Já viu um líquido magnético? E se esse líquido for um dos nossos gases da atmosfera? Como isso pode ser real? Vem ler o texto que te explico as propriedades magnéticas e o que elas têm a ver com ligações químicas.

Primeiramente vamos à motivação desse texto: gases liquefeitos.

Nitrogênio (N2) líquido é sempre um show à parte quando usado, seja em laboratório seja até mesmo em cozinha (na chamada gastronomia molecular). Agora vou te introduzir a mais um desses gases liquefeitos: oxigênio (O2) líquido.

Essas substâncias são interessantes, pois como a temperatura necessária para liquefazer tais gases é muito menor que a temperatura ambiente, assim que o recipiente é aberto o processo de evaporação inicia e vemos seu vapor rapidamente se formando. Mas hoje vou mostrar uma propriedade ainda mais interessante do que somente a temperatura.

Na figura abaixo, nitrogênio líquido é derramado entre dois polos de um imã.

Descrição do gif: Nitrogênio líquido apresentando o efeito de diamagnetismo quando colocado sob um campo magnético. [Fonte]

Parece que nada acontece. O líquido passa direto, assim como se você jogasse água entre os polos de um imã. Porém, veja o que ocorre ao derramar oxigênio líquido entre os polos desse mesmo imã, na figura abaixo.

Descrição do gif: Oxigênio líquido apresentando o efeito de paramagnetismo quando colocado sob um campo magnético. [Fonte]

O líquido fica suspenso entre os polos. E irá permanecer lá até que todo ele evapore.

Isso acontece devido às características magnéticas do O2! Mas calma lá que o N2 também não é inerte ao campo magnético… Em maior ou menor grau, todas as substâncias apresentam alguma resposta na presença de um campo magnético e existem três tipos de respostas: diamagnetismo, paramagnetismo e ferromagnetismo.

 

As propriedades magnéticas

Mas por que existem essas diferentes propriedades magnéticas? Primeiramente, vamos lembrar que a movimentação de cargas elétricas gera um campo magnético. Dessa forma, a movimentação natural dos elétrons gera um campo magnético intrínseco ao átomo, que irá interagir com campos externos que sejam aplicados.

A quantidade de elétrons nos átomos irá produzir diferentes efeitos, uma vez que o campo magnético intrínseco será diferente para cada tipo de átomo. Se pensarmos na acomodação dos elétrons em camadas, temos que camadas completas sempre irão apresentar o efeito de diamagnetismo. Por outro lado, os efeitos de paramagnetismo e ferromagnetismo ocorrem em moléculas que têm camadas incompletas, ou seja, moléculas que apresentam elétrons desemparelhados e, portanto, momento de dipolo magnético permanente.

O diamagnetismo ocorre quando a aplicação de um campo magnético modifica o movimento orbital dos elétrons. Essa modificação do movimento gera um momento de dipolo magnético que aponta no sentido contrário do campo magnético aplicado, fazendo com que o material seja repelido pelo sistema que produz o campo magnético.

Como este efeito ocorre nas camadas completas dos átomos, todos os materiais o apresentarão, por isso considera-se que o diamagnetismo é uma resposta universal à aplicação de um campo magnético externo. Porém, a intensidade desse efeito é muito baixa e só é possível ser observada em substâncias em que os demais efeitos não estejam presentes.

No caso da imagem com o N2 líquido passando pelo polos de um imã, não parece ter acontecido uma repulsão, por isso vamos ver um experimento que ilustra melhor o efeito diamagnético.

O experimento consiste numa peça de vidro em formato de halter pendurada por um fio e cheia de água (que, assim como o N2, também é uma substância com propriedade diamagnética). Um imã é aproximado da peça sem que haja contato.

Descrição do gif: A peça de vidro em formato de halter está cheia de água pendurada por um fio e inicialmente imóvel. Com a aproximação de um imã e sem que haja contato com a peça de vidro, a mesma se move devido à repulsão gerada pelo efeito diamagnético da água. [Fonte]

A aproximação do imã aplica um campo magnético sobre a água, que é repelida devido ao efeito diamagnético. Apesar de não conseguirmos observar, esse mesmo efeito ocorreu com o N2 passando entre os polos do imã na primeira imagem desse post.

Já o paramagnetismo ocorre como resposta da aplicação de um campo magnético em materiais que possuem átomos com momento de dipolo magnético permanente em quantidades baixas.

Esse momento de dipolo magnético permanente tende a se alinhar paralelamente e no mesmo sentido do campo aplicado, originando um momento de dipolo magnético total mais forte que o momento gerado pelo efeito diamagnético. Dessa forma, na maioria dos casos, a resposta paramagnética é dominante e o material tende a ser atraído pelo sistema gerador do campo magnético aplicado.

É esse efeito que observamos no experimento com O2. Quando o líquido é derramado entre os polos do imã, o mesmo é atraído pelo campo magnético e fica suspenso.

