E, para a alegria de muitos (e tristeza de outros), chegamos ao final de mais um ano. 2025 foi marcado por intensas mudanças de rumo, tanto no plano coletivo quanto em nossas questões individuais. Mas seguimos firmes e fortes para mais um ciclo que se iniciará logo. Na ciência, foi um ano bem importante. No cenário cultural, a situação não foi diferente.
Aqui no Deviante, já tivemos a oportunidade de acompanhar eventos que ocorreram ao longo de outros anos, como em 2021, 2022, 2023, 2024… E a lista segue aumentando! Para celebrar mais um finalzinho de ano, que tal lermos um pouco sobre as principais notícias de alimentação que mexeram com a cena cultural aqui no Brasil?
Nesse texto, não faremos distinção quanto ao impacto de cada notícia, se algum fato foi melhor do que outro. Para quem não conhece o quadro, eu apenas relaciono na ordem em que os eventos aconteceram. Espero que assim possamos entender juntos os desdobramentos mais importantes do ano, analisando o que vem pela frente. Vamos nessa!
1. O aterrorizante cafake!
Em janeiro e fevereiro, muitos preços dispararam em virtude da inflação, problemas políticos e outras volatilidades de mercado. Com os alimentos, a situação foi um pouco pior. O ovo, famoso na mesa dos brasileiros, estava apertando o orçamento das famílias em virtude de disputas com mercados mais consolidados e instáveis, como o americano [1]. Muito em decorrência da questão da gripe aviária, que já foi abordada aqui no portal inclusive.
Mas nada se compara com o caso do café. Em virtude de crises climáticas nos principais produtores do sudeste asiático, a demanda externa aumentou bastante sob o Brasil. Com o preço do café subindo demais no país, algumas empresas praticaram a famosa reduflação, que já tivemos a oportunidade de estudar aqui. Assim, surgiu um produto que prometia os mesmos benefícios e era vendido como pó de café, mas que na verdade era um amálgama de diversos detritos e sujidades da produção moídos [2]. Assim surgiu o apelido de “cafake”.
Cafake é um produto derivado da moagem e torrefação de folhas, galhos e outros subprodutos da indústria do café. O sabor amarga algumas semelhanças, mas nenhum benefício da bebida tradicional da mesa de muitos brasileiros. Para muitas famílias, essa reduflação foi criminosa. E o pior foi a sensação de estar comprando um produto falso.
Imitando cores, dispondo de grãos saudáveis na imagem e fontes tradicionais, muitos consumidores se sentiram enganados ao entender o que era a “bebida sabor café”. Os serviços de inspeção estudaram por um tempo a retirada do produto por fraude em divulgação, mas não precisou esperar muito para que a volatilidade nos preços diminuísse. Hoje, o cafake é uma triste lembrança de como altos preços forçam a indústria a empurrar produtos de pior qualidade. E como somos vítimas de um ciclo sobre o qual pouco temos controle.
2. O prêmio de agricultura para o país da alimentação!
Fãs de prêmios internacionais tiveram o que comemorar este ano. Mariângela Hungria, doutora em Agronomia e pesquisadora pela Embrapa, ganhou um prêmio de muito prestígio no meio acadêmico. O World Food Prize — brasileiramente apelidado de “nobel da agricultura” — veio ao seu encontro por pesquisas sobre biofertilizantes e seus impactos nos sistemas alimentares [3]. Para nós da área de alimentação foi uma conquista e tanto! Para Mariângela, um reconhecimento natural depois de uma carreira bem dedicada.
Biofertilizantes têm se tornado uma aposta para lidar com diversos problemas decorrentes do uso de fertilizantes naturais, como diminuição da micro biodiversidade, empobrecimento do solo e dependência do mercado estrangeiro. Já tivemos a oportunidade de entender um pouco sobre biofertilizantes e o mecanismo de mercado aqui.
Modelo de bioeconomia futura, o biofertilizante promete incrementos na produção agrícola ao mesmo tempo em que lida com diversas externalidades ambientais. Não por menos a técnica tem sido alavancada como uma das maiores promessas do setor. A conquista de Mariângela não foi só dela, mas também de um povo que necessita valorizar suas empresas nacionais, respeitar seus funcionários públicos e entender, cada vez mais, que o futuro é científico.
Deixo aqui meus parabéns para Mariângela e sua conquista, bem como meu obrigado por ter trazido reconhecimento ao nosso país. O Brasil, como um gigante da alimentação, possui poucos prêmios dessa natureza para destacar. Não por falta de profissionais capacitados, como já sabemos, mas por todo um ecossistema que restringe trabalhos, uso de maquinários, estrangula financiamentos e, pior, mata a consciência científica do povo e do trabalhador. Tal como uma semente que quer brotar, mas o terreno é de difícil cuidado.
