Quando estudamos Literatura norte-americana, usualmente começamos com o colonialismo, período literário em que os autores (em sua quase totalidade homens brancos ricos, muitos em posição de poder político) descreviam a vida nas colônias, a importância da religião, as experiências nas lavouras, e como se esperava que os indivíduos se comportassem, trazendo assim textos de cunho moral bastante opressores. Falo mais detalhadamente sobre esse movimento literário dos primórdios da história dos Estados Unidos aqui.

Logo após esse período da literatura colonial (1607-1764), estudamos o que comumente se denomina Renascimento Americano, mais conhecido como Romantismo (1790-1855). Nesse momento da história algumas barreiras foram rompidas, outras ainda não. De qualquer forma, dentro de uma perspectiva de maior liberdade criativa se comparado ao colonialismo, pudemos observar que a literatura se fez menos utilitarista. Autores inseridos nesse movimento literário puderam escrever sobre sonhos, pesadelos, medos, amores e ódios. Para os olhos dos colonialistas que praticamente só escreviam sobre lavouras e religião, essas temáticas do Romantismo seriam vistas como completamente transgressoras.

E aqui um dos escritores mais notórios é o gênio Edgar Alan Poe (1809-1845). Sua habilidade de conseguir prender o leitor de forma única em seus enredos com ares de pesadelo é elogiada até hoje. Poe é um dos maiores representantes do Romantismo na Literatura norte-americana. Ele sonhou em viver da escrita, e se dedicou com afinco à sua caneta tinteiro; se debruçou em papeis, ideias e histórias. Como nem tudo nessa vida é justo, Poe foi pobre a vida inteira; mas deixou contos e poemas que certamente marcaram (e ainda marcam) a literatura mundial. Ele traz temáticas como a idealização da mulher e a romantização da morte, bastante características do Romantismo, que podem ser analisadas no poema The Raven (O corvo, em português). Aqui, a célebre tradução de Fernando Pessoa

Poe inaugurou o gótico e escreveu inúmeros contos de terror e histórias de detetive. Impossível discorrer sobre todas aqui, mas algumas merecem destaque. The Fall of the house of Usher, em Português, A queda da casa de Usher, é um conto sobre uma mansão isolada, em que algum tipo de maldição acaba levando todos os membros da família Usher à loucura. Uma série de eventos bizarros acontecem com quem visita a mansão, tornando-se quase impossível sair de lá. Lembra alguma coisa? Dá para pensar em diversos filmes e séries com essa temática. Mais recentemente assisti A maldição da residência Hill na Netflix, que muito se relaciona ao conto de Poe.

Não posso deixar de mencionar o conto Assassinatos na Rua Morgue, também de Poe, considerado por muitos críticos literários a grande inauguração do romance policial. Nesta icônica publicação de 1841, o brilhante detetive Dupin é o único que consegue desvendar os mistérios de dois assassinatos que ocorreram na Rua Morgue. Poe escreveu três contos com o C. Auguste Dupin, precursor do famoso Sherlock Holmes, mas muito menos conhecido que o seu sucessor. Para quem se interessar, é interessante ler os contos mais difundidos do Poe para se ter uma ideia melhor do que sua obra representa. Você encontra esse compilado como Contos extraordinários ou Histórias extraordinárias.

Bom, já que ele já entrou em cena, é imprescindível discorrer sobre o escocês Arthur Conan Doyle (1859-1930), que deu vida à chamada Literatura criminal. O investigador mais famoso da Literatura mundial, que até mesmo nos memes atuais se faz presente e marcante (“ora ora parece que temos um Xeroque Rolmes aqui“) teve sua primeira aparição em 1887 e a última em 1927, quase cem anos atrás, em nada mais nada menos que quatro romances e cinquenta e seis contos. O dono do bordão Elementar meu caro Watson” que usava a lógica dedutiva para resolver os crimes ficou tão, mas tão famoso, que muitos chegaram a cogitar que ele não era um personagem de ficção, mas sim uma pessoa real. Os boatos não foram confirmados, e Sherlock continuou aumentando sua popularidade pelo globo. Cinco séries televisivas e seis filmes foram lançados em datas diferentes inspirados nele, com destaque para a série Sherlock (2010-2017), com Benedict Cumberbatch como protagonista.

Quando se fala do gênero literário romance policial, não há autor ou autora mais profícuo que a Dama do crime Agatha Christie (1890-1976). Ela publicou noventa e três livros, apenas. E ainda escreveu dezessete peças teatrais. Isso que é produtividade minha gente! Sua extensa produção literária se deve a uma série de fatores. Em primeiro lugar, sabemos que ela nasceu em uma família abastada, que lhe deu condições de estudar e todo o suporte para se dedicar ao seu grande talento que era a escrita. Ser uma mulher escritora no início do século XX certamente foi desafiador, mas mesmo assim ela manteve-se firme em seu caminho. Inclusive, uma de suas personagens mais famosas é a Miss Marple. Todos conhecem o Hercule Poirot, detetive que apareceu em trinta e três de suas obras, fato; mas comumente se esquece de mencionar a astuta senhora Marple, aspirante a detetive inspirada na avó de Agatha, que aparece em doze de seus livros.

É difícil indicar apenas um livro para quem quer conhecer melhor a Dona do crime, mas podemos dizer que O assassinato de Roger Ackroyd, de 1926, foi sua primeira produção literária reconhecida mundialmente. O milionário Ackroyd é encontrado morto em sua mansão, e a senhora Sheppard juntamente ao célebre Poirot iniciam uma investigação detalhada. Essa história virou peça de teatro e depois filme, e o mesmo aconteceu com muitas outras criações literárias de Christie.

No cenário francês temos o especialista em disfarces Arsène Lupin, personagem memorável do autor Maurice Leblanc (1864-1941). O ladrão que de aventura em aventura se torna detetive foi destaque em dezoito romances situados na França da Belle Époque. Existem inúmeras adaptações das histórias de Lupin, em vários formatos e países, chegando até mesmo aos mangás japoneses.

Já no cenário brasileiro, é importante ressaltar o cronista Rubem Braga (1913-1990). Ele realmente se dedicou com intensidade às crônicas, dentro do gênero romance policial, mas também publicava críticas sociais ácidas e certeiras. Seu primeiro livro, O conde e o passarinho (1936) é também considerado um de seus principais, dentre outras nove publicações.

Bom, seria impossível cobrir todos os expoentes da Literatura criminal, já que o romance policial é um gênero incrivelmente vasto e frutífero. A Literatura, assim como o cinema, o teatro e até mesmo as séries televisivas, nos apontam uma necessidade humana; de se contar histórias e se deleitar com elas. Quando há um mistério, um suspense, um crime aparentemente impossível de se desvendar, nossa curiosidade se aguça, e ficamos presos às páginas (ou às telas), imersos numa ficção que muito tem de realidade.