Em Fevereiro de 2025 passamos uma outra onda de calor que atingiu uma boa parte do Brasil com temperaturas de até 5ºC acima da média. 

2024 foi o ano mais quente da história. Já chegamos bem próximo aos 1,5ºC que o Acordo de Paris tentava evitar que chegássemos até 2100. Fez a conta aí? Sim, 75 anos até o fim do século. 

Nos primeiros 50 dias de 2025 já tivemos mortes causadas por enchentes na cidade de São Paulo. 

Ninguém que está prestando atenção no que está acontecendo no mundo tem dúvida que o mundo como a gente conhece tá acabando. 

Ao  mesmo tempo, coisas que me deixam confusa estão acontecendo. 

Várias empresas estão cancelando as agendas de meio ambiente que elas tinham planejado para os próximos anos. 

Estou com uma sensação que venho sentido há muito tempo. Estamos caminhando na direção contrária.

Estamos na contramão das ações que deveríamos estar tomando para tentar barrar os efeitos das mudanças climáticas. 

Retrocessos pelo Mundo

Recentemente a Cargill anunciou que está saindo do acordo da moratória da soja. A moratória da soja é um acordo de empresas exportadoras que comercializam soja vindas do Brasil, pelo qual não aceitam negociar soja proveniente de áreas desmatadas. Foi a moratória da soja que reduziu os números de desmatamento da Amazônia quando os índices eram altíssimos. 

A Cargill é a maior exportadora de soja do mundo. A partir de agora, a soja comercializada pode ser produzida em áreas de desmatamento da Amazônia. 

Seguindo a mesma onda, a Coca-Cola, maior poluidora por plásticos do mundo, anunciou que irá reduzir sua meta de 25% das garrafas de seu refrigerante serem provenientes de plásticos reciclados até 2030, o que aumenta o uso de plásticos de uso único.

As informações do compromisso de redução dos plásticos de uso único simplesmente sumiram do site da Coca-Cola, sem maiores explicações. 

No Brasil

Por aqui, a Petrobrás está aguardando a Licença Ambiental emitida pelo IBAMA para iniciar a exploração das bacias de petróleo na área da Margem Equatorial do Brasil. A Petrobrás pretende perfurar um poço em busca de petróleo a menos de 200 quilômetros do Oiapoque, no Amapá, na bacia da Foz do Rio Amazonas. 

Mapa da Região Equatorial com a Delimitação dos estados brasileiros que compõe a área e a localização dos poços de petróleo que a Petrobrás pretende instalar. Fonte Petrobras.

A área da Margem Equatorial se estende do Amapá até o Rio Grande do Norte, passando pelos estados do Pará, Maranhão, Piauí e Ceará. 

Segundo a ANP (Agência Nacional de Petróleo), em informação divulgada pela Petrobras, a expectativa com a perfuração desses poços é de encontrar na Margem Equatorial cerca de 30 bilhões de barris de petróleo (bbp).

Essa estimativa foi feita de acordo com a exploração de países vizinhos, como a Guiana Francesa, em áreas próximas. 

O governo da Guiana Francesa demonstrou extrema preocupação com a exploração das bacias de petróleo próximas às regiões de terras indígenas, cuja população vive da pesca e sentiria os efeitos de um possível acidente com vazamentos em torno de 48 horas após o acidente. 

Situação do Projeto

Para a emissão da Licença Ambiental, a Petrobras aguarda o parecer final do IBAMA. A questão se tornou política e envolve até cargos dentro do IBAMA e do Ministério do Meio Ambiente. 

O IBAMA considerou fracos os dados apresentados pela Petrobrás no Plano de Atendimento à Fauna da Foz do Amazonas em caso de vazamentos.

A Petrobrás,  no entanto, descreve as ações de segurança que serão adotadas no site, que contém as informações oficiais sobre o projeto. As ações de segurança propostas: 

Como garantimos a segurança da operação

  • Acompanhamento operacional 24 horas local (no poço) e remoto (na sede da Petrobras); 
  • Execução periódica de inspeções planejadas de sistemas e equipamentos;
  • Implementação de programas de manutenção preventiva e corretiva;
  • Capacitação técnica e realização de treinamentos;
  • Registro e investigação de acidentes;
  • Realização de vistorias e auditorias;

A sede da Petrobrás. que poderia fornecer atendimento de emergência em caso de vazamento de petróleo na foz do Rio Amazonas, está localizada há vários quilômetros de distância e o socorro demoraria dias para chegar por conta do acesso por via marítima. 

Risco Ambiental Área Sensível

A área é supersensível a absorção de petróleo e outros hidrocarbonetos por ser uma área de manguezais, de acordo com um estudo chamado “carta de sensibilidade ambiental a derramamento de óleo” que foi elaborado por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (IEPA) e concluído em 2016. 

