Verão! Janeiro! Férias! Vamos para um lugar aprazível aqui perto? Praia? Cachoeira? Ou vamos para a serra? Ficar sossegado e esquecer um pouco a loucura desse centro urbano enfumaçado?

Aqui pertinho, menos de uma hora pela Via Dutra, fica a Serra das Araras. Caminho do Sul Fluminense para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Procuramos na OLX. Encontramos uma casa de veraneio, com piscina e tudo, bem no alto da serra e partimos!

Lugar tranquilo, arborizado. Dá para ver a estrada passando abaixo. No final da tarde a serração invade o quintal da casa e entra pelas janelas, dando um ar místico ao ambiente. Ótimo para descansar a cabeça.

Mas, peralá! Este lugar deve ter História! Puxando de memória, me lembrei de haver lido uma reportagem, há bastante tempo, sobre uma tragédia climática ocorrida aqui. Vamos à pesquisa então:

Não foi uma simples tragédia! Foi “A” tragédia climática! A maior até agora em número de mortos. E ocorreu exatamente no local onde estou, em 1967!

Cenas tristes de destruição e morte na Serra das Araras.

A chuva que ocorreu em 24 de janeiro de 1967 em Piraí, sul do Estado do Rio de Janeiro, causou um estrago sem precedentes na Região da Serra das Araras – uma região na Serra do Mar onde há uma divisão das pistas da Rodovia Presidente Dutra, no trecho que fica entre os quilômetros 229, norte e 220, sul. É uma área que preserva alguns trechos de Mata Atlântica, apesar de a maior parte ter sofrido desmatamento. Liga o Vale do Paraíba à baixada litorânea da região metropolitana do Rio de Janeiro.

Quando ocorreu o desastre, a Dutra, neste trecho, estava passando por obras de duplicação, que foram concluídas em 1968. Os moradores locais relatam que ainda existem máquinas e caminhões que ficaram sepultados para sempre sob toneladas de barro e vegetação que desceram a serra junto com a enxurrada!

As estimativas de número de vítimas calculam um total de dois mil mortos, sendo trezentas vítimas identificadas e cerca de mil e setecentas desaparecidas nos soterramentos. Uma catástrofe que ficou registrada na lembrança daqueles que a viveram e no imaginário de toda a população da região.

Tive a oportunidade de conversar com o Sr. Joel Feital Martinez, que já morava na Serra das Araras quando ocorreu o desastre. Mesmo sendo criança à época, lembra dos relatos de seus familiares sobre os eventos desse dia. Conta que a comunidade local levou muito tempo para se recuperar da tragédia e voltar à normalidade.

Uma cruz de dez metros na subida, no local conhecido por Ponte Coberta, relembra ainda hoje a tragédia.

Segundo estudos de geologia, o que ocorreu foi um grande deslizamento de terra. As encostas praticamente se dissolveram, em um diâmetro de cerca de 30 quilômetros. Rios de lama desceram a serra chegando a carregar uma ponte. A Via Dutra ficou interditada por mais de três meses, nos dois sentidos. O volume de chuvas chegou a um total de 275 mm em apenas três horas.

Monumento inaugurado em 1938, que fica na pista de descida da Serra das Araras, ainda quando o trecho fazia parte da antiga Rodovia Rio-São Paulo.

Até a ONU considera a tragédia da Serra das Araras um dos dez piores deslizamentos de terra dos últimos cem anos!

Dentre as vítimas estavam moradores locais, passageiros de ônibus e motoristas de outros veículos que passavam pela serra e ainda os trabalhadores da Empresa Metropolitana de Terraplenagem, que executava a obra de duplicação da Via Dutra. Eles estavam em um alojamento às margens da rodovia, alguns juntos às suas famílias. Os moradores da área dizem que no local onde ficava o alojamento, ainda hoje, são encontrados restos humanos.

Um dos pontos onde a pista da rodovia simplesmente desabou.

Um dos ônibus que passavam pelo local teve um total de quatorze vítimas fatais. Algumas pessoas que se recusaram a deixar os veículos foram arrastadas com eles pela enxurrada.

Muitas vítimas estavam entre os passageiros dos ônibus que passavam pelo local.

Segundo relatos dos moradores, a chuva começou por volta de 22 horas e foi intensa durante umas três horas, causando os deslizamentos. Geólogos apontam que as obras de construção da nova pista de subida podem ter agravado a situação, assim como os desmatamentos nas encostas, mas que, provavelmente, mesmo que não houvesse intervenção humana naquela área, o volume de chuva incomum causaria grandes estragos.

Fotografia aérea de 1967 mostrando a situação da Serra das Araras após os deslizamentos de terra. A área ficou praticamente sem vegetação.

Manchete do Jornal do Brasil relatando a tragédia.

Mesmo sendo uma das piores tragédias climáticas da História e tendo um número expressivo de vítimas fatais, o evento na Serra das Araras é um episódio pouco conhecido da população em geral. Comparado a outras tragédias, não menos dramáticas, a Serra das Araras fica em primeiro no número de vítimas fatais:

Efeitos da chuva na região.

Longe de querer comparar quantitativamente uma tragédia com outra, afinal todas são terríveis em suas proporções e igualmente marcantes para as pessoas envolvidas, relembrar esses fatos é importante para trazer à opinião pública a discussão referente à falta de planejamento e infraestrutura que, na maioria dos casos, são as causas desses eventos catastróficos.

Cabe às autoridades e também à população estarem alertas quanto as intervenções nos ambientes naturais que, num longo prazo, podem trazer esse tipo de consequência, bem como estabelecer algum controle sobre o desmatamento e a ocupação desordenada de encostas.

Estamos falando especificamente de um evento que ocorreu há mais de meio século, porém, no dia em que esse texto é editado, o noticiário dá conta de diversos problemas semelhantes, que ocorrem ano após ano a cada verão, causando destruição, prejuízos e, o que é pior, a perda de vidas.

Precisamos dar condições de trabalho aos especialistas e dar voz a estes para que as políticas públicas e as decisões governamentais sejam pautadas em estudos e levantamentos com base científica. E justamente quem tem a principal ferramenta para exigir isso é a própria população, através do exercício direto da cidadania, cobrando uma postura coerente das autoridades. Caso contrário, estaremos fadados a acompanhar, ano após ano, outras tragédias de magnitude cada vez maior e ouvir das autoridades que “tal calamidade não poderia ter sido prevista…”

Façamos então a nossa parte!

Fonte das Estatísticas e das Imagens:

Seropédica On Line

FEN/UERJ

Jornal Extra