Por toda nossa vida, iremos passar pelas mais variadas doenças e condições de saúde. Isso é normal mesmo para um ser humano saudável. Algumas vezes, devemos aprender a conviver com transtornos ao longo de nossa vida. Porém, poucos casos conseguem ser tão incapacitantes do ponto de vista nutricional quanto a intolerância ao glúten. Principalmente levando em consideração a maneira como os produtos são feitos hoje em dia.

No assunto de hoje, quero chamar a atenção à doença celíaca. Afinal, o que é a intolerância ao glúten? Todo mundo é celíaco em algum grau? Como é a cozinha moderna aos olhos do portador da doença celíaca? É o que vamos ver agora!

A doença celíaca é uma transtorno que envolve intolerância ao glúten, que é uma proteína presente em malte, centeio, cevada e trigo [1]. Geralmente é caracterizada com inflamações sistêmicas no trato gastrointestinal quando os órgãos digestivos entram em contato com o componente, causando uma série de reações inflamatórias. Algumas vezes essas reações chegam a ser incapacitantes.

O glúten é um conjunto complexo de proteínas que possuem solubilidade em etanol [6]. Essa porção é chamada de prolamina, enquanto as partes não solubilizadas são conhecidas como gluteninas. A parte prolamina é tóxica para os celíacos, mas recebe denominações diferentes de acordo com o grão de origem. No trigo, é conhecida como gliadina; na aveia é avenina; no centeio são secalinas; e na cevada são hordeínas.

Essa substância possui capacidade de formação de liga em massas diversas, por isso é tão importante na indústria alimentícia. A doença se manifesta em indivíduos geneticamente predispostos conjuntamente com fatores ambientais, como alimentação rica na molécula.

Há uma grande gama de manifestações dos sintomas dessa doença. Geralmente envolvem o trato gastrointestinal, mas também envolve a pele, o fígado, sistema nervoso, reprodutivo e nossas glândulas [1]. Pode levar a atrofia das vilosidades no intestino, causando a má absorção e distúrbios no sistema digestório. Também é comum que cause dermatite herpetiforme, gerando vermelhidão, inchaço e coceira na pele assim que o celíaco ingere glúten.

Quando não tratada, a doença celíaca pode levar a complicações mais sérias e de alta mortalidade. Geralmente ocorrem transtornos como anemia, osteoporose, infertilidade e cânceres como o linfoma intestinal [2]. O resguardo mais efetivo, geralmente, é a retirada completa do glúten na dieta da pessoa celíaca.

 

Imagem um. Especialistas alertam sobre os riscos de refeições sem glúten para indivíduos não celíacos [3]. As opções podem ser mais ricas em açúcares e gorduras, bem como não carrear nutrientes essenciais como ferro, zinco, potássio e vitaminas. Ao invés de cortar, os mesmos reiteram a alimentação de glúten com mais fibras, como pão integral. Na imagem, podemos observar diversos pães morenos e um maior dividido em fatias.

Há muita confusão sobre ser celíaco ou não. Muitas pessoas confundem a condição com a intolerância ao glúten, que também traz diversos problemas ao organismo [4]. O intolerante não consegue digerir glúten em seu estômago, causando distensão abdominal, diarreia, vômitos e irritabilidade. Você pode ser intolerante com algum grão em especial, mas não significa necessariamente que você será celíaco.

Os sintomas do celíaco englobam todos esses, mas conseguem ser mais severos ainda. Por isso que muitos intolerantes temem ficarem celíacos, apesar de essa condição ser genética. O intolerante ao glúten pode sentir os efeitos inflamatórios mais rapidamente, mas com grau de severidade menor que o celíaco. De qualquer forma, ambos necessitam de cuidados especiais na alimentação.

Não é só evitar o trigo para não ter glúten na comida, mas também aveia, cevada, centeio, etc. É muito difícil qualquer produto industrializado não ter nenhum desses componentes, em vista da importância deles como cereais. Mesmo produtos que não contém glúten, ainda assim podem ter sofrido de contaminação cruzada [2]. Esse fenômeno ocorre quando equipamentos, máquinas e utensílios são utilizados para fazer dois componentes, transportando microrganismos, moléculas e outros riscos de um para outro.

Mesmo dentro de hospitais a contaminação cruzada ainda pode ocorrer, causando mais transtornos ao paciente celíaco [2]. Restaurantes e lanchonetes compartilham diversos itens para fazer alimentos para celíacos e não celíacos, diminuindo a capacidade de escolha dessas pessoas para refeições seguras.

Em uma pesquisa acadêmica, eu me lembro de ter procurado produtos sem glúten de marcas famosas. Todo produto deve indicar de maneira visível a presença ou não de glúten, como preconiza a lei 10.674/2003 [7]. Em um certo produto, a parte da frente salientava a ausência de glúten. Porém, a parte de trás, em letras miúdas, indicava que o alimento podia ter glúten!

Isso ocorre por causa da contaminação cruzada, indicativo de baixa qualidade em segurança alimentar dessas indústrias. O risco é bem alto para portadores de doença celíaca, cuja mínima presença desse componente, mesmo não intencional, pode levar ao hospital.

