Já passou pela cabeça de todos nós, em algum momento, pensamentos do tipo:
Vale a pena ser altruista?
Vale a pena fazer a minha parte para tornar o mundo melhor?
Vale a pena dedicar meu tempo e recursos mesmo que sempre haja alguém que não o fará?
Será que alguém pensou nesse problema antes e chegou em uma conclusão?

Muitas pessoas de muitas áreas já pensaram sobre isso. Vamos ver um pouco do que há por trás desse dilema.

Recentemente eu estava no Uber e comecei a conversar com o motorista sobre como muitas ruas de São Paulo se enchiam de água facilmente mesmo com uma chuva fraca. É claro que críticas aos políticos foram feitas nesse nosso papo, mas eu tentei explicar a ele que os políticos não os únicos culpados por isso.

Se cada um de nós fosse mais cuidadoso com o seu próprio lixo, o problema diminuiria?

O Dilema do Prisioneiro

Há na Teoria dos Jogos um problema muito famoso chamado de Dilema do Prisioneiro (DP). Você já deve ter ouvido falar dele no Scicast #97, ou visto o nerdologia sobre este assunto. Vou explicar rapidamente como funciona o DP e como ele se aplica ao altruísmo, para então falar das estratégias.

Uma nave Vogon captura dois mochileiros das galáxias, Arthur e Ford, e os coloca em celas separadas para serem interrogados. Eles são acusados de sequestrar o presidente da galáxia. Os Vogon, muito burocráticos, não têm provas suficientes para condenar os dois com pena máxima, apenas com pena branda. Arthur e Ford, sozinhos em suas celas úmidas e sujas, são ofertados pelos Vogons com a opção de traição (ajudando a conseguir provas contra o outro) ou cooperação (permanecendo em silêncio). Eis a proposta :

  • Se Arthur e Ford optarem por trair, cada um ficará preso por dois anos.
  • Se Arthur trair e Ford cooperar, Arthur será solto e Ford ficará preso por 3 anos, ou vice-versa.
  • Se Arthur e Ford ficarem em silêncio, os dois ficarão presos por um anos.

Pense por uns instantes qual seria a melhor estratégia Arthur deve escolher, trair ou cooperar, eu espero…

Não te darei a resposta ainda, vamos primeiro inserir o altruísmo nesse problema modificando ele.

O Dilema do Lixo

Enquanto Arthur e Ford são interrogados, em algum canto da suja nave Vogon, duas espécies de roedores recentemente passaram a conviver em comunidade, digamos espécie A e B.

Esses roedores estão vivendo um dilema próprio, perceberam que o acúmulo de lixo pode trazer sérios problemas de saúde. Todos entenderam que, sempre que avistarem ou produzirem lixo, devem levar ao ponto de reciclagem da nave. Mesmo sabendo disso, algumas vezes eles não seguem esses comportamento pois têm preguiça e parece certo que outro roedor fará o serviço.

Se houver um padrão de comportamento (cooperação (C) e não-cooperação (N)) para cada uma das raças, podemos ter quatro combinações de ações:

  • A coopera e B também (C,C)
  • A coopera e B não (C,N)
  • A não coopera e B sim (N,C)
  • A não coopera e B também (N,N)

Podemos dizer que a preferência das duas raças (prA e prB) segue o padrão:

  • prA: (N,C) > (C,C) > (N,N) > (C,N)
  • prB: (C,N) > (C,C) > (N,N) > (N,C)

O que isso quer dizer?
Pensemos apenas na raça A. O cenário preferido é aquele em que A não coopera e B sim (N,C), pois o problema estaria resolvido e não exigira esforço de A. A segunda melhor situação seria aquela em que existe cooperação total (C,C), resolve o problema exigindo esforço e dedicação menores de cada raça. A terceira escolha seria o caso em que ninguém coopera (N,N). Esta parece ruim, mas não tanto quanto cooperar o ver o outro sem fazer nada (C,N).

Na reunião semanal dos A, eles discutem a melhor estratégia a ser tomada, C ou N. Eles optariam pelo máximo benefício social (C,C), mas, de acordo com a religião sagrada dos A, eles não podem negociar com os B. Cada raça deve optar por sua própria estratégia.

Para entender a solução vamos dar uma nota para as preferências de cada um:

Construído dessa forma, o nosso Dilema do Lixo é exatamente igual ao Dilema do Prisioneiro. Os valores desses números não importam, servem apenas para sabermos as preferências de cenário de cada raça. Entretanto, podemos pensar que eles representam o tempo de descanso de A e B em cada cenário, sendo que todos preferem descansar o máximo possível.

