Algum tempo atrás, imbuídos no espírito da comoção resultante da paralisação dos caminhoneiros, acompanhava minha sogra numa ida ao posto de gasolina. Já nos preparávamos para a fila e a espera, pois um posto próximo a nós tinha acabado de receber alguns milhares de litros de combustível.

Chegando lá, minutos após a notícia, já se iniciava uma modesta fila. Me dirigi calmamente ao posto para ver como as coisas estavam. Pelo caminho contei 42 carros de passeio e, chegando lá, obtive a informação de 9mil litros disponíveis e retornei, algo que deve ter levado 10 minutos – era noite e estava com preguiça, ok? – Aproveitei para dar a notícia a minha sogra:

– (insira nome/apelido de sogra aqui), vai dar pra abastecer tranquilamente e vai levar ao menos uma hora e meia!

Dado o contexto, tudo se resolveu bem rápido, levamos uma hora e vinte minutos. Contudo, o que ela achou interessante mesmo foi a estimativa, o meu chute sobre o tempo que levaríamos. Quando chegou nossa vez, ela quase me elogiou, mas só o que venceu nossas preguiças fui uma troca de olhares e um “joinha”.

Com alguns dados e umas continhas simples, dá para tentar inferir um bocado de coisas. Dá pra ir resolvendo de cabeça as contas, ou até usar de algumas gambiarras matemáticas para resolver de cabeça curtindo a brisa da noite, mas e os dados em si? Pois se o chute funcionou, algo ali fazia sentido. Voltando ao exemplo, 42 carros, cada qual com no máximo de 55 litros de sede para abastecer, bem como os mesmos 42 carros levando cada cerca de 3 minutos pra abastecer. Temos aí dois limites, um com o máximo de combustível que seria necessário e outro, o mínimo tempo que levaríamos para ser atendidos.

Fosse Feeling, chute técnico, sorte, ou de tudo um pouco, o fato é que cheguei bem perto da marca. De conhecimento prévio, já sabia que carro de passeio não costuma ter tanque com mais de 50l, daí acrescentei uma margem de segurança totalizando 55l. Para o tempo que cada carro levaria, tinha na cabeça 3 minutos e um sentimento de que esse já era um tempo bem baixo para tal. O bacana é que 55l supera a expectativa da necessidade para cada carro, assim, se o tanque lá do posto aguentar abastecer esse valor estimado, é razoável acreditar que vai ter combustível para todo mundo, ou ao menos até a minha vez. Numa outra abordagem, o tempo não seria menor do que este estimado, assim, ajustando a expectativa que poderia variar de 30 minutos a 3 horas até a nossa vez.

É esperado de quem cai ali pela área da engenharia um pé nas exatas e o outro na resolução de problemas. Uma mistura que te leva a ter de equilibrar o modelo preciso, físico, matematicamente acurado contra o tempo, o orçamento, o recurso e as ferramentas que se tem para achar uma solução. Claro que isto não é uma exclusividade de um ramo de atividades, inclusive muitas pessoas por aí acabam por encontrar este caminho e desenvolver estas habilidades por conta própria e/ou em função do meio que as estimula.

Rapidamente, lembro de um processo seletivo em que tinha que estimar quantos copos descartáveis seriam necessários para dar a volta no estádio Maracanã por sua pista de corrida, que circunda o complexo por fora. Tamanho, volume e/ou altura do copo, se deveria estar de pé ou deitado, bem como o tamanho da pista e se por dentro ou por fora, tudo isto me levou a um resultado que não batia nem de longe com o anotado pela entrevistadora – fazer o que, né? – mas, ao argumentar as críticas sobre a questão, ficou claro como cheguei ao resultado lá.

Pois bem, um pouco de conhecimento prévio e algumas ferramentas matemáticas extremamente complexas, tais quais soma e multiplicação, podem ser muito úteis ao tentarmos abordar o mundo com nossos próprios olhos.

Quanto tempo devo levar até encontrar o pessoal antes de sairmos? Se eu resolver beber hoje, quanto vou gastar? Se eu estiver não muito sóbrio, será que vou falar abobrinha e fazer lista de transmissão de “E aí sumida?”.

De modo não tão útil, mas também pertinente ao contexto, evoco a boa e velha questão de múltipla escolha. Uma daquelas bem malandras, quando numa boa percebe-se que duas das cinco opções estão erradas, mas aquelas outras três possibilidades, vish! Você vai reparando nas unidades aqui, nas ordens de grandeza ali e começa a montar um contexto na cabeça. Volta a analisar a situação e as possibilidades e pode acontecer até mesmo de deixar contas pra lá e responder só pelo contexto.

Pessoal, queria poder chegar ao ponto de fazer uma referência bem específica. Preparem-se então, agora a verdade!…esse meme aqui:

<Pausa!– se ainda não conhece Hora de Aventura, fica a indicação –>

Aprender a estimar dentro de um universo particular de situações é algo corriqueiro. Logo, quando damos aquele chute despretensioso, fique certo que sua cabeça foi a lugares inimagináveis para traduzir suas experiências em um resultado final. Trazer isso para o papel e querer destrinchar este processo é que vai começar a dar uma nova cara para essa simples ação corriqueira, cotidiana e tão automática.

Boa parte, se não o total, da produção do conhecimento se baseia na aplicação de um conjunto de preceitos para se poder embasar uma análise de um evento em um determinado contexto. Assim, ao tentar compreende-lo, alimentamos a cadeia de forma cíclica, iterativa, “produzindo” mais conhecimento ou dando aquela ajeitadinha no que estava meio fora do eixo. O interessante é que não é uma obrigação que se confirme o que foi proposto antes, em vários momentos, o que vamos achar é uma maneira de contradizer a nossa premissa.

No final das contas, temos modelos empíricos, fórmulas físicas, modelos matemáticos, distribuições estatísticas e muito mais, que vão nos ajudar a colocar pingos nos “i”s, calibrar nossa modelagem da realidade e capacitar nosso estudo sobre um assunto e seu promissor futuro entendimento. Tudo isto se torna embasamento para proposições e pode de fato alterar a maneira como enxergamos o que nos cerca.

Lá no fundo, logo depois da curiosidade, do “Hum…” e do “E se?” vem um chutezinho, avexado, que, como quem não quer nada,pode colocar todo esse mecanismo para girar.


Rafael de Lemos Lyra. Engenheiro Mecânico, pós-graduando em Engenharia de Segurança do Trabalhoe pau para toda obra. Sempre curti a ideia de desmontar as coisas e devolver pro meu pai consertar. Entusiasta dos memes e do poder de transformação da tecnologia.