Porém, Mariângela provou que, fertilizando o solo da maneira correta, o impossível vira uma questão de opinião. E a ciência deverá brotar nesse terreno algum dia!
3. Pronara e a redução de agrotóxicos.
Na esteira das legislações mais impactantes do ano para o setor, tivemos um posicionamento emblemático do Governo Federal. Quem acompanhou o texto no Portal sobre o Pronara percebeu que o Brasil é campeão no uso de agrotóxicos, o que tem sido apontado como causa de diversos problemas graves de saúde, tanto para consumidores quanto para trabalhadores.
Diferente do que é dito por grupos pró-agrotóxicos, muitas mortes já foram relatadas por causa dessas substâncias. Muitas externalidades ambientais negativas são relacionadas com o uso delas. Apesar de estarmos em um governo mais conservador no tema, muitos defensivos estão sendo liberados, quase sem a observância de estudos técnicos robustos e com o endosso do Ministério da Agricultura.
A criação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) visa aumentar a articulação de secretarias como meio ambiente, saúde e casa civil na aprovação dos agrotóxicos, diminuindo assim a influência do lobby que ocorre na pasta da agricultura.

Imagem um. Brasil tem aumento de intoxicações por agrotóxicos, apesar de casos continuarem subnotificados. Nos Estados Unidos, a gigante Bayer já sofreu 160 mil processos só do veneno mais famoso, o glifosato, enquanto que no Brasil foram seis processos no mesmo período [4]. Um cenário de falta de comprometimento de instrução e uso de EPI adequado aumenta o quadro de problemas crônicos de trabalhadores ao longo da vida, como na figura.
Ainda não temos políticas robustas que efetivem a diminuição do uso de agrotóxicos no país. A criação de Limites Máximos de Agrotóxicos (LMR) e o acompanhamento conjunto de secretarias apenas controlam um risco que poderia ser sanado desde o nascimento. O consumo é brutal, e a cobrança dos brasileiros também deve ser.
O Pronara talvez seja um primeiro passo para mudarmos o triste cenário do país, mas talvez fique apagado nos trâmites burocráticos do nosso Estado. Muita discussão sairá desse programa, mas pode ter certeza que iremos acompanhar tudo isso aqui no Portal Deviante.
4. Saímos do mapa da fome!
Para alguns é esperado. Para outros é novidade. Outros ainda acham que é marmelada. Mas a verdade é que, desconsiderando críticos de programas específicos, o Brasil saiu pela segunda vez do mapa da fome! A conquista foi celebrada pelo setor da alimentação, pelo governo e, em especial, pelo próprio presidente Lula, que havia sinalizado a importância do marco ao país, que estava em estado crítico de insegurança alimentar em 2022.
O anúncio foi feito no final de julho, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) em evento na Etiópia [5]. Com a notícia, veio a informação de que tivemos menos de 2,5% de pessoas no país com insegurança alimentar grave no último triênio 2022-2023-2024. Assim, entramos nos menores patamares da história do país.
A última vez que ocorreu foi em 2014, mas os últimos anos foram de desmantelamentos de políticas sociais. Isso, em 2018, fez o país entrar novamente no mapa da fome.
O comunicado de imprensa teve até lágrimas do presidente, que fez das políticas de alimentação sua principal bandeira de mandato [6]. Claramente, também teve alfinetada ao presidente anterior, que amargou um índice de aproximadamente 13,7% da população em insegurança alimentar grave (fome) e quase metade com insegurança leve.
Segundo dados do governo, os programas sociais se tornaram medidas eficazes no combate da pobreza e fome, por garantir estabilidade, acesso à renda, ao emprego e dignidade [5]. Os dados ainda refletem que a quase totalidade das vagas de trabalho preenchidas foram de pessoas anteriormente cadastradas em programas sociais!
Apesar de termos um longo caminho pela frente, tudo indica que estamos no caminho certo para sustentar um país antes faminto como o Brasil. Ainda temos problemas sérios, como a inflação alimentar, que diminui o poder de escolha principalmente dos mais pobres. Mas podemos ser esperançosos nesse quesito, caso prossigamos nas atitudes certas.
5. As bebidas com metanol.
Depois de tanta notícia boa, agora vamos tocar em uma ruim. Por volta de setembro e outubro, centenas de casos de intoxicação por metanol foram levantados. Seis estados identificaram estabelecimentos, muitos clandestinos, que vendiam bebidas contaminadas pelo metanol [7]. São Paulo foi o estado que mais concentrou casos, com dezenas de mortes confirmadas e pessoas intoxicadas.