No caso (N,N) ninguém coopera e portanto o lixo fica espalhado por todo canto. Talvez eles descansem menos porque levam mais tempo para chegar em casa, já que o lixo acumulado tapa as saídas de água e causa enchentes…

Agora podemos resolver esses dois dilema. Como A não tem controle sobre a estratégia de B eles devem se preparar para os dois  casos: Se B escolhe C, A prefere N (5 é maior que 3); se B escolhe N, A prefere N (1 é maior que 0). A mesma racionalização vale para B…

Eu sei, você está chocado pois a melhor estratégia é não cooperar, não é? Infelizmente é isso mesmo. Dado esse dilema como foi proposto e com apenas essas duas estratégias, a melhor opção para as duas raças é não cooperar.

Calma, eu não quero dizer que você deve ter o mesmo comportamento dos roedores. O ideal social seria todos cooperarem e o ideal individual seria ninguém cooperar. Esse último é o Equilíbrio de Nash, você já deve ter ouvido falar.

O que eu faço agora?

As opções de estratégia foram muito limitadas, vamos adicionar algo mais. É claro que os roedores não escolheram sua estratégia uma vez e a seguirão para sempre. Sabiamente eles se reunem todos os dias e discutem as próximas estratégias. Assim, esse jogo entre A e B acontece todos os dias e em cada um eles podem optar por usar uma das duas estratégias, C ou N. Temos agora um jogo iterativo, ou jogo repetido. No fim somamos o tempo de descanso total de A e B para saber quem usou a melhor estratégia.

Você consegue pensar em algumas estratégias?

Em 1980 o pesquisador em Ciências Políticas, Robert Axelrod realizou uma espécie de torneio convidando pesquisadores a mandarem suas estratégias para o DP interativo. Ele publicou o resultados em 1984 no seu livro The Evolution of Cooperation. Vamos ver algumas das estratégias utilizadas mais simples de serem explicadas :

  • Random: foi a estratégia de simplesmente escolher entre C e N aleatoriamente.
  • Grudger: começa com C, se em algum dia a outra raça escolhe N, então passa a escolher N o restante do tempo.
  • Tit for tat: coopera no primeiro dia e a partir de então passa a escolher a estratégia que a outra raça escolheu no dia anterior.
  • Joss: coopera 90% das vezes que a outra raça coopera, caso contrário imita a Tit for tat.

Das 14 estratégias enviadas mais a aleatória, a vencedora foi a mais simples de todas, Tit for tat. Essa é também conhecida como retaliação e parece algo comum. Você se dispõe a colaborar já no início e, se observar que seu adversário no jogo está colaborando, você segue colaborando. Enquanto isso se mantem, o cenário ideal social permanece e todos serão felizes no final. Entretanto, se algum dia você observa que o adversário não colaborou, você passa uma mensagem a ele não colaborando também. Se ele voltar a cooperar, você faz o mesmo.

Anos mais tarde, em 1996, um segundo torneio foi realizado com diversas estratégias extras e novamente a Tit for tat foi a vencedora.

E o meu Dilema do Lixo?

Uma coisa que podemos aprender com a Tit for tat é que, se todos a utilizarem, a colaboração sempre será escolhida e o ideal social será mantido, sem lixo espalhado na nave Vogon.

Eu sei, eu sei. Quer dizer que, se você vir alguém jogando lixo na rua, deve se “vingar” fazendo o mesmo?

Claro que não, mas, se pensarmos um pouco, isso acontece muito. Todos já presenciaram alguma cena do tipo “Ah, se aquela pessoa fez isso eu também posso fazer. Não vou ser otário enquanto os outros saem ganhando”.

Uma diferença fundamental entre a caso real e o Dilema do Lixo é que nós podemos nos comunicar com outras pessoas buscando educação e conscientização. Nós podemos comunicar qual será a nossa estratégia antes de começar o jogo para que os outros sigam a mesma.

O Dilema do Prisioneiro trouxe uma compreensão imensa sobre várias situações do comportamento humano e de outros animais e é possível que ainda tenhamos muito mais a aprender.

Diante disso o que posso dizer é que não basta apenas culpar outras pessoas, ainda é melhor cada um fazer a sua parte seja jogando o lixo no lugar certo, não cometendo atos de corrupção, usando recursos moderadamente ou mesmo ajudando a educar as pessoas ao seu redor.