Todas as pessoas de minha convivência, ao saber de minha formação como Fisioterapeuta, sempre vem aquela frase “ei, poderia fazer uma massagem aqui, ó? To com uma dor esses dias”, apontando para região do pescoço ou costas. Caso não seja decorrente de uma patologia mais séria (ex: tendinite ou hérnia de disco), essas dores localizadas vão ser devidas a pequenos “nós” que encontramos nos músculos, chamados Trigger Points ou pontos gatilhos.

No texto de hoje vou comentar sobre músculos, o que são esses tais pontos gatilhos, a relação deles ao stress e como fazemos para combatê-los. 

Músculos e movimento

Antes de entrar no tema geral do texto é importante uma leve revisão sobre o que são músculos e o sistema muscular.

Músculo pode ser definido como um órgão que é formado por fibras, que tem a função de contração e alongamento. O sistema muscular por sua vez tem a finalidade do movimento, a sustentação, alteração de diâmetro dos tubos do corpo, produção de calor, entre outras. O movimento gerado pelo músculo varia conforme a sua localização, por exemplo o músculo bíceps braquial ao se contrair realiza uma flexão de cotovelo.  

Os músculos se dividem em três categorias:  

Cardíacos: encontrados exclusivamente no coração, possuem contrações involuntárias. De forma simples eles são responsável pelas batidas do coração.

Lisos: também de contração involuntária, encontram-se principalmente em órgãos ocos como traqueia, estômago, trato intestinal, bexiga e vasos sanguíneos. Têm como função comprimir o conteúdo dessas cavidades fazendo a digestão, aumento da pressão sanguínea, entre outras atividades. 

Estriados Esqueléticos: de contração voluntária, eles cobrem todo o sistema esquelético. Presentes em todo o corpo, são responsáveis por 40 a 45% do nosso peso corporal. Todos os movimentos que realizamos voluntariamente são por meio desses músculos, desde pequenos movimentos pequenos como escrever, até maiores como caminhar.

Para que os músculos esqueléticos se contraiam, é necessário um comando do sistema nervoso central. Vamos pensar em um movimento simples como pentear o cabelo, para realizar esse movimento:

  1. você pensa no movimento;
  2. o sistema nervoso central leva essa informação até o neurônio motor dos músculos que serão utilizados;
  3. o neurônio gera um estímulos para que o músculo se contrair;
  4. se tudo estiver funcionando em perfeita ordem em seu corpo, o movimento é realizado. No caso do exemplo de pentear o cabelo os movimentos realizados são: contração dos flexores dos dedos, flexão de cotovelo, rotação interna e flexão de ombro.

Para que ocorra a contração de um músculo é necessário, além da energia (ATP), o comando do sistema nervoso central e uma parte interna do músculo chamado sarcômero. Ele é formado por dois filamentos de actina e miosina. Quando ambos se encontram, ocorre a contração muscular (como mostra a figura abaixo). Qualquer movimento simples como levantar a mão, envolve inúmeros sarcômeros. 

Para que um músculo se contraia, e necessário que o oposto a ele se alongue. Um exemplo  prático: para ocorrer uma flexão de cotovelo o músculo bíceps braquial se contrai e o oposto a ele, o tríceps braquial, se alonga (alongar = relaxar). Tal fenômeno é chamado de músculo agonista (bíceps braquial) e antagonista (tríceps braquial). 

Aqui vale ressaltar que algumas patologias neurológicas atuam  justamente em uma das fases de movimento. Exemplo do Parkinson, o paciente consegue imaginar o movimento, o sistema nervoso leva a informação, porém não consegue realiza-lá como esperado, devido ao que chamamos de bradicinesia – uma lentificação de movimentos voluntários.    

Os músculo estriado esquelético também se subdividem em mais dois:

  • Os de contração rápida (fibras brancas): eles têm uma contração mais forte, porém se cansam mais rápido pela pouca quantidade de oxigênio presente. São usados para movimentos velozes por um curto período. Sabe o Usain Bolt velocista de 200m? Os músculos trabalhados nesse esporte são os de fibras brancas.    
  • Os de contração lenta (fibras vermelhas): são a maioria no nosso corpo. Eles possuem uma maior concentração de oxigênio, portanto são mais resistentes à fadiga. Quando malhamos, os músculos de fibra vermelha são os que estamos trabalhando.

Pontos Gatilhos

Pontos Gatilhos podem ser definidos como: ponto localizado de alta irritabilidade na forma de nódulo, em uma área rígida de um músculo estriado esquelético, sensível a palpação.

Os pontos gatilhos são de tamanho variado desde pequeno como um grão de feijão ou grandes que podem ser vistos na superfície do corpo.

Grande parte dos pontos gatilhos é encontrada nos músculos estriados esqueléticos, fibras vermelhas na área da fáscia muscular (camada que reveste o músculo a nível superficial e profundo) onde encontra-se o sarcômero.

