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Ao longo dos oitocentos anos de supremacia romana, tanto como república quanto como império, Roma enfrentou inúmeras ameaças, mas a mais terrível foi quando o grande general cartaginês ANÍBAL BARCA conduziu seu exército mercenário pelos Alpes para confrontar os romanos em seu próprio terreno.

 

 

Aníbal Bárcida (“Barca” era o apelido da família, segundo alguns pesquisadores) nasceu em 247 a.C., filho de uma das famílias mais influentes de Cartago, a maior potência naval e comercial do Ocidente, localizada na atual Tunísia, no norte da África. Corria a chamada Primeira Guerra Púnica (os cartagineses eram chamados de púnicos, pelos romanos), iniciada em 245 a.C., na qual seu pai, Amílcar, liderava as forças cartaginesas na Sicília, então província de Cartago. Após anos de batalhas, ele foi derrotado e teve que negociar a rendição.

A paz custou caro, Roma exigiu uma vultosa indenização e tomou posse das ilhas da Sardenha, Córsega e Malta, também propriedades cartaginesas. Amílcar retorna a Cartago alimentando uma animosidade sem fim contra Roma, um ódio que transmitiu a seus três filhos: Asdrúbal, Mago e Aníbal.

Ciente de que a paz com os romanos era precária e que a guerra pela supremacia do Mediterrâneo só se extinguiria com a aniquilação de um dos lados, expande os domínios cartagineses em direção à Hispânia, rica em prata.

Em 237 a.C., Amílcar organiza uma expedição em direção àquela região. Antes de partir, arrasta o filho Aníbal ao altar de uma deusa fenícia: “segurando uma de minhas mãos, ele me conduziu ao altar de Melcarte. Pediu para que eu jurasse jamais ser amigo dos romanos, e eu cumpri o prometido”, teria dito o jovem príncipe, segundo relata o historiador romano Tito Lívio.

Os anos dos Bárcida na Hispânia foram proveitosos: um a um, os povos ibéricos aumentaram, pela diplomacia ou pela força, a esfera de poder dos púnicos. A rota da prata foi aberta e o metal afluía abundante para Cartago. Quando Amílcar morreu, em 229 a.C., o império cartaginês na Hispânia havia dobrado de extensão. Assumiu o comando Asdrúbal Janto, assassinado em 221 a.C. Aclamado pelas tropas, Aníbal tornou-se o comandante das forças cartaginesas na região. Tito Lívio relatou: “os soldados imaginavam que Amílcar retornara a eles como era em sua juventude. Eles viam em Aníbal a mesma expressão forte e olhar penetrante. Não havia líder que inspirasse a seus homens tanta confiança e coragem”.

Em 218 a.C., desconfiados da aventura cartaginesa na Hispânia, os romanos deram o pontapé inicial para a Segunda Guerra Púnica. Esperavam que o confronto fosse travado em terras ibéricas ou mesmo em Cartago. Impossibilitado de cruzar os mares em razão da presença da frota de guerra inimiga, o general cartaginês fez o impensável: cruzar a cadeia montanhosa dos Alpes e surpreender os romanos em seus domínios. Acompanhado de 9 mil cavaleiros, 50 mil soldados de infantaria e 38 elefantes, Aníbal subiu a costa espanhola, cruzou o sul da França e, já com as nevascas de outono congelando os caminhos, aventurou-se por um território que nem mesmo os nativos gauleses haviam ousado enfrentar.

Foram 14 dias de padecimento nas montanhas geladas e inúmeras vidas perdidas. Quando enfim pisou no vale do rio Pó, o general não contava com mais de 6 mil cavaleiros e 20 mil soldados. Apenas Surus, o seu elefante asiático, havia sobrevivido à travessia.

O primeiro comandante romano a encontrar Aníbal foi Públio Cornélio Cipião, pai de Cipião, o Africano. Em uma batalha de cavalaria no rio Ticinus, Públio Cornélio saiu derrotado. A primeira vitória púnica alvoroçou os gauleses, que engrossaram as forças de Aníbal. O segundo confronto ocorreu às margens do rio Trébia. Desta vez, os romanos estavam reforçados pela chegada das legiões do cônsul Tibério Semprônio.

Aníbal arquitetou um ardil: antes do raiar do dia, enviou 2 mil cavaleiros ao acampamento inimigo. Rechaçados, os cartagineses recuaram. Semprônio acreditou ser o momento certo para derrotar o rival e despachou o grosso de suas forças contra os cavaleiros em fuga. Ao atravessarem o rio gelado, despreparados e ainda com fome, os romanos se depararam com a força máxima do exército cartaginês, aquecidos e já bem alimentados. Roma perdeu 20 mil homens. A próxima refrega aconteceu no lago Trasimeno, com nova derrota romana – 15 mil romanos padeceram. Com tantas vitórias, cidades italianas começaram a desertar.

No ano seguinte, em 216 a.C., romanos e cartagineses se encontraram em Canas. A tática utilizada por Aníbal nesta batalha é considerada uma joia da estratégia militar, sendo empregada seguidamente ao longo dos séculos. Dentre seus fãs, inclui-se o general alemão Von Moltke, que utilizou o mesmo princípio na Primeira Guerra Mundial, e o general americano Norman Schwarzkopf, que utilizou tática similar na Operação Tempestade no Deserto, na Primeira Guerra do Golfo.

