Entre os profissionais e agentes de saúde (grupo ao qual pertenço) há uma palavra que não sai de nosso jargão técnico: qualidade. Na fiscalização sanitária, ela é entendida pelos responsáveis do estabelecimento como o melhor estado de evolução operacional, uma condição quase inatingível. Poucos entendem o sentido da qualidade como um processo. Mas afinal, o que é essa qualidade tão buscada?

No texto de hoje, eu gostaria de abordar um pouco mais sobre a “qualidade” pela perspectiva de um agente de saúde. Afinal, o que seria esse conceito? É algum processo em especial? É um conjunto de métricas arbitrárias? Como alcançar a tão almejada qualidade? Vamos ver isso hoje!

Na saúde, a qualidade é uma ideia bem abrangente. Para exemplificarmos, vamos utilizar apenas o seu conceito mais puro, utilizado pelo jargão profissional: qualidade técnico-científica, ou qualidade sanitária [1]. Ela refere-se à percepção interpessoal através do qual o cuidado é prestado. Diz-se que é o estado de harmonia interna de um sistema produtivo, pelo qual riscos, incertezas e custos ficam presos aos menores níveis.

No conjunto de atividades de vigilância sanitária, epidemiológica, de zoonoses ou afins, o sistema é entendido como toda a área de abrangência que aquela unidade inspeciona (município, estado ou distritos). Esses departamentos de saúde sempre devem utilizar de métricas para avaliar a qualidade geral dos sistemas em análise, que são as regiões de saúde.

A qualidade sanitária é um conceito dinâmico, dos quais seus principais referenciais mudam com o tempo e os aspectos culturais em exercício. A qualidade é buscada como uma necessidade de mercado e marketing em muitos setores. Em serviços de saúde ou atividades relacionadas (venda de alimentos, cosméticos, produtos de higiene e próteses) é esperado que mantenham certo nível de qualidade mínima, regulada pela vigilância sanitária. 

Em toda ação, duas qualidades são geradas: aquela do local inspecionado e do serviço de inspeção. As autoridades sanitárias necessitam manter ou maximizar essas qualidades em cada uma de suas ações, conforme os diversos códigos sanitários existentes. Neste texto, iremos trabalhar com exemplos destes dois pressupostos.

Para uma ação de saúde ser de qualidade, primeiro ela precisa ter cobertura, ou seja, os agentes necessitam inspecionar os locais em sua totalidade. Logo depois, as práticas de inspeção ou auditoria necessitam criar resultados válidos: serem eficazes. Dessa forma, elas poderão melhorar a realidade local dos usuários daquele sistema, sendo efetivas dessa forma.

A relação custo-benefício precisa ser otimizada, senão as ações acarretarão em malefícios e gastos desnecessários ao longo do tempo. A aceitabilidade também é um dos objetivos da qualidade, pois nenhuma ação conseguirá se manter com usuários insatisfeitos. Assim, alcança-se a legitimidade social quando a ação consegue ser acessível a todas as classes, credos, orientações sexuais, gêneros, idades e etnias. Todos esses conceitos fazem isso que entendemos por qualidade sanitária.

 

Imagem 1: Fiscais de vigilância sanitária de Maceió inspecionam ambulantes em evento cultural. A ação teve por base averiguar a efetividade da capacitação dos ambulantes em Boas Práticas [3]. Critérios como higiene, prazos de validade, armazenamento e refrigeração foram observados. Na figura, é possível notarmos três agentes dispostos em frente a uma banca de bebidas amarela. Na imagem, os mesmos usam coletes brancos com os escritos “Vigilância Sanitária” e “Fiscalização”. A banca de bebidas possui garrafas de diferentes cores, dois liquidificadores e outros itens. No lado direito, há uma banca vermelha de bebidas e uma mulher de frente e ela.

Para avaliar a qualidade sanitária, todavia, é necessário delimitarmos o foco de atuação dos órgãos de saúde. Na área da vigilância sanitária, sobretudo, o foco das ações é sobre atividades de fiscalização sobre a produção, comercialização e transporte de produtos, medicamentos e alimentos [2]. Apesar disso, o foco pode possuir dimensões mais complexas ainda.

Um alimento, por exemplo, pode ter sido feito seguindo rígidos protocolos sanitários e de Boas Práticas. Porém, o mesmo pode ser armazenado ou exposto de maneira inadequada. Dessa forma, toda a qualidade pode ser efetivamente perdida.