Os pontos gatilhos se desenvolvem onde o sarcômero encontra-se ativo. Na contração muscular, actina e miosina se encontram e no relaxamento se separam. Na formação dos pontos um dos filamentos de actina/miosina não se separam, ou seja, o músculo continua contraindo mesmo após o comando de relaxamento. Apesar de não saber ao certo o que leva esse fenômeno, a teoria mais aceitável é que sejam vários fatores como: 

  • Produção elevada de acetilcolina;
  • Alterações no metabolismo;
  • Hipertensão;
  • Hiperestimulação neurológica;
  • Erros na postura;
  • Estresse. 

O corpo observa tal fenômeno e tenta resolver alterando a circulação sanguínea na região, havendo assim uma migração de células inflamatórias crônicas e agudas, tornando a área sensível ao toque. O sistema nervoso central observa que o músculo está contraído e manda um sinal para que ele se mantenha em repouso levando assim a fraqueza muscular na região.

Um exemplo prático: Trabalho durante 8 horas por dia, desse tempo, a maior parte sentado e no computador. Como o local onde fico não está alterado ergonomicamente a minha pessoa, para visualizar melhor a tela do computador realizo um pequena flexão de pescoço. Tal flexão é mantida por quase todo período de trabalho, consequentemente a um médio prazo essa área fica tensionada, apresentando dores e provavelmente pontos gatilhos na região do pescoço.

 

Por estar com os músculo flexores do pescoço (escalenos e esternocleidomastoideo) com essa alteração (lembra que no texto falei que, para um músculo se contrair, o oposto tem que relaxar?), o extensores do pescoço também irão ficar doloridos pois o relaxamento de um músculo durante um médio prazo também gera tensão. Então na região occipital (final da cabeça e início da coluna vertebral) também encontraremos pontos gatilhos. E ainda têm mais, o corpo funciona com um todo, problemas na região cervical provavelmente serão origem de outros problemas no decorrer da coluna vertebral. Sabe aquela tão dita dor na lombar? 

É importante ressaltar: Não é sempre que o ponto irá apresentar dor e não necessariamente o local da dor é o local onde se encontra o ponto gatilho. Ex: um ponto na região lateral da escápula (nível de romboides) vai gerar um dor um pouco mais abaixo das costas na região de trapézio inferior. Ou seja o ponto gatilho vai doer quando comprimido, mais no seu dia dia a dor pode ou não se manifestar no local do ponto ou em outro local. 

Se pode não apresentar dor, então  por que iria tratá-lo? você pode estar se perguntando. No longo prazo tais pontos podem levar a patologias mais sérias como um Disfunção Temporomandibular (DTM), levar a fraqueza de determinada região, em algum momento esse ponto ser ativado ou até mesmo sentir a dor sem que perceba, por isso a sensação de relaxamento após uma massagem. 

Isso é um exemplo! Não quer dizer necessariamente que todos as pessoas terão exatamente o mesmo problema. Na real, qualquer movimento que realizamos de forma errada no dia dia pode levar a alguma alteração a nível muscular, então caso de dúvidas ou apresentar essas dores procure um fisioterapeuta. 

Estresse na formação de pontos gatilhos

Divertidamente (2015)

Um dos principais fatores na formação de ponto gatilho é o estresse. Ele define-se como um quadro de distúrbios físicos ou emocionais provocados por diferentes tipos de fatores, que alteram o equilíbrio interno do nosso organismo. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), cerca de 90% da população mundial é acometida pelo o mesmo, podendo gerar doenças reumáticas, depressão, hipertensão dentre outras patologias.

O estresse é dividido em 3 categorias:

  • Sensorial ou físico: Que envolve contato direto com o organismo, subir uma escada ou mudança brusca de temperatura são exemplos.

  • Psicológico: Quando o sistema nervoso central é ativado por meio de mecanismos cognitivos, ex: o nervosismo que sente ao falar em público.

  • Infeccioso: Causado por vírus, bactéria e etc…  

 

No caso da formação do ponto gatilho, o estresse sensorial/físico e o psicológico podem estar envolvidos, vamos a mais um exemplo prático:

De manhã você está dirigindo para o trabalho, um caminho normal que você sempre faz. De repente um carro em alta velocidade toma a sua frente bruscamente! Caso não você não tivesse freado provavelmente teria ocorrido um acidente.

Dois fatores causadores do estresse estão nessa situação, observe: Sensorial/físico, tanto pelo susto tomado como pela parada brusca, e o psicológico em imaginar durante um tempo que quase sofreu um acidente.

O reflexo corporal, ao levar um susto repentino como do exemplo, é o de elevação dos ombros (a nível muscular de trapézio superior e elevador da escápula). A tensão gerada nos músculos devido a esse incidente, se mantida por um período de tempo, leva a formação dos pontos gatilhos.

Importante destacar antes da conclusão deste texto que como os pontos gatilhos e o estresse não são considerados patologias, o número de artigos científicos voltados exclusivamente para eles é pequeno. Uma revisão associando o seu surgimento há exclusivamente o estresse se faz necessário, com o alvo da população em geral. Vale uma olhada nas referências que vai ter uma série de artigos falando de estresse e pontos gatilhos porém sempre associado a outras patologias osteomusculares e/ou psicológicas. 

