Já parou para pensar o quanto somos o tempo todo influenciados pelas propagandas, por vídeos na internet, por opiniões alheias, por uma embalagem, o produto disposto na gôndola do supermercado, ou ainda em uma gôndola virtual? Já se deu conta que nossa árvore de decisão para o consumo de um produto ou serviço está muito ligada à identificação que temos com aquela marca, seja por questões práticas, racionais ou, na maior parte das vezes, emocionais?

Quando pensamos em vender um produto ou serviço, aumentar suas vendas ou simplesmente melhorar suas características, temos a tendência de tentar descobrir quem são os nossos clientes e o que eles querem comprar. Na história temos casos interessantes que nos mostram que, se seguirmos essa premissa, corremos o risco de tomarmos decisões erradas. Henry Ford dizia que, se ele perguntasse para seus clientes o que eles queriam, provavelmente diriam que gostariam de “cavalos mais rápidos“.

Em 1985 aconteceu um caso, que ficou bastante conhecido no mundo do marketing e da publicidade, o emblemático caso da Coca-Cola. Naquele momento, a empresa estava sofrendo fortes ameaças de sua principal concorrente, então decidiram que algo precisava ser feito para combatê-la. Realizaram, então, uma pesquisa com mais de 200 mil americanos, para testar uma nova fórmula de seu famoso refrigerante. Os resultados desta pesquisa demonstraram que a nova fórmula seria um sucesso. A empresa decidiu fazer essa alteração e fez uma campanha de comunicação muito forte e o novo refrigerante foi chamado de New Coke. Ao chegar no mercado, houve um baque muito grande em seus consumidores, especialmente nos mais fiéis, gerando um tráfego gigantesco de ligações no SAC da empresa, protestos na frente das fábricas e até músicas, meus amigos! Músicas homenageando a fórmula original. Tudo isso arranhou a imagem da companhia e sua principal concorrente, a Pepsi-Cola, conseguiu ganhar bastante mercado, obrigando a Coca-Cola voltar atrás em sua decisão. Se os executivos da empresa tivessem conhecimento sobre os pensamentos de um grande gênio da atualidade, Steve Jobs, provavelmente teriam tomado uma decisão bem diferente. Jobs dizia que: “As pessoas não sabem o que elas querem, até você mostrar para elas!“.

Campanha NewCoke 1985

Outro caso bastante famoso é o da Kodak. A empresa era líder de mercado em vendas de filmes e papel para revelação de fotos. Seu departamento de desenvolvimento era bastante avançado e acabou inventando a máquina fotográfica digital. Decidiram não lançar o produto porque tinham ideia de que o consumidor não iria aceitar tal tecnologia, pois estavam acostumados ao método tradicional de impressão de fotografia, negligenciando aquilo que seria uma das maiores invenções dos últimos tempos, alterando todo um estilo de vida e de trabalho, tanto para profissionais da fotografia, como para consumidores que gostar de dar os seus cliques. Mais tarde, a empresa abriu falência e hoje essa marca ficou apenas na memória dos mais antigos.

Kodak, o negócio que faliu.

Já no nosso mundo contemporâneo (para não ficar apenas nas décadas de 80 e 90), a cena se repetiu com a IKEA, uma marca escandinava de móveis com design que comercializa produtos a preços acessíveis. Em 2009, numa das muitas tentativas que as empresas fazem para reduzir seus custos, a IKEA mudou a fonte oficial da empresa, passando a usar a Verdana, com apelo mais funcional, no lugar da Futura, que tem apelo mais sofisticado. Essa simples mudança foi o suficiente para revoltar os consumidores e o assunto se espalhou no Twitter como chuva no telhado de zinco (essa expressão entregou, bonito, a minha idade!!). Mais uma vez, os consumidores tentaram proteger a marca à qual se sentiam ligados, mesmo que “simplesmente” por uma fonte.

Evolução do logo da IKEA

 

Mas o que a Coca-Cola, a Kodak, a IKEA, e tantas outras, fizeram de errado? Vamos tentar entender.

O caso mais clássico usado nos cursos de inovação e empreendedorismo, para ilustrar a ideia do que significa de fato esse conceito de jobs-to-be-done, é o caso dos milk-shakes do McDonald’s. A rede de fast-food queria identificar alguma forma de aumentar as vendas de seus milk-shakes. Iniciou sua empreitada, utilizando análises tradicionais de marketing, analisou os dados demográficos de consumidores, tentando descobrir se existiam características que ajudassem a entender quem eram as pessoas que compravam o produto, se eram apenas jovens, ou apenas idosas, mas não parecia haver nenhuma correlação ou tendência que pudesse gerar algum insight para se criar um plano efetivo de aumento das vendas

Realizaram pesquisas com grupos selecionados de consumidores, os famosos focus-group, perguntando a eles o que achavam que deveria ser melhorado no produto. As pessoas pesquisadas listavam características que elas entendiam que poderiam ser melhoradas. Mas após aplicar essas melhorias, as vendas de milk-shakes não aumentavam.

