Ao longo de 2019 nós conversamos bastante sobre solo, do que ele é feito, como ele funciona, para que serve, mas será que você é capaz de imaginar quanta vida existe nele?

Voltando ao que foi comentado em vários textos atrás, o solo é um complexo formado pela interação entre suas partículas e os espaços entre elas, que podem estar preenchidos por água ou ar. Esses espaços podem ser ocupados por organismos de tamanhos diversos, desde raízes de plantas, passando por minhocas, insetos, protozoários, fungos, bactérias e outros mais. Os mais abundantes são os microrganismos, aqueles seres que a gente não enxerga a olho nu, mas que estão presentes em quase todos os ambientes do nosso planeta.

Você sabia que, numa camada bem superficial de solo (os primeiros dez centímetros de profundidade), podem existir mais de dez mil espécies de microrganismos em apenas um grama de solo? Você consegue ter uma noção disso? Para facilitar, imagine que sachês de açúcar, aqueles de restaurante, costumam ter cinco gramas de açúcar. Agora, com base nesse sachê, tente imaginar o que seria um grama de solo. Em seguida tente colocar dez mil espécies de microrganismos nesse mísero um graminha. Difícil, né?

Essa comunidade gigante é chamada de microbiota e, como você pode perceber, ela é muito diversa. Tão diversa que existem muitos microrganismos que até hoje nem foram descobertos e estão lá no solo vivendo suas vidinhas microscópicas. Essa diversidade permite que os papeis desempenhados por esses organismos também sejam bastante variados.

A parte mais cheia de microrganismos é aquela que fica ao redor da raiz, também chamada de rizosfera. Isso acontece porque as raízes das plantas estão constantemente liberando substâncias que podem servir de alimentos para esses organismos. Além disso, alguns microrganismos gostam de se associar com as plantas, fazendo uma espécie de troca. A planta fornece abrigo e alimento em troca de alguma vantagem que esse microrganismo possa proporcionar para a planta (você lembra das relações de simbiose que aprendeu na escola? Elas acontecem bastante no solo). Essas vantagens variam desde fornecimento de nutrientes, até proteção contra patógenos (organismos que causam doenças). Mas eu vou explicar isso de maneira mais detalhada mais pra frente. Por hora, vamos comentar sobre as principais funções desses organismos.

A função mais comum dos microrganismos do solo é a decomposição da matéria orgânica. Já bastante comentada nos textos sobre química do solo, a matéria orgânica é muito importante tanto para o fornecimento quanto para a retenção de nutrientes no solo quando está na forma de húmus. O húmus é formado a partir da decomposição de vegetais, animais e até mesmo microrganismos mortos. Além de fungos e bactérias, outro ser vivo extremamente importante para a formação do húmus são as minhocas, afinal elas também se alimentam da matéria orgânica e a digerem. Tem um pouquinho mais sobre os organismos decompositores no Scicast #297, sobre Biodegradação.

Outro papel muito importante desempenhado pelos microrganismos tem a ver com as substâncias que eles liberam, papel esse que as raízes das plantas também desempenham. Essas substâncias podem servir como uma colinha para as partículas ao seu redor, ajudando na formação dos agregados, aquelas estruturas essenciais que eu comentei quando falei sobre física do solo que, por sua vez, propiciam a existência de poros. Os fungos ainda contribuem de outra maneira, porque, assim como as próprias raízes das plantas, podem abraçar diversas partículas com suas hifas e mantê-las juntinhas, facilitando a formação desses agregados.

Figura 1: Agregado formado por partículas de solo e húmus (quadro à direita) envolvendo partículas maiores e restos de matéria orgânica em decomposição (quadro do meio) que são unidas por hifas de fungos, raízes de plantas e substâncias liberadas por ambos e que servem como agente cimentante (quadro à esquerda). Fonte

E já que falamos sobre física, que tal voltarmos para a química do solo também? Afinal, o metabolismo dos organismos influencia no tipo e quantidade de gases dissolvidos no solo, o que vai afetar diretamente seu pH. Quanto mais seres respirando, consumindo oxigênio e liberando gás carbônico, mais ácido é um solo. Além dos gases, boa parte das substâncias liberadas pelas plantas e microrganismos em geral são ácidos orgânicos, o que também vai, obviamente, impactar no pH do solo (e aí temos todo o processo de intemperismo que isso gera, com minerais sendo destruídos e novos sendo formados, lembra?). E é por isso que, em regiões onde há condições mais favoráveis para que a vida se prolifere, o intemperismo é mais intenso.

Bom, mas não é só para a formação e manutenção de propriedades físicas e químicas do solo que esse tanto de microrganismo serve. Um solo que está em equilíbrio biológico é aquele que possui uma comunidade diversa e em equilíbrio com seu ambiente. Isso é muito importante porque permite que haja menores efeitos da interferência de fatores externos e uma recuperação melhor em momentos de estresse. Dentro dessa comunidade diversa, podemos encontrar microrganismos que degradam poluentes, por exemplo.

Além disso, existem vários fungos e bactérias conhecidos por sua importância agronômica. Como eu comentei no início do texto, alguns microrganismos disponibilizam nutrientes para as plantas em troca de abrigo ou algum tipo de alimento. As Bactérias Promotoras de Crescimento de Plantas (BPCPs) são um exemplo, elas podem solubilizar e disponibilizar nutrientes no solo ou produzir hormônios que aceleram o crescimento das plantas. Outro exemplo são os fungos que predam e se alimentam de nematoides, que são parasitas de plantas capazes de gerar bastante prejuízo nas plantações.

Figura 2: Fungo capturando um nematoide. As estruturas circulares são as hifas do fungo imobilizando o parasita para poder se alimentar dele. Fonte

Um tipo de microrganismo muito legal e que merece um parágrafo só para ele é o fungo micorrízico. Esse fungo se associa à raiz da planta e atua como uma extensão radicular para ela, ou seja, é um fungo que sai de dentro da raiz e se estende pelo solo, permitindo que a planta alcance água e nutrientes mais distantes, além de funcionar como o telefone das árvores. Você já ouviu falar que as árvores se comunicam? Pois é verdade, elas transmitem muita informação através da liberação de substâncias pelas suas raízes, sendo a micorriza, essa extensão radicular, uma maneira das raízes de todas as árvores da região entrarem em contato umas com as outras, permitindo que as árvores “conversem” através de uma espécie de rede. As informações passadas podem ser a presença de um parasita ou de um contaminante novo na área, por exemplo, o que permite que as plantas ainda não afetadas possam ativar seus sistemas de defesa antes mesmo de terem contato com o organismo ou substância nociva. Lindo, não é?

Figura 3: Raízes de plantas interligadas pela rede micorrízica. Através dessa rede, as plantas compartilham nutrientes e informações a partir da liberação de sinais químicos. Fonte

Então, resumindo, além de aerar o solo e decompor a matéria orgânica, liberando substâncias diversas no caminho, os organismos do solo ainda auxiliam diretamente no desenvolvimento dos vegetais e podem ajudar a protege-los de pragas! E, com certeza, muito mais ainda pode ser descoberto. Estudar o solo e as relações entre as três áreas, física, química e biologia, é de suma importância, visto que uma está completamente ligada com a outra, e, sem dúvida, permitirá que continuemos explorando o solo de maneira sustentável.