O grafite do lápis, o carvão do churrasco e o diamante naquele anel caro são feitos exclusivamente do mesmo tipo de átomo: carbono. Mas como compostos formados somente com um tipo de átomo podem ter propriedades tão diferentes um do outro? É isso que você vai começar a descobrir nesse texto!

Alotropia

Alotropia pode ser definida como a propriedade que alguns elementos químicos têm em existir em diferentes formas com, consequentemente, diferentes propriedades físico-químicas, somente dependendo do arranjo dos átomos e/ou número de átomos existentes na estrutura. Um exemplo simples são os alótropos de oxigênio, O2 (gás oxigênio) e O3 (ozônio), que, apesar de serem formados somente por átomos de oxigênio, apresentam diferentes propriedades devido à quantidade de átomos conectados para formar uma molécula.

Diversos elementos exibem alotropia, uma vez que há vários jeitos nos quais os átomos podem ser ligados para formar moléculas e diferentes jeitos nos quais as moléculas podem ser arranjadas para formar estruturas maiores. Porém, as formas alotrópicas do carbono são as mais estudadas, devido ao grande número e variedade dos compostos formados.

Quando os átomos, íons ou moléculas que formam um sólido estão em posições aleatórias, sem uma ordem que possa ser observada a longa distância, o sólido é chamado de amorfo (sem forma). Por outro lado, quando há um arranjo ordenado, de forma que seja possível observar a mesma ordem nas posições dos átomos, íons ou moléculas, independente da região do sólido, este é chamado de sólido cristalino.

Na natureza são encontrados ambos os tipos de alótropos de carbono:

  • amorfos: negro de fumo, fuligem, coque e carvão
  • cristalinos: grafite, diamante e fulerenos

Absolutamente todos esses materiais são formados somente de átomos de carbono, mas apresentam características totalmente diferentes uns dos outros!

 

Diamante

Diamantes são materiais transparentes com alto índice de refração, isolantes elétricos e um dos melhores materiais condutores de calor. Ainda, diamantes são os materiais mais duros naturalmente formados, por isso diamantes sintéticos são usados até mesmo para proteger brocas de perfuração; além de apresentarem o ponto de fusão mais alto de todas as substâncias conhecidas (aproximadamente 3500°C).

Diamantes são materiais inertes a praticamente todos os ambientes químicos, com exceção da oxidação. Em oxigênio puro, o início da oxidação do diamante se dá a temperaturas relativamente baixas (250°C), sendo que se for aquecido até sua temperatura de fusão, o diamante irá reagir e formar CO2.. Por outro lado, grafite será formado se a fusão ocorrer sem a presença de O2; dessa forma, não existe diamante líquido, pois ao se fundir, o material se decompõe.

 

Grafite

O grafite, o componente mais importante da “mina” dos lápis, é um sólido opaco, negro, lustroso e condutor elétrico. Só é observada fusão do grafite à pressão de 100 atm (aproximadamente a 3900°C), sendo que à pressão ambiente não há fusão, o grafite sublima a 3700°C.

Ainda, o grafite é macio, escorregadio e um dos materiais mais inertes que existem. Porém, impurezas quase sempre estão presentes em algum grau, podendo ter algum efeito na reatividade química. Assim como o diamante, o grafite pode sofrer oxidação, sendo que na presença de ar, gera CO e CO2, mas aqui essa reação se inicia entre 350 e 400°C.

 

Carvão

Um exemplo de alótropo amorfo de carbono são os carvões, tanto o vegetal usado na churrasqueira e em filtros de água (após o processo de ativação), quanto o mineral usado em indústrias como fonte de energia (apesar de ser um combustível fóssil).

Carvões e outros alótropos amorfos de carbono não possuem formas geométricas características e seus pontos de fusão normalmente são intervalos relativamente grandes.

 

Ligações químicas

Um modelo pode ser definido como uma descrição simplificada de um sistema ou fenômeno físico e/ou uma ferramenta que pode ser utilizada como base para o desenvolvimento de explicações de tais fenômenos. Devido ao caráter dinâmico da ciência, os modelos podem se modificar ao longo do tempo, ou seja, novos modelos podem ser criados para explicar mais profundamente o mesmo sistema ou fenômeno.