 

Imagem dois. A reportagem de São Paulo Secreto reforça a presença de mais de 60 marcas especializadas em produtos glúten free na Feira Sem Glúten [5]. O evento reúne empreendedores da área e público com restrição ou não. Na imagem, podemos observar um produto com formato de coelho em uma caixa com tampa aberta e fita dourada, e alguns doces com farelo branco embalado com pacote transparente e fita dourada. Ambos possuem adesivo de “feliz páscoa” presos por um barbante. Foto divulgação/Busy Bee padaria sem glúten.

A qualidade do trigo para panificação, por exemplo, é muito influenciada em virtude da quantidade de glúten presente na farinha. Características como viscosidade, farinografia (resistência da farinha) e extensografia (propriedade de alongamento da massa) são desejáveis e influenciadas pela quantidade de glúten presente na amostra [6]. Essas propriedades são importantes à indústria de alimentos como um todo.

Por isso esta proteína em alta quantidade é tão importante em produtos geneticamente modificados. Mas esse também é o motivo de tantas pessoas estarem descobrindo intolerância ao glúten, o que as faz se identificarem como celíacos. Esse comportamento tem modelado todo um mercado de produtos especializados glúten free.

As opções de produtos glúten free geralmente tentam diversificar a farinha do trigo com combinação de outras farinhas. Algumas opções substitutivas são a farinha de arroz, fécula de mandioca e até mesmo a de pipoca (lembra dela aqui?). Isso tem fomentado um riquíssimo mercado criativo e artesanal que transforma, inclusive, restaurantes, empórios e feiras orgânicas.

Viver como um celíaco é superar desafios todo dia. Uma conhecida minha não podia passar próxima da padaria, pois o simples fato de sentir o cheiro de pão podia desencadear uma séria reação alérgica. Em eventos envolvendo comida, a mesma sempre tinha que levar sua própria marmita, pois, apesar das intenções, sempre havia a possibilidade de contaminação cruzada nos produtos feitos por outra pessoa. 

Além do fator psicológico, há também a parte financeira. Produtos glúten free são em média 44% mais caros que as versões com a proteína. Isso tudo também levando em consideração a contaminação cruzada que pode ocorrer nos produtos industrializados, como macarrão e outras massas. Ser celíaco é estar simbolicamente cerceado por diversos fatores.

Dar publicidade sobre alergia e intolerância ao glúten é algo extremamente importante nos dias de hoje. Saber reconhecer as dificuldades é o primeiro passo para transformar os espaços para nossos conhecidos celíacos. E existem pequenos cuidados que podem transformar nossas interações com o estigma.

Ao sair em eventos com celíacos, busque com a pessoa sobre locais que elas sabem serem seguros. Saiba reconhecer a contaminação cruzada, propícia em qualquer restaurante ou parque gastronômico. Não deixe de oferecer opções que envolvam comida caseira, mas sempre lave bem os utensílios antes de utilizá-los!

Acima de tudo, proponha receitas que sejam tão gostosas quanto aquelas com glúten. Na internet, encontramos opções de pães de queijo, pizza e até bolo sem o componente. Integrar nossas opções é uma atitude pequena, mas que fará com que a pessoa celíaca reconheça nossos esforços e coma bem!

O que acharam desse texto? Conhece alguém que se encontra nessa condição? Busque mais sobre essa doença e comente suas impressões aqui em baixo. Até a próxima!

 

Referências
[1]: SILVA, Tatiana Sudbrack da Gama; FURLANETTO, Tania Weber. Diagnóstico de doença celíaca em adultos. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 56, p. 122-126, 2010.
[2]: MOREIRA, Inaê Corrêa. Riscos de contaminação cruzada por glúten em serviço de nutrição hospitalar que fornece preparações para portadores de doença celíaca: um estudo de caso. Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grando do Sul (UFRGS), v.1, 40 p. 2024.
[3]: MEIRELES, Claudia. Entenda como a dieta sem glúten pode ser um vilão para não celíacos. Portal Metrópoles, 08 fev. 2024. Disponível aqui.
[4]: LEMES, Erick de Oliveira; LUCENA, Amanda Ferreira; MOREIRA, Kátia Merces; GEREMIAS, Larissa Soares; ALVES, Nathalia Assis. Pesquisa sobre a Intolerância, Diagnóstico e Alternativas para os Pacientes com Intolerância ao Glúten. Ensaios e Ciência C Biológicas Agrárias e da Saúde, [S. l.], v. 23, n. 1, p. 40–46, 2019.
[5]: TRECCO, Giulia. Feira Sem Glúten reúne mais de 60 marcas com opções seguras para quem tem restrição alimentar. Portal São Paulo Secreto, 22 mar. 2024. Disponível aqui.
[6]: SCHEUER, Patrícia Matos et al. Trigo: características e utilização na panificação. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, v. 13, n. 2, p. 211-222, 2011.
[7]: BRASIL. Lei nº 10.674, de 16 de maio de 2003. Obriga que os produtos alimentícios comercializados informem sobre a presença de glúten, como medida preventiva e de controle da doença celíaca. Casa Civil, Brasília. 16 mai. 2003.