Com o andar das investigações, diversos dados surpreendentes foram levantados. De acordo com a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), o mercado ilegal de bebidas corresponde a 28% do consumo total. Isso representa também 28 bilhões de reais em impostos não pagos e a perda de governança da nação no quesito.
Se você for mais velho aqui no Portal (foi ler um parágrafo, acabou tendo uma crise existencial), talvez se lembre do Top 10 | Cultura Alimentar 2020, em que conversamos sobre a intoxicação por dietilenoglicol na cervejaria Backer. A substância desse ano possui algumas similaridades com aquele componente de refrigeração.
Afinal, o metanol provavelmente foi manipulado para fazer limpeza de garrafas em reuso, que estavam sendo limpas para abrigar bebidas falsificadas. No caso da Backer, foi uma contaminação não intencional por falta de fiscalização nas tubulações da fábrica.
O top de 2020 reuniu dez notícias que, pelo avanço do meu cansaço, acabou ficando em cinco nos anos posteriores. Sim, já faz meia década em que isso aconteceu! Vale a pena dar uma conferida nesse top de 2020.
Diversas entidades ostensivas, protetivas e regulatórias, como Vigilância Sanitária, Polícia Civil e Procon, foram chamadas à ação no combate da venda clandestina de bebidas. A principal hipótese dos inspetores é de que as garrafas eram lavadas com metanol que, em quantidade residual, ainda seria responsável pelos casos de intoxicação, cegueira, danos cerebrais e em tecidos.

Imagem dois. A crise do metanol expôs defeitos sistêmicos na cadeia de bebidas, que teve retração forte no segmento de vendas online [8]. Na figura, homem preparando drink.
O real tamanho da logística das bebidas adulteradas ainda não é conhecido. Se você for consumidor desses destilados ou fermentados, peço que desconfie abertamente da origem de seu produto. Vou deixar aqui o link da ABBD para você diferenciar um rótulo original de falsificado. Assim irá diminuir e muito as chances de ser contaminado por metanol.
Essa notícia foi a que mais me marcou pois, como fiscal, fui designado para vistoriar estabelecimentos suspeitos e outros denunciados. Diferente do caso da Backer, dessa vez pude olhar de perto como opera o Estado quando uma notícia dessas acontece. Gestores perdem suas proezas estratégicas, chefias se desentendem e, na esteira disso tudo, a população fica amedrontada com cada notícia.
A função fiscal passa longe de ser polícia administrativa nessas horas, devendo agir mais como educador, para que possamos tranquilizar os ânimos. Se podemos tirar algo de bom é que nenhuma experiência é jogada fora nessas horas. No meu caso não foi encontrado nada digno de nota, mas imagino como foi louco esse período na visão da fiscalização que estava na linha de frente! Nenhuma pessoa sai como entrou nessas situações.
Na dúvida se um estabelecimento tem boas práticas de trabalho ou não, procure saber se o mesmo possui alvará sanitário. É a sua garantia legal de que a casa cumpre com preceitos basilares de higiene, boas práticas em manipulação e de respeito para com os clientes. Não se deixe levar por desculpas, exija o documento!
E para finalizar!
Ficarei aqui me despedindo de mais um texto e mais um ano de trabalho duro. Aqui no Portal Deviante, também pudemos celebrar muitas notícias boas. Dessas que não posso passar em branco! Os podcasts da casa, que se inscreveram no Prêmio MPB — Melhores Podcasts do Brasil — ganharam as estatuetas nas respectivas modalidades!
Teve a estatueta de melhor da categoria para o Realidades Paralelas do Guaxinim (Ficção e Fantasia), Miçangas (Cultura Pop) e pro Scicast (Ciências). Foi um momento que todos nós aqui do Portal vibramos juntos. Afinal é o reconhecimento de que estamos agradando uma parcela significativa de apoiadores, fãs e colaboradores, que sempre nos alimentam com ótimos comentários e demonstrações de interesse pelo nosso conteúdo.
A entrega do Prêmio MPB é um reconhecimento para nós, membros da comunidade vibrante de podcasts e também de amantes da Ciência, que fazem dessa metodologia do alcance ao conhecimento um estilo de vida. Para vocês, nosso mais sincero obrigado!
Na ciência de modo geral, as notícias foram animadoras, mas nossos problemas de sempre continuam a existir. Catástrofes climáticas, desinformações e fundamentalismos ainda permeiam nosso meio de vida. Contamos com vocês para mais um ano de muita informação, entretenimento e, claramente, aquela diversão que somente o Portal Deviante consegue fazer! Tenhamos todos um excelente Natal e feliz ano novo. E até breve!