Isso não invalida, obrigatoriamente, o modelo antigo, mas o torna limitado, como vocês vão perceber ao longo da explicação a seguir. Para chegar ao nosso objetivo de entender como materiais com propriedades tão diferentes são feitos do mesmo tipo de átomo, precisamos conhecer um pouco sobre alguns modelos de ligação química.

Quando pensamos em ligação química é bastante comum pensarmos inicialmente no modelo de ligação iônica, pois parece mais simples pensarmos na atração entre uma carga positiva (cátion) e uma carga negativa (ânion). Porém, esse tipo de ligação não ocorre para todos os tipos de elementos.

Em seu estado natural, os átomos são eletricamente neutros, sendo necessária uma energia para que cátions e ânions sejam formados. Ainda, para um composto iônico, a diferença entre a energia gasta para formar os íons e a energia liberada para formar o composto iônico deve ser menor que a energia dos átomos eletricamente neutros gasosos.

Se você já estudou propriedades periódicas dos elementos, talvez se lembre dessas energias para a formação de cátions e ânions:

  • Energia ou Potencial de Ionização: energia mínima necessária para que um elétron seja retirado de um átomo isolado no estado gasoso (ou seja, formação de um cátion).
  • Eletroafinidade: energia liberada por um átomo isolado no estado gasoso ao receber um elétron (ou seja, formação de um ânion).

Pensando na tabela periódica, sabemos que ambas as energias aumentam quanto mais à direita. Tipicamente, somente os elementos metálicos têm energias de ionização baixas o suficiente para que seja favorável a formação de cátions. Isso significa que é mais fácil produzir cátions a partir de metais e ânions a partir de não-metais.

Tabela periódica dos elementos químicos com indicação de duas propriedades: energia de ionização e afinidade eletrônica.

 

Por isso, o modelo de ligação iônica é uma boa descrição para a interação entre esses tipos de íons.

Agora você pode estar pensando: “Se não-metais têm energias de ionização tão altas e não conseguem formar cátions, como se dá a interação entre dois átomos de não-metais para formar um composto?”. A partir dessa questão foi proposta a ligação covalente, em que há compartilhamento de elétrons.

Essa explicação ainda é dada pelo modelo de Coulomb da interação entre cargas elétricas opostas, mas aqui os elétrons de ambos os átomos interagem com ambos os núcleos. Dessa forma, nenhum dos átomos perde totalmente um elétron, não sendo necessário o recebimento da totalidade da energia de ionização por nenhum dos átomos, como ocorre para a formação de um cátion.

Um ponto que ocorre em ambos os modelos de ligação é a regra do octeto que é a ideia de que os átomos tendem a atingir a configuração de gás nobre, ou seja, têm sua última camada completa com oito elétrons (com exceção de H, Li e Be que completam sua camada com dois elétrons), sendo que, no caso da ligação covalente, o octeto (ou dubleto) é completado pelo compartilhamento de elétrons entre os átomos. Essa camada é chamada de camada de valência e, em geral, a valência de um átomo é igual ao número de ligações que ele pode formar.

De início, a explicação de ligação covalente é boa, mas precisamos de mais modelos que expliquem outros detalhes. Por exemplo, juntamente com a proposição da ligação covalente, Lewis propôs uma forma de indicar os átomos que se ligam e quais têm elétrons isolados, mas a estrutura de Lewis não retrata a forma da molécula, por exemplo.

Um átomo de flúor tem sete elétrons na última camada e utiliza mais um para completar o octeto. Isto pode acontecer pelo compartilhamento de um elétron fornecido, por exemplo, por outro átomo de flúor. Os círculos foram desenhados em torno de cada átomo de F para mostrar que cada um adquire um octeto pelo compartilhamento de um par de elétrons. Ao final é mostrada a estrutura de Lewis para a molécula de F2 formada, na qual ligações covalentes (par de elétrons compartilhados) são descritas com uma linha e pares isolados como pares de pontos.

