Oi. Sou o Leo! :-)
Espero que estejam bem, hoje falaremos (um pouco mais) sobre o Princípio de Incerteza. Vamos à nossa pequeníssima revisão:

Na imagem: o ufólogo Giorgio A. Tsoukalos, usado em memes sobre Aliens, está com as mãos em sua frente, e aparentemente está para dizer algo. Na imagem está escrito: Anteriormente em Kura Quântica.

——————-REVISÃO——————-

  • Kura aqui vem de uma das palavras para “Escola” na língua Maori;
  • Teorias Físicas têm o estranho atrativo para serem colocadas erradamente como pseudociência (3ª Lei de Newton como sendo “Tudo o que vai volta!”, etc.). A Mecânica Quântica é, infelizmente, uma das preferidas para pseudocientistas atacarem;
  • Postulados da Teoria Quântica (lembrem-se disso!!!):
  1. o estado de um sistema é dado pela função de onda (ou vetor de estado);
  2. quantidades observáveis são dadas por operadores e as possíveis observações são seus autovalores;
  3. a existência de uma probabilidade a priori de encontrarmos um certo autovalor em algum estado;
  4. a evolução do estado quântico é dada pela Equação de Schrödinger;
  5. postulado da Medida, ou colapso da função de onda.
  • Mencionamos que partículas quânticas, “bizarramente”, apresentam superposição e são detectadas uma a uma, apresentando o que chamamos de dualidade onda-partícula.
  • Nas primeiras partes de Kura Quântica citamos também que eventos probabilísticos acontecem em Física Clássica, mas (não somente, mas principalmente) devido a nossa ignorância com relação ao sistema; já na Mecânica Quântica a probabilidade é um dos postulados da Teoria, e portanto são intimamente relacionados à construção da mesma.
  • Citamos dois tipos de experimentos, um com armas de luz/partículas/elétrons passando em fendas; e um experimento com o Gato Nelson.
  • Falamos de uma característica (ou propriedade) quântica, que não possui análogo clássico, e que chamamos Emaranhamento. Esta propriedade quantifica uma correlação intrínseca entre duas (ou mais) partes, e pode ser utilizada como recurso, por exemplo, para realizarmos algum tipo de computação quântica.
  • No último texto discutimos um pouco sobre Posição, Momentum Linear e sobre o Princípio de Incerteza de Heisenberg: é possível, classicamente, medirmos posição e Momentum (velocidade) de uma partícula, simultaneamente; quando estamos num domínio Quântico, há uma “regra” que nos proíbe de tentar realizar tal medição simultânea; esta regra é chamada de Princípio de Incerteza; se tentarmos observar por qual fenda o elétron passa, perderemos o padrão de interferência, pois há um limite (dado pelo Princípio de Incerteza) que nos impõe que se tentarmos medir por qual fenda o elétron passou, há uma incerteza associada ao Momentum do mesmo.
  • Qualquer coisa, volte aos 5 textos anteriores, garanto que vai curtir (mentira, não garanto não, mas acho que vai, e eu ganho cliques!): Kura Quântica 1, Kura Quântica 2 (superposições), Kura Quântica 3 (mais superposições e o Gato Nelson), Kura Quântica 4 (emaranhamento), Kura Quântica 5 (Princípio de Incerteza – Parte 1).

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Neste texto vamos falar mais sobre o Princípio de Incerteza Posição-Momentum. Em um texto futuro tentarei discutir um pouco sobre o Princípio de Incerteza Energia-Tempo, e também dar uma pincelada sobre o Princípio de Incerteza para Observáveis em geral. Mas vamos retornar a algumas definições/conclusões importantes do último texto:

a) Posição: dado um sistema de referência, é o local no espaço onde se encontra um corpo ou uma partícula.
b) Momentum Linear (para uma discussão lindíssima sobre Momentum Linear, ver Scicast #383: Emmy Noether e os Princípios da Conservação do Universo). O Momentum Linear (também chamado Momento Linear, ou Quantidade de Movimento) é uma quantidade Física mensurável, que é dada pelo produto da massa de uma partícula/corpo pela sua velocidade.
c) Conservação do Momentum: Se somente Forças Internas atuam num Sistema Físico, o Momentum Linear se conserva.
d) Mecânica Clássica: É possível, pelo menos em princípio, observar/medir a Posição e o Momentum de uma partícula simultaneamente.
e) Mecânica Quântica: Caso alguém queira observar a posição e o Momentum Linear de uma partícula, simultaneamente, ela pode ter uma precisão perfeita na medida de uma destas quantidades, porém ela perderá a precisão na outra quantidade.

