Bom dia! e bem-vindas e bem-vindos a mais um Spin de notícias, o seu giro diário de informações científicas… em escala subatômica. Aqui é a Debbie Cabral e, em 1 Kosian no calendário Dekatrian ou who cares no calendário da régua torta,  eu falei de Linguística e Covid-19. Trago para vocês aqui, em formato de texto:

– Será que é possível detectar doença por meio da voz?

– Qual é a melhor forma da falar sobre a doença do coronga?

Shiu shiu shiu shiu Spin de notícias!

Linguística e coronavírus. Por essa você não esperava, vai? Ou esperava, já que o estudo da língua está presente em absolutamente tudo na nossa vida!

Vamos começar com o artigo “Ferramenta computacional detecta doença por meio da variação da voz”. Esse artigo é sobre um projeto da USP chamado SPIRA: Sistema de detecção Precoce de Insuficiência Respiratória por meio de análise de Áudio..  O projeto tem como desafio criar um método de triagem de pacientes com Covid-19 baseado em áudio e inteligência artificial. Como dá pra imaginar, esse é um projeto multidisciplinar, então tem gente do departamento de Medicina, Matemática e Estatística, Ciências Matemáticas e Computação, Letras da USP e da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.

A vontade de colaborar de alguma forma com tudo que está acontecendo relacionado à Covid-19 foi o que motivou o projeto, mas ele obviamente não identificaria Covid-19 especificamente, e sim insuficiências respiratórias. Um dos pontos que o Marcelo Finger, coordenador do projeto, traz no vídeo da Abralin é a dificuldade de saber se está na hora de internar o paciente com Covid-19 ou não. Médicos e parentes relataram que a voz dos pacientes já estava modificada há algum tempo. Muitas vezes a falta de oxigenação não é tão explícita (hipóxia silenciosa), então esse sistema seria capaz de detectar insuficiência respiratória, sendo assim um apoio à triagem de pacientes.

O artigo fala da dificuldade de coletar os dados das pessoas infectadas. O site do projeto (link) coleta amostras voluntárias (afinal precisam de amostras “saudáveis” para usar como controle). Inclusive, no vídeo, o Marcelo Finger diz que estão precisando de amostras de gente mais velha e homens. 2/3 das amostras são de mulheres, só que a maioria das amostras das pessoas infectadas é de homens. Para essa coleta das pessoas com Covid-19, foram necessários profissionais de saúde que pudessem transitar pelo hospital, que estivessem tratando desses pacientes para poder coletar essas amostras.

Tá, Debbie, e onde entra a linguística aí?

A professora Flaviane Fernandes Svartman (USP), por exemplo, concebeu quais frases e tipos de emissão vocal que deveriam ser feitos. Obviamente, curiosa como eu sou, entrei lá para gravar as 3 frases da coleta de dados:

O amor ao próximo ajuda a enfrentar o coronavírus com a força que a gente precisa

Batatinha quando nasce espalha rama pelo chão

Parabéns a você nessa data querida muitas felicidades muitos anos de vida!

Confesso que fiquei curiosa para saber como essa escolha foi feita, mas ainda não achei. Quem sabe em um próximo texto….

Outra contribuição da linguística vem da linguística computacional, que mexe um monte com estatística, linguagem natural, machine learning… Então, modelos pré-treinados de voz, que sejam capazes de identificar sons que são esperados em uma língua, podem identificar diferenças que detectem doenças respiratórias!

Isso é muito massa!!

Vamos para o segundo assunto de hoje. Continuamos falando de linguística e Covid-19!  Agora o assunto é metáforas! A professora Elena Semino, da Universidade de Lancaster, estuda metáforas relacionadas à área de saúde e, desde que começaram as notícias relacionadas à pandemia, ela vem trazendo alguns pontos bem interessantes no Twitter. No meio do ano ela postou no blog do CASS – Centre for Corpus Approaches to Social Science da Universidade de Lancester esse artigo que eu trago para vocês: ‘A fire raging’: Why metaphors work well for Covid-19 (em tradução livre, ‘A fúria do fogo’: Por que metáforas de fogo funcionam bem para a Covid-19).

A primeira coisa para a gente entender é que o uso de metáforas implica que vemos similaridades ou correspondências entre duas (ou mais coisas). Durante a pandemia, principalmente no começo, as metáforas mais usadas eram de guerra. Com certeza vocês já ouviram algo como “precisamos combater o vírus”, “as profissões na linha de frente”. Para professora Elena Semino, o problema é que metáforas influenciam a forma das pessoas pensarem, sentirem (como mostrado em estudos experimentais) Então, na hora que usamos metáforas de guerra para falar da Covid-19, a gente “personifica o vírus como um oponente maligno, criando assim ansiedade desnecessária, legitimando perigosamente medidas autoritárias de governo e implicando que os que morreram não lutaram o suficiente”.

Chegamos, então ao que a professora Semino sugere no artigo: usar metáforas de fogo para falar da Covid. A partir da #ReframeCovid (em tradução livre, Reestruture a Covid, Reenquadre a Covid), ela fez uma coleção de metáforas para Covid em 5 línguas diferentes e percebeu alguns usos de fogo para a metáfora. Ela explica por que o fogo é uma boa ferramenta de metáfora:

  1. Dá para passar a ideia de perigo e urgência: ‘O vírus está se espalhando como fogo na floresta’ (descrição de um ministro do Paquistão)
  2. Dá para ter uma gradação da seriedade do problema: ‘coronavírus é como fogo em fúria’ (NYTimes em Abril), ‘coronavírus já é um fogo em retirada, mas precisamos extinguir cada faísca, apagar cada brasa` (Primeiro-ministro da Irlanda)
  3. Dá para relacionar com como o vírus propaga: “Pense na Covid-19 como um fogo queimando uma floresta. Todos nós somos árvores. O R0 é a força do vento. Quanto mais forte, mais rápido o fogo corre pela floresta. Mas, assim como em um fogo na floresta, a Covid-19 precisa de combustível para continuar. Nós somos o combustível” (Medscape)
  4. Dá para falar de métodos de contenção: ‘Algumas linhas de fogo – quarentena e medidas de distanciamento social – previnem o fogo de atingir todas as árvores’ ou ‘Se a gente evitar que brasas sejam jogadas toda vez que a gente fala ou tosse, menos pessoas pegariam fogo’ (Medscape)
  5. Dá para exaltar a importância dos profissionais da saúde: Ainda no Medscape, eles dizem ‘nossos bombeiros não estariam tão soterrados de trabalho’
  6. Dá para evidenciar desigualdades sociais: ‘coronavírus joga gasolina no fogo’- problemas que já eram sérios, ficam piores.

E você? Como costuma falar sobre a Covid?

P-p-por hoje é só,p-p-pessoal! Lembro que todos os links comentados estão no post e deixe lá também seu comentário, elogio, crítica, declaração de amor ou sugestão de comprimido que queiram que eu dissolva. Lembro ainda que esse podcast só é possível acontecer por conta de seu apoio no patronato do SciCast, no Patreon, no Padrim ou PICPAY. Um grande abraço apertado, um beijo no coração e até amanhã!