Olá pessoal. Para quem não me conhece direito, meu nome é Lênin Machado Lopes, sou de Guarapari (ES) e atualmente tenho 25 anos. Eu e um grupo de colegas aqui do portal decidimos contar um pouco sobre nossas profissões e de que forma a ciência está envolvida no nosso cotidiano. Bem vindos à nossa semana temática profissional!

Essa ideia surgiu para sanar a dúvida de alguns leitores sobre o estágio de áreas de estudo científico nas profissões brasileiras. Ademais, o objetivo é ajudar o leitor indeciso a ter mais noção se deve procurar atividades profissionais no setor privado, no público ou na academia. Bom, espero que meu texto aqui seja explicativo o suficiente sobre minhas opções de estudo e atuação.

Sempre fui uma pessoa bastante prática, queria ter um trabalho mais técnico e que envolvesse contato humano e atividades de campo. Esse fato sempre me deixou desconfortável na escolha de uma profissão, porque sabia que não há tantos trabalhos em que exista esse elemento singular no dia-a-dia profissional. Nesse ponto, eu não conhecia a ciência como conheço hoje. Mas essa situação estava prestes a mudar…

No auge dos meus 14 anos, eu havia passado para fazer o ensino médio integrado no Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) de Piúma. Eu ainda morava nesta cidade-ilha na época. O curso técnico integrado que eu e meus pais escolhemos foi Aquicultura. A criação de peixes e outros organismos aquáticos me ajudaram muito a direcionar meu potencial às pesquisas e o pensamento científico. Sempre serei grato pela instituição por ter aberto meus olhos a conhecimentos que eu nunca sequer tinha ouvido falar.

Nessa instituição, tive meu primeiro contato com atividades de laboratório e posteriormente entrei para um grupo de pesquisa em processamento de pescado. Já naquela época consegui perceber que eu não era muito bom com práticas laboratoriais, mas em compensação era interessado nas pesquisas que envolviam seres humanos, como testes de novas receitas e segurança de alimentos.

Por ter gostado mais dessas partes, decidi depois de algum tempo que deveria fazer graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos em 2017. O início do curso em si foi maravilhoso, apesar de o curso ser do outro lado do estado. Minha cabeça jovem-adulta havia se expandido de uma maneira nunca antes vista e pude entrar em contato com conhecimentos que eu pouco havia conhecido, como: química orgânica, bioquímica, microbiologia, conservação de alimentos e outras inúmeras maravilhosas áreas de estudo. Até mesmo havia conhecido um podcast que fazia a ciência ficar mais divertida naquela época! Meus dois primeiros semestres foram o auge da graduação.

Porém, sempre quando estamos no auge, inevitavelmente uma hora a queda irá chegar…

 

Os percalços de 2018

 

O curso estava em andamento e eu me sentia perdido por não ter me apegado a nenhuma área de pesquisa ou extensão, diferente de outros alunos. Aquilo estava me deixando apreensivo, pois eu não sentia que havia futuro na área de alimentos. Minha coordenadora havia falado abertamente sobre abandonar o curso quando eu disse minha apreensão, porém não saí do curso naquela hora de cabeça cheia.

Fui à praia de minha cidade natal para meditar sobre os problemas. Acabei lendo uma notícia local sobre um esquema recém descoberto de venda de mexilhões contaminados. Os bravos profissionais que lidaram com o levantamento de informações no caso foram os da vigilância sanitária. Fiquei muito interessado no ocorrido e li mais a respeito dessa profissão.

Estudei muito e acabei fazendo um curso de extensão sobre o tema. Decidi ir um pouco mais longe e eu e meus pais buscamos saber como faria para atuar como estagiário da VISA (Vigilância Sanitária). Aquele momento inaugurou um caminho tremendamente novo em minha mente. Recebi uma carta da prefeita enaltecendo minha vontade e aquilo acendeu uma possibilidade que eu não havia pensado.

 

Imagem 1: Agente fiscal VISA realizando mutirão de educação sanitária no verão de Piúma em 2020. O profissional é responsável pela eliminação de riscos à saúde presente nas relações de consumo. Na figura, temos o agente notificando uma senhora que se encontra atrás de balcão de um quiosque de praia.

 

O ano que se seguiu — de junho de 2018 até novembro de 2019 — foi de intensas batalhas no campo burocrático. Os funcionários comissionados da prefeitura que estavam ao meu auxílio acabaram perdendo o cargo, então tive que ir muitas vezes ao gabinete do prefeito resolver pendências documentais. Do lado IFES, a situação também não estava nem um pouco boa.

O Instituto de Venda Nova era muito burocrático quando um aluno buscava um estágio fora dos grupos que a direção indicava. Muitas vezes tive que resolver questões documentais com o IFES e inclusive fui aconselhado pelo funcionário a desistir daquela profissão, Afinal, segundo ele, eu não iria perder nada.