Tratamento dos pontos gatilhos

Como falado no decorrer do texto pontos gatilhos formam-se  devido a vários sintomas dentre eles o estresse. Tais alterações ocorrem a nível de fáscia muscular, onde o sarcômero está ativo. Para o tratamento dos pontos existem inúmeras técnicas das quais comentarei rapidamente 3 delas. 

Mais antes, é importante ressaltar dois pontos: 

  1. todas as técnicas aqui descritas devem ser realizadas por profissionais com a formação adequada para tal. Ou seja, se localizou em você mesmo algum “nó”, não adianta pedir para seu namorado(a) fazer uma “massagem” para liberação, pois em vez de melhorar a dor pode aumentar-lá e não desativando e sim ativando o ponto gatilho. ok?!
  2. as técnicas usadas isoladamente não são 100% eficazes, sempre tem que vir associadas a mudanças de hábitos (alguns tenho até texto aqui no Portal Deviante, super indico a leitura pois são complementares, só clicar no link), desde a postura ao dormir, ao sentar, ao utilizar o celular, realizar alongamento e fortalecimento de determinada região. Sabe a ginástica laboral que pessoas acham chato de fazer,  muitos dos exercícios feitos ali tem justamente o objetivo de evitar algum problema a nível muscular.

Vamos as técnicas:  

Massagem: após ser realizada uma avaliação no paciente, a massagem é a técnica mais comum e de fácil aplicação, pois não precisa de nenhum instrumento adicional do que as mãos do terapeuta. Realiza-se uma massagem superficial e profunda onde se localizam os “nós”, exercendo uma pressão no local para a sua liberação (por 30 ou 60 seg.). Ao realizar tal técnica, o paciente pode referir dor local e/ou irradiada (que sai de um local para outro). O alívio pode vir de imediato ou algumas horas depois da aplicação.

Agulhamento Seco: Aplicam-se agulhas no local do ponto e ao redor, durante 2 minutos, movimentando-a se necessário. É indicado quando os pontos gatilhos são mais interno do que a palpação por meio da massagem pode alcançar. O alívio é imediato.

Terapia Manual – Protocolo para a liberação de pontos gatilhos: Aqui minha técnica preferida, baseia-se em alongamentos, contração e relaxamento do local afetado com o ponto gatilho. Tal técnica é indicada para pessoas mais ativas ao tratamento já que exige mudanças de posição, movimentação, contrair determinado músculo. O alívio é imediato.

Ao liberar algum ponto gatilho, o “nó” some de imediato ou diminui de tamanho, a dor pode persistir por alguns dias. É recomendável a aplicação de gelo no local. O número de sessões necessárias para a liberação de todos os pontos gatilhos vai depender tanto do profissional como da paciente, não existe um número correto.

Todo esse papo de pontos gatilhos ta me dando aquela dor no pescoço sabe, bem que eu poderia me auto atender mais tarde rs. O texto foi escrito de forma bem resumida os conceitos da fisioterapia, caso seja estudante, profissional ou apenas curioso e queira  se aprofundar mais sobre o tema, vale uma olhada nas referências de dois livros que usei como base nesse texto. Caso queira me ver falando mas de fisioterapia me segue no perfil do Instagram chamado: fisioterapia_nao_e_so_massagem ou clica aqui: link 

Esse texto foi escrito pela dúvida de um leitor do Portal, caso tenha uma dívida ou pedido que ache que pode gerar um texto aqui, pede lá no Twitter com a #DesafioRedatoresDeviante ou escreve para o Email: [email protected] 

Referências: 

Livros: 

  1. Simeon Neil-Asher, Pontos Gatilhos – Uma Abordagem Concisa. Ed. Manole, ano 2005.
  2. Guyton e Hall, Tratado de Fisiologia Médica, Ed. Elsevier, 12 edição, ano 2011.

 

Artigos complementares: 

. Análise da Relação de Estresse e a Prevalência da Síndrome Dolorosa Miofascial e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho em Docentes de uma Instituição de Ensino Superior, 2012, disponível no link 

. Participação do estresse e ansiedade na alteração do limiar de dor à pressão (LDP) em pacientes com DTM miogênica: um estudo comparativo, 2007, disponível no link.

. Estudo sobre a analogia existente entre a cefaléia tensional, pontos gatilhos na musculatura cervical e má postura em ambiente laboral estático. 2010, disponível no link

. PONTOS-GATILHO MIOFASCIAIS: ARTIGO DE REVISÃO, 2012, disponível no link.

. Prevalência de dor miofascial e estresse em bombeiros praticantes de atividade física, 2008. disponível no link 

. A ocorrência de estresse em policiais militares do 20º Batalhão de Polícia Militar de Concórdia – Santa Catarina, 2013, disponível no link.

 

Nota da Editora:

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