Em Canas, Aníbal não tinha mais do que 35 mil homens contra aproximadamente 80 mil romanos. Sua maior arma foi a indução psicológica. O general cartaginês construiu sua linha de batalha em forma de cunha. No centro, posicionou os mercenários gauleses; na base, colocou a pesada infantaria líbia e os bem treinados ibéricos; nos flancos, a valente cavalaria númida de um lado e a pesada cavalaria celtíbera do outro. Quando a infantaria romana atacou a cunha, os gauleses foram cedendo terreno. Entusiasmados com o êxito inicial, os legionários romanos continuaram avançando – e se espremendo cada vez mais. Logo, o que antes era uma cunha, havia se transformado em um grande U. Amontoados, os romanos já não tinham mais espaço para manobrar. Nesse ínterim, a cavalaria cartaginesa havia batido a romana e investido pela retaguarda das legiões. O círculo se fechara e as tropas romanas foram trucidadas.

Apenas um contingente de 10 mil homens, liderados pelo jovem Cipião, conseguiu romper a linha e escapar do massacre. Praticamente toda a aristocracia romana tombou na batalha. Após o combate, como prova da vertiginosa batalha, Aníbal enviou a Cartago um saco pesando 13 quilos, recheado com anéis dos tribunos romanos mortos. Canas é, até hoje, considerado o maior massacre militar da Antiguidade.

Os moradores de Roma entraram em pânico, imaginavam o exército cartaginês às portas da cidade. Entretanto, apesar de instado por seus comandantes a marchar sobre a cidade, Aníbal sabia que não contava com forças suficientes para atacar o objetivo. O desejo de Aníbal era forçar os romanos por uma batalha total. William Weir (2009) destaca que a estratégia do comandante cartaginês era diferente e sutil: ele via Roma como uma opressora dos povos da Itália. Etruscos, gregos e gauleses tinham sido conquistados recentemente, eles queriam ser libertados do jugo romano. Até os latinos estavam inquietos. Se Aníbal conseguisse derrotar os romanos em um grande embate final, o povo local recorreria a ele como a um libertador. Então ele poderia alistar os soldados treinados e “civilizados” das cidades gregas, etruscas e até mesmo as falanges do Lácio, sobrepujando inteiramente os romanos.

Quando perceberam que Roma não seria atacada, os romanos abandonaram as grandes batalhas e começaram a fustigar continuamente os púnicos, em pequenos raids. Aos poucos, as cidades desertoras foram sendo retomadas. Acuado, Aníbal recolheu-se ao sul, na atual Calábria, onde, durante longos anos, sustentou uma guerra de pequenas ações.

Em 204 a.C., após 14 anos de combates em terras italianas, ele voltou para sua terra natal. As tropas de Cipião (futuro “o Africano”) estavam em Cartago. A batalha que pôs fim à guerra aconteceu nas planícies de Zama. O general cartaginês foi derrotado nas cercanias de sua cidade e Cartago assinou um tratado de paz em 201 a.C., no qual entregava os territórios na Hispânia e se propunha a pagar uma considerável indenização. O general cartaginês passou seus últimos anos fugindo das forças romanas, buscando refúgio em Tiro e Éfeso. Em 183 a.C., aos 64 anos, cometeu suicídio com veneno na margem oriental do mar de Mármara, para não se render a seus inimigos, os romanos.

Vale a pena lembrar: o melhor julgamento de Aníbal talvez esteja na afirmação de que, embora vencido pelos romanos, juntamente com a civilização cartaginesa, seus ensinamentos militares, assimilados pelos vencedores, tenha, talvez, contribuído para formar a base da doutrina militar contemporânea. Certamente, algumas das espetaculares vitórias da guerra terrestre devem muito à ideia de aniquilar o inimigo pelo duplo-envolvimento, e a vitória de Aníbal sobre um inimigo superior em número e em poder de combate, em Canas, foi um tributo à sua excepcional capacidade como chefe militar.

 

Sugestão de leitura:

BRADFORD, Ernle. Aníbal: um desafio aos romanos. São Paulo: Ars Poetica, 1992.

CAWTHORNE, Nigel. Os 100 Maiores Líderes Militares da História. Rio de Janeiro: Difel, 2010.

CUMMINS, Joseph. As Maiores Guerras da História. Rio de Janeiro: Ediouro, 2012.

FIELDS, Nic. Hannibal: Leadership, Strategy, Conflict. Oxford: Osprey Publishing, 2010.

GILBERT, Adrian. Enciclopédia das Guerras: Conflitos Mundiais Através do Tempo. São Paulo: M. Books, 2005.

GLASMAN, Gabriel. Aníbal: o inimigo de Roma. São Paulo: Madras, 2009.

HOLMES, Richard, PIMLOTT, John (orgs.). Atlas Hutchinson de planos de batalhas: antes e depois. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2007.

LIVIO, Tito. História de Roma. São Paulo: Paumape, 1989.

ONÇA, Fábio. Romanos X Cartagineses: três guerras e um vencedor. In: Revista Aventuras na História – Coleção Grandes Guerras: Guerras da Antiguidade. São Paulo: Abril, n. 3, p. 40-45, jan. 2005.

RODRIGUES, Barrote. A Batalha de Canas e a Operação Tempestade No Deserto – Análise e Perspectiva Histórica. Trabalho de Investigação Aplicada – Academia Militar. Lisboa, 2008.

WEIR, William. 50 Líderes Militares que Mudaram a História da Humanidade. São Paulo: M. Books, 2009.

WISE, Terence. Armies of the Carthaginian Wars 265-146 BC. Oxford: Osprey Publishing, 1993. (Man-at-Arms v. 121)

Sugestão de vídeos:

https://www.youtube.com/watch?v=XUjuoJLfHng&ab_channel=JDMont