Mais especificamente, o Princípio de Incerteza de Heisenberg (para Posição e Momentum) nos diz que:

Figura/Equação: a incerteza no Momentum (p) vezes a incerteza na Posição (x) é maior ou igual a h cortado dividido por 2. Onde h cortado, ou h barra, é a constante de Planck dividida por duas vezes pi.

Esta equação nos diz que se tentarmos observar Momentum Linear (p) e posição (x) de um objeto quântico, a incerteza associada a p vezes a incerteza associada a x não podem ser qualquer uma. Este efeito NÃO ocorre classicamente, sendo que é possível (ao menos em teoria) obtermos uma incerteza nula para o Momentum e simultaneamente para a Posição, se estivermos trabalhando num domínio clássico. Podemos, por exemplo num experimento de fenda dupla (ver Figura abaixo) determinar o Momentum de uma partícula clássica e também saber por qual fenda ela passou, sem alterar o resultado do experimento detectado na tela.

Figura: O experimento com fendas utilizando partículas clássicas. Bolinhas (de gude, por exemplo) são emitidas por um canhão, direcionadas a um anteparo contendo duas fendas. Este anteparo pode se deslocar, e com isso podemos mensurar (indiretamente) seu recuo devido à conservação do Momentum. Através dessa medição do Momentum podemos, simultaneamente, descobrir por qual fenda a bolinha passou. A bolinha é por fim detectada numa tela, e o resultado (após muitas bolinhas serem detectadas uma a uma) é uma curva Gaussiana, tipo um sino.

Se realizarmos um experimento de fenda dupla típico usando partículas quânticas (elétrons, nêutrons, fulerenos!, etc), sem tentar detectar por qual fenda a partícula quântica passou, teremos o seguinte resultado: os elétrons são detectados um a um, e apresentam interferência. Eles portanto apresentam um comportamento dual, de onda e de partícula. Podemos ver o resultado nas Figuras abaixo.

Figura: uma arma que atira (direções aleatórias) elétrons em um anteparo contendo duas fendas; os elétrons são então espalhados pelas fendas, e detectados, um a um, numa tela; após vários elétrons serem coletados, fazemos um diagrama da posição de cada elétron detectado na tela, e traçamos um gráfico; os elétrons são detectados um a um, e apresentam interferência.

Figura (gif animado): Resultado de um experimento de fenda dupla utilizando partículas quânticas. Note que as partículas são detectadas uma a uma, e depois de um certo tempo (onde foi possível coletar dados estatísticos suficientes), um nítido padrão de interferência aparece.

Figura: Mas, e se tentarmos detectar por qual fenda a partícula quântica passou (vou chamar de elétron pra “facilitar”)?

Bom, podemos fazer isto de várias formas diferentes. Por exemplo, podemos tentar utilizar um aparato parecido com o mostrado em nosso experimento clássico, ou seja, colocar roletes no anteparo contendo as fendas. Tentando detectar um elétron que chegue no centro da tela (em relação às duas fendas) notaremos o seguinte:

  • se o anteparo com as fendas se deslocar para a esquerda, significa que o elétron foi emitido pelo canhão, e em seguida defletido pela fenda da esquerda;
  • se o anteparo com as fendas se deslocar para a direita, significa que o elétron foi emitido pelo canhão, e em seguida defletido pela fenda da direita;
  • desta forma podemos saber, sem perturbar o elétron, por qual fenda ele passou!
  • Mas… devido ao Princípio de Incerteza o Momentum trocado entre o elétron e o anteparo é tal que devemos obter também uma incerteza na Posição do anteparo, de forma que para o próximo elétron que passar as fendas estarão em uma Posição diferente (devido ao recuo do anteparo), e perderemos o padrão de interferência.
  • Conclusão: como resultado de saber por qual fenda o elétron passou (uma característica corpuscular do elétron), perdemos completamente o padrão de interferência (uma característica ondulatória)!

