Estamos caminhando para um mundo onde nossos relacionamentos serão definidos pela tecnologia?

Afinal, para que investir tempo e recursos em procurar ‘alguém decente’, se o sistema pode fazer isso muito melhor, e dar o resultado em uma fração de segundos?

No episódio Hang The DJ, da quarta temporada de Black Mirror, vimos uma ‘realidade alternativa’ assustadoramente próxima à nossa – como de praxe na série.

—- este texto contém SPOILERS do episódio Hang The DJ —-

No episódio, há um sistema que marca encontros para você, com alguém definido por ele através de seus algoritmos – vulgo, programas de computador. Tal sistema também define quanto tempo esse “relacionamento” irá durar: desde algumas horas até anos, ou, quem sabe, para o resto da vida.

A idéia é que o sistema utilize os dados de cada relaciomento, curtos, longos, bons, ruins… para um dia encontrar, finalmente, “o par ideal”.

Sem entrar no mérito do romantismo, a verdade é que hoje em dia muitas pessoas já usam os aplicativos de encontro para esses fins.

E há dezenas deles.

Mas como realmente funcionam esses algoritmos? O que eles levam em consideração? Qual a forma de amostragem para os cálculos? (Se quer saber mais sobre como a amostragem é importante, ouça o scicast #142).

Existem duas abordagens mais comuns nos “aplicativos de namoro”:

1. Aquele aplicativo que facilita a caçada

São mais simples e apenas te indicam as pessoas próximas interessadas…

Esse tipo de app lista os perfis dos cadastrados, seja com foto ou descrição feita pelos próprios, e espera que os próprios usuários se interessem. Podem filtrar por características básicas, como preferência sexual e localização.

Seu “sistema” de match funciona na base da reciprocidade: se voce curtir um perfil e a pessoa também curtiu seu perfil, voi lá, temos um match. O aplicativo notifica os usuários sobre quem são os matchs, e cabe aos mesmos decidir o que fazer sobre isso, podendo apenas trocar mensagens e ver os perfis.

No fim, esse tipo de aplicativo apenas facilita o ‘trabalho’ de sair por aí, na rua, procurando alguém na multidão (ou no descampado, dependendo de onde você mora, né).

2. Aquele aplicativo que faz a amarração em 7 dias

Outros têm perfis super detalhados, questionários, e complexos algoritmos, que prometem encontrar a pessoa ideal, fazendo até propaganda de casais felizes e duradouros que se conheceram pelo sistema.

O interessante nesses apps é que, diferentemente do que pareça ser o mais lógico, os bons sistemas não simplesmente juntam pessoas com características similares. Ou seja, que colocaram as mesmas respostas nos questionários.

Os algoritmos cruzam dados de matchs que deram certo (usuários interagiram bastante, tiveram um relacionamento sério, ou até se casaram) com as preferências de cada usuário e verificam quais características costumam ser indicativas de afinidade. (Parecido com o que fazem os algoritmos de propaganda na internet).

Pode ser que pessoas que curtem pés costumem se dar bem com pessoas que odeiam caminhar, e não necessariamente com pessoas que também curtam pés. E assim, cruzando informações aparentemente desconexas, os algoritmos identificam padrões que permitem determinar a afinidade entre usuários.

X. Mas e O Sistema?

Como funcionaria o sistema apresentado em Hang The DJ? Parece bastante inteligente e plausível para a tecnologia atual.

Para cada usuário, é criada uma ‘cópia virtual’, que é colocada para viver nessa simulação, onde tudo que existe são os usuários e O Sistema (além de alguns agentes da segurança…).

Então, o que o sistema faz é colocar as cópias virtuais para se relacionarem.

Será que ele definiria os encontros a partir de informações cadastradas pelos usuários (preferências)? Provavelmente não, já que ele pode analisar a personalidade copiada para identificar essas preferências, ou simplesmente começar no modo aleatório, e ir melhorando conforme os resultados. Isso também pouparia o usuário de um cadastro chato e demorado. Já estamos de saco cheio de preencher nosso perfil a cada nova rede social ou plataforma que aparece.

Na verdade, o aplicativo do sistema parece usar um processo bem simples.

Ele dispara 1000 simulações para cada usuário. Em cada simulação, cruza marcando encontros com todos os outros usuários aleatoriamente, com tempos variados.

Após um certo número de encontros, o sistema diz ao usuário simulado que encontrou o par perfeito, mas oferece uma última chance de se reencontrar com alguém, para “se despedir”. E deixa que a própria identidade virtual decida quem ela gostou mais. Afinal, é a última chance de ver alguém, isso é uma decisão muito especial.

Porém só isso não é suficiente, afinal qualquer um pode se enganar, idealizar algo que nunca foi. Por isso, o sistema ainda não define o par que resolveu se reencontrar como um match. Se os usuários (simulados) resolverem que só queriam se despedir mesmo, e seguirem em frente para o seu par perfeito, a simulação acaba sem sucesso. Agora, se eles têm uma afinidade tão grande que queiram se rebelar do sistema e fugir juntos, desafiando tudo que aquela realidade é para eles, aí sim, significa algo muito especial, um match. 

“Eu não quero quem quer que o sistema diga que é a escolhida, ok? Eu quero você.” “Eu quero você.”

E é para evitar viéses de amostragem ou qualquer outro tipo, que o sistema realiza 1000 dessas simulações completas para cada usuário, e ao final a quantidade de vezes que um par se rebelou determina sua porcentagem de afinidade.

 

Ao final, o grande diferencial do sistema não está em seu algoritmo, apesar de elegante. Está na capacidade de processamento e memória, por conseguir simular todas os usuários virtuais e suas várias cópias, em frações de segundos. As decisões são deixadas por conta do próprio usuário, ou melhor, de sua cópia. Afinal, quem melhor que ele mesmo para decidir com quem quer se relacionar?

Porém, no mundo real, os usuários não fizeram nada além de logar no aplicativo e esperar a resposta. Isso significa que estão deixando a tecnologia decidir por eles? Ou apenas se aproveitando de uma espécie de ‘vida extra’ graças aos avanços da tecnologia?