A falta de dados foi apontada pelo IBAMA no parecer que foi feito a portas fechadas pelo corpo técnico do órgão, que ainda criticou a decisão da AGU que livrou a Petrobrás da complementação dos estudos realizados, incluindo o impacto em terras indígenas de Oiapoque. 

O governo federal está pressionando os técnicos do IBAMA para que a licença seja emitida para que as obras para exploração possam começar. 

A Petrobras pretende investir na transição energética os recursos financeiros que a exploração da Margem Equatorial podem gerar. Inclusive, em seu site está descrito: “…vamos aumentar o esforço em exploração e produção de novas fronteiras, como a Margem Equatorial, e trabalhar em novos projetos no pré-sal e re-exploração de bacias produtoras. Isso é importante porque o petróleo que será consumido em 2050 ainda precisa ser descoberto… o objetivo é ser uma empresa integrada de energia e liderar a jornada rumo à transição energética”. 

Contramão

Tudo muito bonito no papel, mas a única coisa que a gente não precisa nesse momento é de uma transição energética financiada com recursos da exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.

Para além de todos os riscos ambientais dessa exploração, apontados nos pareceres que vêm sendo elaborados pelos técnicos do IBAMA, há outros documentos que apontam as fragilidades da área em casos de vazamento de petróleo. 

Nesse momento a atividade de exploração de barris de petróleo deveria estar em desuso e as operações de extração sendo encerradas. 

Há especialistas que têm nos apontado por meio de diversos estudos que estamos na década decisiva se quisermos reverter os efeitos que as mudanças climáticas já causaram e tentar com que os 1,5°C até fim do século não sejam atingidos (talvez 2°C).

A transição energética não é mais suficiente e a gente precisa descarbonizar as nossas economias. 

Levantar recursos financeiros para uma transição energética para o Brasil através da exploração de combustíveis fósseis é uma contradição tremenda. O Brasil tem todas as condições de liderar um projeto de transição de energia para uma fonte de energia predominantemente limpa e não proveniente de recursos não renováveis. Não precisamos nesse momento de novas fontes de emissão de gases de efeito estufa. 

Década Decisiva

Acompanhando as decisões de outras grandes empresas pelo mundo, a Petrobrás demonstra que o Brasil não está preparado para uma transição energética eficiente e que realmente  pretende parar os efeitos das mudanças climáticas nos anos decisivos que teremos pela frente. 

O Brasil perdeu mais uma vez a oportunidade de se tornar pioneiro em questões ambientais. O soft power do Brasil nas questões ambientais está cada vez menor e iniciativas como essa enfraquecem a imagem e influência que o Brasil tem perante os outros países. 

É contraditório tentarmos barrar os efeitos do desmatamento na Amazônia e autorizar a exploração de petróleo na região.

O plano de ação do Brasil para a barrar os efeitos da mudança climática tem como ponto de partida uma estratégia ultrapassada e contraditória.

Estamos perdendo a chance de liderar as iniciativas que vão fazer a diferença nos próximos anos para o sucesso ao enfretamento às mudanças climáticas. Triste perdemos os anos decisivos com mais retrocessos.

Não perco a esperança em ações efetivas e que coloquem o Brasil no lugar de protagonismo, que nunca deveria ter sido largado.

Até a próxima!

Referências Bibliográficas

Imagem de Capa – There is no Planet B. (Não Existe Planeta B) Pexels. Disponível aqui 

Capitalismo Sem Máscara. Vídeo Youtube. Tempero Drag  17/02/2025. Disponível aqui

Tá tudo derretendo. Calma Urgente Podcast. 18/02/2025 Disponível aqui.

Onda de calor: onde estão as frentes frias e quais regiões podem ser afetadas por temporais?. G1. 20/02/2025. Disponível aqui

Margem Equatorial: Novas Fronteiras de Exploração. Disponível aqui.

Informações Técnicas Exploração Petróleo Margem Equatorial – Amapá Águas Profundas. Petrobrás. Disponível aqui

Dashbord com Estudos e Informações Projetos Ambientais FZA-M-59. Disponível aqui

Coca-Cola adia metas de reciclagem e redução de plásticos de uso único. Clima Info em 04/12/2024. Disponível aqui.

Cargill sinaliza saída da Moratória da Soja, pacto de proteção à Amazônia. Repórter Brasil. 10/02/2025. Disponível aqui. 

Foz do Amazonas é supersensível a combustíveis fósseis e a exploração carece de dados científicos, destacam especialistas. Clima Info. 15/07/2024. Disponível aqui

Plano da Petrobras de explorar petróleo na Foz do Amazonas preocupa a Guiana Francesa. WWF. 19/06/2023. Disponível aqui