Cada novo documento que eles pediam era pelo menos uma viagem de duas horas e meia para chegar à minha cidade, passar o dia todo no gabinete para conseguir alterar algo e depois retornar mais duas horas e meia. Muitas vezes perdi aula e a secretaria do instituto fazia pouco caso do contexto em que eu vivia. Até mesmo tive que tirar do meu bolso um seguro de vida para conseguir liberar meu estágio. Enquanto isso, outros alunos até trabalhavam no campo sem nenhum dos direitos que tive que conquistar.

Para ser sincero, existiam professores que me apoiaram durante esse período conturbado. O destaque maior pode ser dado para a professora Flávia, minha orientadora de estágio que estava sempre disposta a ajudar nessa questão documental. Ela até desenvolveu um trabalho intensivo de inspeção sanitária no contexto da matéria de gestão da qualidade no estabelecimento alimentício do IFES.

Aquela foi minha primeira inspeção. Nela, nós, alunos, montamos com a professora um minicurso e desenvolvemos nosso próprio manual de boas práticas.

 

Imagem 2: Os salgados encontrados em condições higiênicas precárias de conservação na minha primeira inspeção sanitária. O auxílio da professora me deu base para atuar durante meu estágio obrigatório na VISA. Na imagem: salgados como esfirra, joelho e empada mantidos amontoados dentro de uma tigela.

 

O estágio

 

Mesmo com todos esses percalços, consegui finalmente entrar na vigilância sanitária em dezembro de 2019! Estive tão animado naquela época que rapidamente me deslumbrei com o dia a dia do profissional. Durante aquele tempo eu havia estudado muito sobre saúde coletiva e estava com uma ânsia de escrever todas aquelas experiências. Naquele mesmo mês iniciei como redator de um grupo que fazia a ciência ficar mais divertida. Acho que vocês devem conhecer.

Foram meses maravilhosos em que fiquei ao lado de profissionais muito educados e pedagógicos. Aprendi bastante sobre a profissão e pude conhecer mais sobre o cotidiano da profissão. Realizei minha primeira interdição sanitária já naquela época, aprendendo mais sobre o caráter da bioética de intervenção que essa profissão preconiza.

 

Imagem 3: Cartaz anuncia farmácia interditada por venda de antibióticos sem a presença de profissional farmacêutico. Mais do que restaurantes e lanchonetes, a vigilância cuida da biossegurança de estabelecimentos como farmácias, hospitais, cosméticos, serviços e produtos, em diversas áreas como saúde, transportes, indústrias e insumos farmacêuticos.

 

O estágio acabou repentinamente em 2020 quando a pandemia de Covid-19 estava chegando ao Brasil. Com os anos finais do curso, passei a pandemia dentro de minha casa fazendo cursos e sem nenhuma perspectiva de trabalho. Porém, em outubro, apareceu um edital para efetivar novos agentes para Guarapari. Apeguei-me com afinco a esta oportunidade e, hoje em dia, tenho orgulho de ter passado em primeiro lugar nesse concurso! Além de aperfeiçoado, hoje sou concursado como agente de vigilância sanitária numa cidade maior. Por isso acho que posso ajudar alguns leitores sobre a vigilância em saúde e áreas afins.

 

Como é o perfil profissional de um agente de vigilância sanitária?

 

Para atuar como agente VISA acho necessário o interessado possuir certo conjunto de habilidades. Em um primeiro momento, ele deve ser atento às relações econômicas e culturais de sua realidade. É muito importante para aprofundar na classificação de riscos do município e conhecer figuras reincidentes em práticas danosas à saúde. Ter esse olhar cultural e logístico irá poupar muito trabalho.

Depois, o profissional deve saber ensinar e lidar com seres humanos. Por vezes temos de lidar com pessoas que não sabem das práticas danosas da maneira com que ele realiza seus serviços. Por vezes elas negligenciam certos aspectos porque patrões assim as obrigam. Observar o lado social do profissional civil é bem importante para que as normas e multas sejam proporcionais à realidade de cada pessoa.

Em terceiro, mas não menos importante, está o conhecimento que o profissional precisa desenvolver. Saúde coletiva, epidemiologia, bioquímica, microbiologia, farmacocinética, farmacovigilância, legislação sanitária e bioética são conhecimentos ditos essenciais a um bom profissional. Como eu havia pensado ao realizar meu concurso, você não precisa ser farmacêutico ou veterinário para pontuar bem numa prova da VISA. Basta ter a teoria dessas áreas de estudos bem estabelecidas na mente. Acima de tudo, ser uma pessoa higiênica e observadora é essencial para se destacar na rotina de inspetor!

Com isso, finalizo esse texto sobre minha profissão. Espero ter ajudado alguém ao mostrar minha vivência na área. Apesar de não ter sido minha escolha inicial quando mais novo, hoje me sinto bem representado e não escolho outra coisa por nada!

Alguma dúvida sobre o texto? Críticas, sugestões e comentários são sempre bem vindos. Obrigado e até breve!

 

Referências
[Foto de capa]: LOURENÇO, Iara. Agentes da vigilância sanitária de Goiás terão colete e documento de identificação. Secretaria de Estado de Saúde, Governo do estado de Goiás. 04 ago. 2022. Disponível aqui.