Esses efeitos magnéticos não são exclusivos das substâncias no estado líquido, podemos observar, por exemplo, o efeito paramagnético com O2 gasoso no experimento abaixo.

Descrição do gif: Efeito do paramagnetismo do oxigênio em forma gasosa. [Fonte]

Com a aproximação do imã, devido à propriedade paramagnética, há a atração da bolha cheia de O2.

No caso de materiais paramagnéticos, com a remoção do campo magnético externo, os momentos magnéticos atômicos se desalinham (devido à agitação térmica das moléculas) e o material deixa de se comportar como um imã.

Por outro lado, em materiais que apresentam alta concentração de átomos magnéticos, os momentos magnéticos permanentes destes podem interagir entre si, levando à um alinhamento espontâneo, gerando o efeito de ferromagnetismo.

Materiais ferromagnéticos apresentam comportamento de imãs, mesmo sem a aplicação de um campo magnético externo, devido ao forte momento de dipolo gerado pelo alinhamento dos momentos magnéticos atômicos.

 

Elétrons desemparelhados

Talvez agora você esteja se perguntando sobre os elétrons desemparelhados nas moléculas e como isso pode ser possível.

Bom, voltando ao que vimos sobre modelos de ligação química aqui e aqui, podemos pensar nas estruturas de Lewis do N2 e do O2:

Descrição da imagem: Estrutura de Lewis (a) Nitrogênio molecular – N2; (b) Oxigênio molecular – O2.

 

De forma a completar a regra do octeto, a molécula de N2 apresenta tripla ligação enquanto a molécula de O2 apresenta dupla ligação, indo de acordo com o comprimento e força da ligação entre os átomos obtida experimentalmente.

Para explicar as ligações múltiplas juntamente com a geometria de tais moléculas, vamos relembrar a teoria do orbital atômico, a qual envolve as ligações de valência e a hibridização.

Para o N2, como temos uma ligação tripla, precisamos de dois orbitais p em cada átomo que irão se sobrepor lateralmente para a formação das ligações pi. Assim, o orbital p restante irá se hibridizar com o orbital s da mesma camada, gerando dois orbitais degenerados sp.

Um destes orbitais estará preenchido (são os elétrons não-ligantes que vemos em cada átomo de nitrogênio na estrutura de Lewis) e um deles estará com um elétron desemparelhado disponível para uma ligação sigma com o outro átomo de nitrogênio.

Para o O2, temos uma ligação dupla entre os átomos, logo precisamos de somente um orbital p que irá se sobrepor lateralmente para a formação da ligação pi. Dessa forma, os dois orbitais p restantes irão se hibridizar com o orbital s da mesma camada gerando três orbitais degenerados sp2.

Dois destes orbitais estarão preenchidos (são os elétrons não-ligantes que vemos em cada átomo de oxigênio na estrutura de Lewis) e um deles estará com um elétron desemparelhado disponível para uma ligação sigma com o outro átomo de oxigênio.

Essa explicação é esquematizada nos diagramas de energia para cada átomo:

Descrição da imagem: Diagrama de energia pela Teoria da Ligação de Valência para: (a) átomo de nitrogênio; (b) átomo de oxigênio.

 

Em ambos os casos, de início tudo parece bem explicado, porém com um pouco mais de atenção percebemos que o preenchimento dos orbitais parece estranho, pois para que haja orbital híbrido disponível para ligação sigma, os orbitais p de mais alta energia precisam ser preenchidos primeiro. Além disso, temos o fato experimental de que o O2 é paramagnético, logo a molécula tem elétrons desemparelhados, o que, como acabamos de ver, não foi explicado pela Teoria da Ligação de Valência.

Aqui, o elétron desemparelhado no orbital 2sp2 de um átomo formaria a ligação sigma com o elétron desemparelhado do mesmo orbital do outro átomo e o elétron do orbital p de um átomo formaria a ligação pi com o elétron do orbital p do segundo átomo. Com isso, a molécula formada não terá elétrons desemparelhados, ou seja, o paramagnetismo do O2 contradiz as descrições de Lewis e da ligação de valência.

Como explicar isso? Através de mais um modelo de ligação química, detalhado através da Teoria do Orbital Molecular! Esse modelo utiliza a propriedade ondulatória dos elétrons descrevendo o volume no espaço em torno da molécula, em que os elétrons podem ser encontrados. Mas como esse texto já está grande, te espero com a explicação dessa nova teoria no próximo.

Até mais!

 

Referências:

ATKINS, P.; JONES, L. Princípios de Química: Questionando a Vida Moderna e o Meio Ambiente. 3a ed. Bookman, 2006.

ARAUJO, M. P. Teorias de ligação.

AYALA, J. D. Teoria do Orbital Molecular.

BRONDANI, P. B. De Orbitais Atômicos a Orbitais Moleculares: Explicando Ligações Químicas e Polaridade.

PUREUR, P.; SILVEIRA, F. L. Diamagnetismo, paramagnetismo e ferromagnetismo.

SENESE, F. How do I explain bonding in O2 using hybridization?