Podemos também bolar outro tipo de experimento, onde o anteparo NÃO se movimentaria, e dessa forma eliminaríamos o “problema” mencionado acima? Sim. Por exemplo, se colocarmos um tipo de dispositivo perto das fendas de forma que toda vez que um elétron passe pela fenda da esquerda o dispositivo emita luz perto da fenda por onde o elétron está de fato passando.

“Brilhante!”, alguém dirá [trocadilho intencional], “Dessa forma, não haverá troca de Momentum entre o elétron e o anteparo, e assim poderemos driblar Heisenberg!” Muito legal, #sqn (só que não)! Agora, se fizermos este experimento com a lâmpada, tentando detectar um elétron que chegue no centro da tela (em relação às duas fendas) notaremos o seguinte:

  • se o dispositivo emitir luz perto da fenda da esquerda, significa que o elétron foi emitido pelo canhão, e em seguida passou pela fenda da esquerda;
  • se o dispositivo emitir luz perto da fenda da direita, significa que o elétron foi emitido pelo canhão, e em seguida passou pela fenda da direita;
  • então neste experimentos estaremos “vendo”, indiretamente, por qual fenda o elétron passou!
  • um resultado importante deste experimento é que ou o elétron detectado passou pela fenda da esquerda OU pela fenda da direita, NUNCA por ambas as fendas ao mesmo tempo!
  • Mas… quando coletamos os dados por um determinado tempo, e realizamos a contagem de elétrons na tela, o padrão de interferência some! :-(
  • Porque o fato da lâmpada emitir luz perto de uma fenda ou de outra “atrapalha” (ou em termos técnicos “borra”) o padrão de interferência? De fato, a luz (ou o fóton) interage com o elétron, e ocorre troca de Momentum (fótons, ou luz, possuem Momentum… este pode ser um assunto para ooooutro texto)!
  • Conclusão: como resultado de saber por qual fenda o elétron passou (uma característica corpuscular do elétron), perdemos completamente o padrão de interferência (uma característica ondulatória)!

Figura: Tentativas de se observar por qual fenda o elétron passou. Note que o padrão de interferência SUMIU em ambos os casos, e constatamos um resultado típico de partículas clássicas. Podemos usar tanto roletes como no experimento clássico, ou também uma “lâmpada”, que emite luz quando o elétron passa por alguma fenda a ser observada. Em ambos os casos, o padrão de interferência SOME!

E se… ainda neste experimento com a lâmpada tentássemos diminuir a frequência da luz emitida, de modo que menos Momentum seja trocado (não entrarei em detalhes técnicos), e com isso o elétron fosse menos “atrapalhado”, e com isso saberíamos por qual fenda o elétron passa E TAMBÉM manteríamos o padrão de interferência!!! A-RÁ!!!

Mas não: se a frequência da luz emitida pela lâmpada for diminuída (portanto se seu comprimento de onda for aumentado), o que acontece é bem “estranho”: quando o padrão de interferência de fato aparece na tela, a luz emitida pela lâmpada é difusa, de modo que NÃO é possível saber por qual fenda o elétron passou!!!

Conclusão geral deste texto: Saber por qual caminho o elétron passa é equivalente a determinarmos um comportamento corpuscular dele. Detectar um padrão de interferência na tela é equivalente a determinarmos um comportamento ondulatório deste objeto quântico. Sempre que tentamos realizar um experimento com o objetivo de saber por qual caminho o elétron (ou a partícula ou a entidade quântica) passa, inevitavelmente o padrão de interferência é “borrado”.

“Mas espera aí… tudo o que você escreveu tem a ver com a troca de Momentum entre a partícula e algum objeto que marca por qual caminho ela está passando. É possível bolar um experimento onde não há, DE FORMA ALGUMA, troca de Momentum entre a partícula que atravessará a fenda e o objeto que marcará seu caminho?” SIM!!! “E isto não vai ir CONTRA o Princípio de Incerteza?” Não!

Mas isto é um assunto para outro texto! ;-)

Forte abraço,

Leo.

Referência:

[1] Lições de Física. Feynman, Leighton, Sands. FEYNMAN, R. P.; LEIGHTON, R. B.; SANDS, M. The Feynman lectures, Vol. 3, Quantum mechanics. 1970. Disponível online.