A realidade é triste, ou melhor, frustrante. Sim, meu caro leitor, eu sei que você pode ser um pessimista ou um otimista, mas a realidade é implacável. Temos sempre aquele viés de acreditar que depois de uma sequência de ocasiões ou acontecimentos ruins, inevitavelmente teremos uma coisa boa, uma espécie de “depois da tempestade, sempre vem a bonança”, como se alguém em algum momento da nossa existência vivente tivesse prometido isso. A verdade mesmo é que as coisas podem continuar dando errado e não há nada que possamos fazer que influencie nesse processo. Mas acreditar que há uma luz no fim deste túnel, talvez seja o que chamamos de “esperança”, que é um sentimento fundamental para nós humanos suportarmos esse processo longo e doloroso chamado de vida.

Muitas vezes a vida é desagradável conosco, faz parte do jogo. Entretanto, lidar com esse desagrado pode ser opcional se temos ferramentas que nos tirem da vivência por algum tempo, enquanto tentamos buscar dentro de nós mesmos as respostas que precisamos. Uma dessas ferramentas são as drogas. Como é apresentado por Sigmund Freud em seu livro “O mal-estar na cultura”:

a vida, tal qual nos é imposta, é muito árdua para nós, nos traz muitas dores, desilusões e tarefas insolúveis. Para suportá-la não podemos prescindir de lenitivos [que podem ser] distrações poderosas que nos façam desdenhar de nossa miséria, satisfações substitutivas que a amenizem e entorpecentes que nos tornem insensíveis a ela.

Mas julgar as drogas como apenas uma passagem para outro local em que os problemas não chegam é uma falácia. As drogas também podem trazer prazer e conexão interior, afinal, se levarmos a definição clássica de que drogas são substâncias que alteram um estado basal de um organismo, quantos não conhecem pessoas que “funcionam” apenas sob efeito de café ou outros estimulantes?  O estigma cultura carregado pela palavra “droga” precisa ser debatido, pois existem recortes sociais profundos que surgem deste tipo de debate que há muito tempo necessitam de exposição frente à sociedade.

Mas deixando de lado todo esse preâmbulo complexo, pois não é minha intenção iniciar, muito menos apitar sobre este debate, podemos fazer um questionamento: será que somos os únicos seres que ficamos de saco cheio da vida como ela é? Para observar isso, apresento a vocês a estrela do nosso artigo: a tetrodotoxina.

A tetrodotoxina ou TTX é uma neurotoxina não proteica hidrofílica muito potente, com toxicidade 100 vezes maior que a do cianeto de potássio. É encontrada em peixes da classe Tetraodontiformes, à qual pertence um peixinho muito conhecido e fofo, o baiacu. Também está presente em outros organismos como o polvo-de-anéis-azuis, caranguejos, salamandras, sapos e algas.

Para os seres humanos a TTX é fatal, pois causa a paralisia dos músculos por conta do seu bloqueio aos canais de sódio nas membranas de células excitáveis. Ela também é termoestável, ou seja, não muda sua conformação estrutural com aquecimento, além de não modificar as características sensoriais do alimento, no caso, o pobre baiacu que está no prato. Em outras palavras, você pode ingeri-la e não sentir um sabor diferente.

A ingestão deste peixe de forma inadequada ainda causa cerca de 50 mortes por ano no Japão, pois a carne do baiacu é muito apreciada. O início de incubação da TTX é de 20 minutos a 3 horas, com relatos de casos com sintomas após apenas 3 minutos, o que deve diminuir muito a avaliação no TripAdvisor dos restaurantes onde isso ocorreu.

O processo de morte é bem angustiante, começando com dormência nos lábios e na língua, que vai evoluindo para a face e extremidades, podendo, em seguida, ocorrer dor de cabeça, vômitos e até o início de uma paralisia sistêmica, que afeta músculos, olhos e pulmões, na qual, embora o paciente esteja totalmente paralisado, está lúcido e consciente até próximo do momento da morte, que pode demorar de 4 a 6 horas após a ingestão da TTX.

Quem faz a produção desta toxina nos Tetraodontiformes são bactérias que fazem parte da microbiota das gônadas e das vísceras desse peixoso. Depois da ingestão da tetrodotoxina, não há muito que fazer além de suporte respiratório e monitoramento de funções vitais e lavagem gástrica, torcendo para que a quantidade de toxina ingerida seja baixa o suficiente para ser excretada pela urina.

Observando essa explanação sobre a TTX, imagino que você, meu amigo leitor, não tenha salivado para comer um sushi de baiacu ou ficado com vontade de tomar uma vitamina de banana com tetrodotoxina. Mas como sabemos, a natureza é uma grande humorista. A tetrodotoxina é letal para seres humanos, mas para outros organismos, não necessariamente é.

Um documentário de 2014 chamado “Dolphins – Spy in The Pod” mostra golfinhos com um comportamento muito peculiar. Pesquisadores da Universidade de Murdoch, na Austrália, analisaram golfinhos no estuário de Leschenault e observaram golfinhos segurando baiacus com a boca (o que gera uma cena hilária do baiacu com cara de assustado na boca do golfinho). Muitas vezes os golfinhos passam, entre si, o mesmo baiacu com o objetivo de conseguir pequenas doses de tetrodotoxina.

Á primeira vista, poderíamos pensar que os golfinhos estão utilizando o pobre baiacu como os humanos utilizam um baseado, usando e passando entre si, o que poderia ser encarado como um comportamento socialmente relevante para a coesão do grupo, mas muitos biólogos defendem que a TTX causaria apenas uma dormência no corpo dos golfinhos, não causando aquele efeito de “ficar doidão”.

Todavia, a discussão que venho trazer é um pouco mais filosófica do que decidir se os golfinhos estão transcendendo em uma rave subaquática ou apenas sentindo formigamento como uma sensação curiosa.

Outros animais possuem comportamentos análogos, como elefantes que comem frutas fermentadas para ficar bêbados, cangurus se embriagando com papoulas e cavalos comendo ervas alucinógenas. Porém, dentre todos estes animais, os golfinhos me despertam uma atenção especial, pois possuem alguns comportamentos análogos aos de humanos deploráveis, como estupro e assassinato de semelhantes e de outros, assim como outros comportamentos como fazer sexo por prazer.

Sendo assim, os questionamentos que podemos levantar são: se comportamentos complexos como estes podem ser presentes nos golfinhos, será que as motivações que levam os golfinhos a usarem a TTX não são igualmente complexas como em nós? Que tipo de angústias e questionamentos que ainda não temos acesso residem dentro da existência deste mamífero subáqueo? Será que eles têm a percepção da imensidão do local onde vivem? Ou melhor, será que nós temos?