Sim, caros leitores, volto para a divagação sobre a crise existencial da física teórica. No meu último texto apresentei para vocês a teoria que é a mais próxima que temos hoje de uma teoria de tudo, a teoria M seria aquela que iria satisfazer o grande sonho de Einstein, a grande unificação de todas as forças da física.

Porém, temos uma grande questão aqui, essa teoria além de não estar completamente desenvolvida até hoje é muito complicada, no nível de grandes físicos não saberem exatamente como ela está estruturada, ou seja, assunto para deuses (como o Prof .Edward Witten) discutirem no Olimpo, muito longe dos mortais.

Ora, de que serve uma teoria que não sabemos nada dela? Se não é possível entender suas bases, será que podemos desfrutar de seus benefícios?

Assim como no mito do titã Prometeus, que rouba o fogo da morada de Zeus e o entrega à humanidade que até ali vivia na escuridão. O físico argentino (veja só, o grande herói na nossa história é um latino-americano) Juan Maldacena  em 1997 publica o trabalho que traz luz e calor para as mais diversas áreas  da física teórica.

“The Large N limit of superconformal field theories and supergravity” é hoje (dez/2019) o artigo mais citado da história da física.

Mas o que tem nesse artigo de tão especial?

Explicar a idéia por trás da correspondência AdS/CFT talvez seja a maior ousadia que eu me arrisquei até aqui escrevendo esses textos.

Mas é com boa dose de simplificações e cara de pau que vamos até o fim, se segura porque a porrada vai ser forte.

No último texto, falei sobre aquela que seria nossa teoria de tudo, a Teoria M, que era aquela que uniria todas as teorias de cordas via princípio holográfico. Veja, se você não entendeu nada aqui, sugiro que volte ao texto.

O que Maldacena faz em seu artigo é sugerir uma configuração que seria solução (estaria de acordo) com as idéias apresentadas por Witten.

Olha só o nível de loucura: ele encontrou uma solução para uma teoria que nem sequer foi finalizada. Como isso é possível? Seria um delírio coletivo?

Bem, meus amigos, se participar desse mundo acadêmico não é um delírio coletivo, eu não sei mais o que é. Mas isso não quer dizer que afirmar ter uma solução de uma teoria inacabada é uma loucura.

Uma vez que sabemos que a teoria M tem 11 dimensões, quando estudamos os limites de energia mais baixa dela, esperamos que o número de dimensões abaixe. Vou tentar mastigar isso para vocês.

Se a teoria de cordas explica a física do muito pequeno e para isso precisa de 10 ou 11 dimensões para se manifestar, quando fazemos a transição do mundo do muito pequeno para o nosso, o número de dimensões devem ir diminuindo até chegar no mundo em que vivemos de 4 dimensões.

Deu para sacar a idéia?

Maldacena propôs que no limite em que a teoria M tem 10 dimensões, um certo espaço, AdS5 x S5, seria solução. AdS5 descreve um hiperboloide, enquanto S5 é uma esfera, ambos em 5 dimensões. Somando, temos 10.

A esfera descreve como estão compactadas 5 dimensões, lembra das compactificações? Nesse trabalho, essa parte não é considerada pois não estamos interessados em como as dimensões se compactificam, e sim os efeitos dessa teoria no mundo macroscópico. Assim ficamos com o espaço AdS5.

Esse espaço tem diversas caracteristicas interessantes, como por exemplo descrever uma teoria gravitacional de 5 dimensões.

Bom, sabendo que nosso universo não é 5-dimensional e nem é um hiperboloide até onde a gente sabe, por que seria interessante estuda-lo?

A primeira coisa é que ele necessita de certas condições de fronteira para ser definido completamente.

A outra caracteristica super interessante desse espaço é que ele tem o mesmo número de simetrias de um outro espaço, o espaço CFT4.

E essa, senhoras e senhores, é a grande sacada de toda essa história.

Maldacena percebeu que esses dois espaços estão de certa forma identificados, porém de um lado um com 5 dimensões e o outro com 4. Isso te lembra alguma uma coisa? Sim, exatamente, principio holográfico, algo como teorema de gauss. Podemos ter toda a informação do espaço AdS5 na sua fronteira , CFT4.

Agora sabe por que o espaço CFT4 é tão legal?

Nele conseguimos (dentro de certos limites) descrever campos de partículas em 4 dimensões, o mundo em que vivemos. Olha que maravilha!

Se você chegou até aqui não importa como, está de muitos parabéns! Entendendo ou não tudo que eu disse até agora, saiba que não chegamos em  1% da profundidade que é possível alcançar estudando essas coisas. É muita abstração, espaços que não conseguimos conceber sem uma matemática da pesada.

Espero que você entenda o peso do que o Maldacena fez aqui ao dizer o que esses espaços são identificados. Em um temos uma teoria gravitacional, na outra temos uma teoria de campos (partículas).

Como podemos usar isso?

Existem cálculos em física de partículas que são muito complexos, que não são resolvidos analiticamente e precisam de métodos de aproximação para serem estimados. E que em uma teoria de gravitação são obtidos com relativa facilidade, usando da dualidade AdS/CFT basta identificar as equações da CFT no espaço AdS (onde é facil resolver), pegar a solução e interpretar na CFT novamente.

Veja, é muito, mas muito mais complicado que isso. Tentei fazer o meu melhor…

É justamente por trazer essa facilidade que esse trabalho fez do Maldacena um dos maiores físicos da atualidade e seu artigo pousa no monte do Cáucaso para que todo dia seja citado por algum físico que use do seu método.

Desde então outras identificações foram descobertas e estão sendo usadas da mesma forma.

Então quando comecei a escrever aqui no Deviante em julho de 2017 sobre o fim da física teórica, esperava chegar aqui, na alvorada de uma nova era na física que tem como marco esse trabalho de Maldacena.

Caso a física te cause uma crise existencial, me procure no Twitter!