Contrariados com o resultado das mudanças, e com o tempo gasto em pesquisas e adaptações no produto sem sucesso, resolveram chamar Clay Christensen, professor da Harvard Business School, que, observando e conversando com clientes que compravam milk-shakes, conseguiu informações muito mais valiosas. Nesse levantamento, descobriram que, pelo menos metade dos milk-shakes eram comprados de manhã, por pessoas que pegavam a bebida e iam embora de carro.

Durante as conversas com alguns desses clientes, descobriram o porquê estavam comprando o milk-shake. Essas pessoas levavam muito tempo para chegar ao trabalho, e ficavam muito tempo dentro do carro, no trânsito ou em deslocamento pelas estradas. O milk-shake estava cumprindo a função de alimentar, ao mesmo tempo que gerava uma distração durante o percurso, por ser algo que leva mais tempo para ser consumido, por conta de sua viscosidade. Além disso, tinha vantagens sobre outros alimentos, por não deixar cheiro no carro, não gerar sujeira e não derramar tão facilmente.

Com as informações em mãos, o McDonald’s começou a produzir milk-shakes mais densos, para que durassem mais tempo, além de outras mudanças que levavam em consideração a real função do produto, como alterações na embalagem para facilitar o transporte, canudos mais espessos para comportar a nova densidade do produto, etc. Essas alterações, fizeram com que as vendas de milk-shakes quadruplicassem. Meus amigos, vocês têm noção do que é isso?! Um dia eu ainda vou conseguir quadruplicar meu salário, usando essas técnicas!

JTBD através dos Milk-Shakes

Em época de consumidores cada vez mais exigentes, é muito importante alinhar as expectativas do consumidor em relação ao que busca de benefícios de um determinado produto ou serviço, com os objetivos da empresa e, o mais importante, com a função que esse produto ou serviço terá para esse consumidor. É essencial estar atento à resposta do consumidor, em cada momento de interação com o produto ou serviço e estar aberto às adaptações. Velhas máximas como “Em time que está ganhando não se mexe”, devem ser substituídas por “Em time que está ganhando, sempre cabe alguém com mais gás, para poder ajudar o meu time ganhar com um placar ainda mais elástico”. 

Criar a missão da marca não é tão fácil quanto parece. É difícil resumir, em uma única afirmação, por que sua marca deve existir, especialmente se você deseja que ela seja, ao mesmo tempo, inovadora e impactante. Se você tem dificuldades para declarar a missão de sua marca, saiba que não é o único. Jack e Suzy Welch realizaram um seminário anual de dois dias durante três anos consecutivos com cerca de 100 CEOs. Para a surpresa deles, 60% dos CEOs admitiram não ter uma declaração de missão da empresa. Para os outros 40%, as declarações de missão eram, em sua maior parte, elaboradas a partir de modelos padronizados e caracterizadas pelo uso de jargão sem qualquer significado.

Kotler, Philip. Marketing 3.0. 2010, Elsevier Editora.

Toda mudança requer uma nova interação e retroalimenta o processo, então esse trabalho deve ser constante e conceitos como os de Melhoria Contínua em linhas de produção, devem ser trazidos para o mundo da análise do comportamento do consumidor e desenvolvimento de produtos e serviços. Métodos tradicionais de pesquisa ainda são extremamente relevantes, mas devem ser adaptados e ser usados em conjunto com novas ferramentas para potencializar ainda mais os resultados desejados.

Casos como esse, nos mostram que não precisamos lidar com problemas muito complexos ou trabalharmos em uma grande empresa para aplicar o conceito de jobs-to-be-done. Essa técnica pode ajudar a enxergar o mercado de uma forma que os concorrentes não conseguem, aproveitando as oportunidades que outros não estão atacando. Também ficou comprovado que o método científico pode e deve ser usado para lidar com problemas empresariais, criando hipóteses e observando os agentes que interagem para sua confirmação ou rejeição.

Esses conceitos são válidos em qualquer área da nossa vida, seja ela profissional, pessoal ou estudantil. Avaliar de tempos em tempos qual o nosso job-to-be-done, em cada uma dessas áreas, nos ajudam a ter uma visão diferenciada sobre o assunto, trazendo uma grande vantagem competitiva. Um estudante que consegue entender a função de uma disciplina ministrada no curso universitário, sai na frente em relação aos outros, porque consegue adaptar seus estudos para maximizar os benefícios que aquele disciplina traz em sua vida.

Quando um pai consegue entender sua real função nesse papel que é tão importante para os filhos, ele consegue atuar na educação, na disciplina, nas brincadeiras, no afeto e na formação do ser humano, preparando-o da melhor maneira possível para o futuro.

Um profissional preparado e antenado a esses conceitos, consegue compreender sua relevância para empresa, cuidando de seu desenvolvimento profissional, buscando cursos, sejam pagos ou livres, ficando preparado para as mudanças, tento maior capacidade de adaptações às mudanças.

Em resumo, jobs-to-be-done se trata da função que nosso produto ou serviço está cumprindo. Neste caso, é muito importante descobrirmos essa função, antes mesmo de definirmos as características do produto ou do serviço. Técnicas de Value Proposition Canvas e Challenge Map, podem nos ajudar nessa jornada. O mais importante é, quando formos conversar com nossos clientes, mudarmos nossa pergunta de “o quê?” para aquela que moveu e continuará movendo a humanidade “por quê?”!

E você, já descobriu qual é seu job-to-be-done?