Estamos avançando rapidamente! Como eu disse, já estamos desenvolvendo uma vacina para testes….

REITOR: Sim, sim, entendo. Mas sabe como é, a grana está curta. Além disso, precisamos escolher entre alguns programas e o seu não foi definido como prioritário.

ALBERT: Mas senhor reitor, isso é incabível! Temos a possibilidade de ter uma vacina pronta em menos de 5 anos, que poderá virtualmente extinguir a pólio no mundo em questão de poucas décadas. Imagine o que isso significará para a ciência e a humanidade!

REITOR: Mas para quê? Sempre existiu pólio. Se a humanidade conviveu com ela até hoje, não precisa de pressa, dá pra esperar umas décadas a mais. Além disso, já há algumas vacinas por aí que a combatem, não é?

ALBERT: Sim, mas podemos desenvolver um tipo de vacina mais eficiente!

REITOR: Deixe de bobagens, Albert! E pensando bem, em vez de reduzir, vou propor o fim do seu programa. Afinal, já existem vacinas, não temos que gastar dinheiro para reinventar a roda, não é?

ALBERT: Mas, Reitor, acabar com o programa!? E o que meus bolsistas vão fazer? E as suas pesquisas interrompidas? E o sonho de erradicar a poliomielite mundialmente?

REITOR: Bobagens, novamente, Albert. Como você mesmo disse, já há outras vacinas. E seus bolsistas podem procurar algo mais sério para fazer, afinal, eles não querem ser só estudantes a vida toda, certo?

O Reitor deixa o laboratório. Albert se senta, desconsolado.

 

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P.S.: achou ficcional demais? Pois podemos estar às vésperas de algo similar, se ocorrer, de fato, o corte das Bolsas CAPES, em 2019.

(A imagem de capa vem deste site)


Cris Santos é bípede, pai, botafoguense e faz um ótimo pão de queijo. Vive na Cidade Maravilhosa e, em plena meia-idade, ainda tem sonhos de vir a ser.