Em seguida, é necessário estipular qual o componente da qualidade será avaliado: técnico, dimensão interpessoal ou algum dos sete princípios já relacionados acima. Problemas com a estrutura necessitam ser levados em consideração, como recursos técnicos, base de dados atualizada ou veículos de transporte. Sem essa base estrutural, a qualidade ficará comprometida.

Para uma clínica psiquiátrica ou asilo, por exemplo, a dimensão interpessoal é um ótimo componente a ser avaliado. Já para um consultório médico, a estrutura e a base de dados (de fichas, prontuários e agravos à saúde) é primordial, bem como serviços de dados epidemiológicos.

Em seguida, critérios precisam ser desenvolvidos. Com eles, somos capazes de avaliar os aspectos da estrutura, dos processos e dos resultados das ações sanitárias. Muitos processos de avaliação utilizam por base condições traçadoras, que são aquelas que informam cuidado aos demais agravos. Ciclo epidemiológico conhecido, prevalência alta de doenças ou diagnóstico fácil são conhecidos traçadores em saúde.

Para enriquecer ainda mais, podem-se utilizar eventos-sentinela para avaliar a falta de qualidade. Esses eventos ocorrem quando há ausência ou falência da qualidade em alguma atividade específica, indicando falhas na avaliação ou documentação.

Em vigilância sanitária, há condições traçadoras com controle de conservação de carnes, prazo de validade de enlatados, capacidade máxima de empilhamento de laticínios e qualidade da água. Há também eventos-sentinela quando ocorre a morte de alguém por uso de medicamento, uma vez que indica falha na cadeia de controle.

 

Imagem 2: Reportagem do Estado de Minas informa que o principal motivo de intoxicação alimentar, segundo OMS, é a manipulação inadequada, bem como a limpeza por água contaminada [4]. Na fotografia, é possível observar quatro folhas de alface sendo lavadas por água corrente, despejada em uma panela que contém tais folhas.

Fazer essa avaliação é uma etapa importante para conseguirmos alcançar a qualidade de atuação em saúde. Dessa forma, entraremos na etapa de monitoramento da qualidade. Assim, cria-se um estado de vigilância constante para que os serviços consigam estar mais sintonizados com as necessidades básicas da população. Não importa se são serviços de saúde privados, de farmácias, alimentos ou do SUS.

Dessa forma, temos todos os pressupostos básicos para criar a consciência sanitária na população. Este conceito reafirma a visibilidade das camadas populares no quesito vida, criando uma ideia de saúde ampliada e coletiva [5]. Baseado na construção social da saúde, espera-se assim a inclusão de demandas públicas e ações intersetoriais dos mais variados agentes coletivos:comunidade, profissionais, médicos, cozinheiros e gestores.

Para você, a consciência sanitária é algo importante? Consegue imaginar a importância da qualidade sanitária em sua vida? Espero que tenhamos uma vida cheia de consciência sanitária! Não deixe de comentar sua experiência e até a próxima!

 

Referências
[1]: FADEL, Marianella Aguilar Ventura; REGIS FILHO, Gilsée Ivan. Percepção da qualidade em serviços públicos de saúde: um estudo de caso. Revista de Administração Pública, v. 43, p. 7-22, 2009.
[2]: COSTA, Ediná Alves. Vigilância Sanitária: temas para debate. Editora EDUFBA, vol. 1. p. 237. Salvador, 2009.
[3]: FERREIRA, Marília. Vigilância Sanitária fiscaliza ambulantes para garantir qualidade de alimentos e bebidas. Portal Prefeitura de Maceió, 29 mai. 2023. Disponível aqui.
[4]: MINAS, Estado de. Uma em cada 10 pessoas adoecem por ingerir alimentos contaminados. Portal Estado de Minas, 03 nov. 2022. Disponível aqui.
[5]: DE MORAES, Marielly; DA SILVA, Quelen Tanize Alves; JARDIM, Luciane. O despertar da consciência sanitária para a participação social: uma experiência com um grupo de jovens. Saúde em Debate, v. 34, n. 84, p. 78-86, 2010.
Imagem em destaque: SCOTT, Carisa. Restaurant Report Card: Behind the scenes with a health inspector. Fox 31, 26 out. 2017. Disponível aqui.