Atualmente, ligamos negacionismo científico à direita. Isso não acontece à toa. A desconfiança em relação à covid-19 tem partido de grupos populares do espectro da direita, incluindo figuras famosas, como Bolsonaro e Trump. Primeiro, negaram a gravidade da pandemia, depois, a segurança das vacinas. Agora, problematizam a necessidade do uso de máscaras.

Isso me leva a uma pergunta mais geral: só existe negacionismo na direita?

É claro que não. Todos os seres humanos, inclusive cientistas, estão sujeitos ao negacionismo, e pessoas de esquerda estão incluídas aí. Negamos evidências sempre que elas contradizem nossas intuições e crenças mais profundas. O primeiro impulso é negar que há razões suficientes para mudar de opinião. Negacionistas soltam frases como “mas a teoria da evolução não está 100% comprovada”, “mas não está 100% comprovado que as vacinas são seguras”. Elas expressam o alto padrão de prova necessário para convencê-los de algo. E esse padrão quase sempre está acima do que qualquer método empírico razoável é capaz de fornecer.

Essas intuições e crenças levam à defesa de diferentes ideologias. Assim como religiões, ideologias cooptam nossas intuições e estabelecem crenças fortes pelas quais estamos dispostos a negar a realidade.

A própria história mostra isso. Apesar da palavra “negacionismo” ter surgido no contexto da negação do holocausto nazista por setores da direita, existem exemplos históricos de negacionismo à esquerda. É o caso da negação da genética em favor da aplicação de princípios marxistas à botânica que ficou conhecida como Lysenkoismo, levando a milhões de mortos de fome na União Soviética.

Atualmente, há o caso emblemático do movimento antivax. Apesar da proeminência atual das vozes da direita, esse movimento começou na esquerda. Por exemplo, JFK foi um presidente democrata de uma família de antivaxxers. Hoje, o também democrata Robert Kennedy Jr., sobrinho do ex-presidente americano, lidera uma multidão de celebridades na oposição às vacinas (incluindo vacinas contra a covid).

Existem motivos ideológicos para democratas e republicanos desconfiarem das vacinas. Enquanto a esquerda se opõe ao lucro da Big Pharma, a direita se opõe à intervenção do governo na vida dos indivíduos. Tanto que é muito comum democratas acreditarem que as empresas inventam doenças para lucrar vendendo remédios, enquanto a direita acredita que é tudo um plano do governo para aumentar seu poder para aos poucos construir uma ditadura.

Mas aspectos individuais também estão em jogo. Pessoas que têm reações aversivas mais intensas diante de estímulos novos também desconfiarão de um procedimento que consiste em ser furado por uma agulha para ser inoculado por um  vírus (mesmo inativo) ou RNA desconhecidos. Você pode oferecer todas as explicações racionais do mundo, mas para as intuições dessas pessoas, isso simplesmente cheira mal. Esse “cheirar mal” costuma vir acompanhado da regra “o que é natural é bom”, o que atrai tanto conservadores cristãos da direita quanto os herdeiros da geração beatnik da esquerda mais natureba. Basicamente, a mesma explicação pode ser dada para a adesão à medicina alternativa e à oposição aos alimentos geneticamente modificados.

Há também negacionismos que são tipicamente de direita. Por exemplo, há muito mais chances de ver alguém de direita (especialmente religiosos) exigindo 100% de comprovação para aceitar a teoria da evolução. Aceitar que há evidências razoáveis para a teoria da evolução implica questionar aspectos fundamentais da crença cristã. É esperado que eles não serão facilmente convencidos.

O mesmo ocorre quando o assunto é aquecimento global. Aceitar as evidências da influência humana na mudança climática significa aceitar a regulação da economia para a diminuição da emissão de gases poluentes. Para grupos favoráveis ao livre mercado, essa é uma solução difícil de engolir. A saída menos dispendiosa em termos psicológicos é negar que o problema existe.

Há também exemplos de negacionismo científico que são mais típicos da esquerda. Se a direita tende a relativizar as evidências da teoria da evolução, a esquerda tende a desconfiar da lógica evolutiva aplicada ao comportamento humano. É a famosa aceitação da evolução, mas apenas do pescoço para baixo. Isso parece valer especialmente para sociólogos orientados por uma visão feminista e também para aqueles mais radicais politicamente.

Como liberais esmagam conservadores quantitativamente na academia, especialmente nas ciências sociais, é natural encontrar resistência acadêmica a assuntos tabus para a esquerda. Por exemplo, pesquisas sobre diferenças entre homens e mulheres em geral não são vistas com bons olhos, especialmente quando a causa da diferença é apontada como sendo algum fator biológico, não social.

A incongruência na aceitação desses estudos também é outro sintoma da predominância liberal no campo. Estudos que mostram alguma vantagem masculina são consideradas ofensivos, perigosos, sexistas, menos plausíveis e mal conduzidos. Por outro lado, se as diferenças favorecem as mulheres, os estudos são considerados mais bem conduzidos e importantes, assim como menos sexistas. Um estudo mostrando isso acabou de ser publicado.

Negacionistas de direita frequentemente vão exigir 100% de certeza sobre a segurança das vacinas ou sobre qualquer aspecto da evolução humana. O mesmo acontece na esquerda. Acadêmicos em geral encaram com maior ceticismo afirmações sobre diferenças individuais. Por exemplo, um estudo recente mostrou que discriminação não era um fator decisivo para explicar o gender gap em determinadas áreas acadêmicas/profissionais. Dentre as várias revisões exigidas (o que é até normal), foram chamados 7 revisores, quando o usual para revistas acadêmicas são 2 avaliadores. Isso pode ser uma forma diferente de exigir 100% de certeza sobre os achados. Para alguém interessado em negar determinados achados, qualquer quantidade de evidências nunca será suficiente para afirmar algo para além da dúvida razoável.

Isso tudo significa que negacionismo não é coisa da direita ou da esquerda, mas uma coisa humana. Além disso, as pessoas não são negacionistas o tempo todo. Um expert em seu campo pode ser negacionista em algum assunto específico por convicções muito íntimas sobre a natureza da realidade e da vida em sociedade. Mais do que exaltar os ânimos e estimular dedos em riste apontados para a cara do interlocutor, essas informações devem nos encher de humildade e disposição para o diálogo e para a razoabilidade.