“Se ninguém me pergunta, eu o sei; mas se me perguntam, e quero explicar, não sei mais nada.” [1]

Em nossas referências culturais mais primitivas aprendemos uma palavra muito forte, balizadora, aquela que elucidada, ilumina, uma palavra que se opõe a toda e qualquer falsidade; a Verdade. De fato, o valor dessa palavra nos parece bem claro. Afinal, não há dúvida nessa premissa – ela é intransponível, imutável, absoluta, e portanto eterna.

A nossa salvação

Essa pequena palavra é vista como como uma vela em meio a escuridão. Jesus nos diz; “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” [2]. Portanto, esse conhecimento vivo transforma, e como luz do mundo dissipa toda escuridão, nos proporcionando o caminho para a salvação.
Apesar dessa aparente objetividade, é comum que se concorde que ela não está acessível à percepção. Então, ela consistiria em um plano ideal, metafísico, destacado da realidade física, material, corruptível.
Esse conceito foi difundido na cultura ocidental através da filosofia fundamentada em Platão e iniciada por Sócrates, apropriado pela teologia cristã com a qual convivemos ainda hoje. Mas, a nossa forma de pensar se transformou muito após o Iluminismo.
Algumas interpretações da relação entre ciência e religião buscam unir objetivos, sendo a ciência uma ferramenta para leitura e interpretação da realidade, auxiliando a religião em busca dessa resposta.

A morte de Deus

O conhecimento desenvolvido pelas ciências naturais fez com que muito do conhecimento até então estabelecido fosse derrubado. Em outras palavras, a cultura moderna “matou Deus” [3] através da tecnociência, quando retiraram dele a objetividade de seu “significado”.
Para o filósofo da dúvida, a interpretação da realidade dividida entre o plano material e o metafísico, sendo um o reflexo embaçado do outro, acabou por impedir que enxergássemos a realidade em si. Incapazes de suportar a característica trágica da vida, buscamos sua significação no além-mundo, numa salvação posterior à morte.
Com a ciência moderna, assim, o homem não precisaria mais de Deus para explicar a sua existência. Porém, essa aparente ausência de significado seria responsável por nos esvaziar completamente, culminando no niilismo [4].

A Teoria de Tudo

Se por um lado até o século XIX o universo era interpretado por uma chave objetiva, determinística, a ciência moderna passou por uma transvaloração desses conceitos com o advento da mecânica quântica.
Na física Newtoniana se pensava que, conhecendo a velocidade, massa e direção do movimento de cada partícula do universo, reescreveríamos toda a sua história passada, presente e futura. Mas aquilo que parecia uma questão resolvida foi revirada ao avesso com o princípio da incerteza, entre outras novas considerações da ciência moderna.
Apesar disso, a famosa frase do Einstein “Deus não joga dados” ainda reverbera de certa forma no meio acadêmico. A busca de uma teoria que unifique todas as forças físicas conhecidas (nuclear fraca e forte, eletromagnética e gravidade) para alguns se demonstra como um caminho mais claro para esse objetivo. Por outro lado, junto ao avanço do conhecimento maior se torna a fronteira para o desconhecido.

Além do ser humano

Nietzsche nos apresenta a característica trágica da vida não como uma limitação, mas como máxima para transvaloração e criação de significados. Assim sendo, não existindo uma substância destacada da vida, ou seja, da matéria, seria nela e através dela que devemos construir a nossa subjetividade.
Sartre, na década de 50, nos diz que a nossa existência precede a essência [5]. Portanto, a essência da vida, ou o seu significado, depende daquilo que escolhemos para cada um de nós, e não de um enunciado metafísico, supostamente divino.
A vida, nesse contexto, se afirma através da sua qualidade mutável, contingente, trágica. Para que possamos viver essa vida de uma forma plena seria necessário ultrapassar o que entendemos ainda hoje por ser humano, tomando a responsabilidade Ética da nossa existência e afeto no campo social.

Reinterpretação das questões

A Verdade é entendida, dado todo esse contexto histórico, filosófico e científico, como um conceito. Ou seja, tendemos a dizer que algo é verdadeiro quando o enunciado de nossa fala parece refletir aquilo que observamos no universo com o qual temos contato. Todavia, a nossa linguagem, seja ela filosófica ou científica, não possui correlação direta e com o objeto material de sua deliberação.
As palavras são a “identificação do não idêntico” [6]. Isto é, elas buscam elaborar conceitos organizados pela gramática, a fim de descrever a realidade, mas nunca atingem a qualidade do objeto da realidade. Da mesma forma, os números estão na matemática para a linguagem física.
Se quisermos explicar o que uma palavra ou um número significa, precisamos de outras palavras que os qualifiquem, e o mesmo se dará para os seus “significados”. Assim, será que findamos os nossos esforços para chegar à perspectiva relativista, ou seja, a pós-verdade?

Renovando perspectivas

O espírito científico, como desenvolve Sagan, nos leva à madura humildade [7]. Em outras palavras, Caio Fábio [8] diz que a espiritualidade contida na ciência é vista na sua profunda relação com a compreensão das nossas limitações.
Assim, podemos tirar de foco esse ideal para nos abrir à oportunidade de significar essa busca através das questões que elaboramos. Com efeito, o resultado pouco importa (42), mas sim o ato de pensar, questionar, desenvolver as melhores perguntas para, assim, criar conhecimento através da nossa ignorância.
Desse modo, devemos pensar esse exercício como uma Ética. Afinal, a melhor forma de conduzir a nossa busca não estaria estabelecida em dogmatismos, sejam eles científicos ou religiosos, mas através do livre pensamento atrelado à prática da vida em sociedade.
Ao final, o que é a verdade para você?

Referências:

[1] Santo Agostinho – Confissões (397-400)
[2] João Evangelista – Bíblia, João 8:32 (final do século I)
[3] Friedrich Nietzsche – A Gaia Ciência (1882)
[4] Friedrich Nietzsche – Fragmentos Póstumos (1887)
[5] Jean-Paul Sartre – O Existencialismo É um Humanismo (1948)
[6] Viviane Mosé – Nietzsche e a grande política da linguagem (2005)
[7] Carl Sagan – Pálido Ponto Azul (1994)
[8] Democracia na Teia – Espiritualidade cristã | Caio Fábio (2019), disponível em <https://youtu.be/xYFf6LPOknQ>