 

Visando a ampliação da teoria das ligações químicas foi proposto o modelo da Repulsão dos Pares de Elétrons da Camada de Valência (RPECV), o qual é usado para deduzir o arranjo dos átomos no espaço, além de adicionar regras que explicam os ângulos de ligação.

O modelo considera a forma das moléculas ainda como uma consequência da interação entre cargas elétricas, sendo que regiões de alta concentração de elétrons irão ocupar posições que se afastem o máximo possível para diminuir a energia total do sistema.

Com isso certas combinações de átomos irão ter sempre o mesmo arranjo espacial. Por exemplo, se pensarmos em duas regiões de concentração de elétrons, a maior distância entre elas será um arranjo linear de forma que cada região negativa esteja a 180° uma da outra. Existem diversas combinações e algumas podem ser vistas na figura abaixo.

Arranjos de átomos de acordo com o modelo RPECV. Primeiramente é desenhada a estrutura de Lewis de dada molécula. A seguir é feita a distribuição dos pares de elétrons (ligados e isolados) de forma a se manter a maior distância possível entre eles. A determinação da geometria molecular é realizada após verificação da localização dos átomos. [Ref.]

Até aqui entendemos, de forma bastante simplificada, como os átomos de não-metais se ligam e até mesmo como se dá a forma geométrica das moléculas, mas como são essas regiões de alta concentração de elétrons?

Primeiro devemos saber que elétrons têm uma característica muito interessante: eles podem ser descritos como partícula ou como onda. Considerando o comportamento ondulatório do elétron, podemos descrever sua localização por meio de uma função de onda.

Funções de onda são equações que apresentam uma particularidade bastante interessante para o estudo de ligações químicas: o quadrado dessa função é proporcional à densidade de probabilidade do elétron em cada ponto, ou seja, a partir desse cálculo é possível prever as regiões do espaço onde o elétron pode ser encontrado. As regiões mais densas da nuvem eletrônica, ou seja, onde ocorre a probabilidade máxima de encontrar o elétron, dão as formas dos orbitais atômicos.

Orbitais atômicos. Cada tipo/forma de orbital (s, p, d, f) corresponde ao número quântico l (0, 1, 2, 3, respectivamente). [Ref.]

Esse é um modelo da mecânica quântica que explica as ligações químicas a partir da distribuição dos elétrons, chamada de teoria da ligação de valência, pois são os elétrons mais externos que são utilizados. A partir desse modelo podem-se calcular ângulos e comprimentos das ligações, mas não se assuste com as palavras “mecânica quântica” e “cálculo”, pois iremos nos atentar à “parte qualitativa” da teoria que descreve a ligação covalente em termos de orbitais atômicos.

De forma simplificada, temos que o estado do elétron em um átomo é definido por quatro números quânticos:

  • n: indica o tamanho e energia do orbital
  • l: indica a forma do orbital
  • mL: dá a orientação do orbital no espaço
  • mS: descreve a propriedade de spin, que pode assumir um de dois valores (+1/2 ou – 1/2).

(a) Os orbitais atômicos organizam-se em camadas e subcamadas dependentes dos números quânticos n, l e mL e (b) tais camadas e subcamadas apresentam diferentes energias. Cada uma das “caixas” no diagrama de energia é um orbital atômico e pode ser ocupada por, no máximo, dois elétrons, com mS de valores opostos.

 

No estado fundamental, os elétrons ocupam os orbitais atômicos disponíveis de modo a manter o átomo com a menor energia possível. Para facilitar a descrição da configuração eletrônica de um átomo, ou seja, a “lista” de todos os orbitais ocupados com o número de elétrons que cada um contém, Linus Pauling propôs um diagrama de energia para os orbitais atômicos, em que cada orbital é indicado como nXY, sendo n é o número quântico n, X é o nome da forma do orbital dependente do número quântico l (s, p, d, f) e Y é a quantidade de elétrons no orbital X.

Ainda, existem duas regras que ditam a ocupação dos orbitais por elétrons:

  • Princípio da exclusão de Pauli: dois elétrons em um átomo não podem ter o mesmo conjunto de quatro números quânticos. Isso significa que dois elétrons, no máximo, podem ocupar um dado orbital e quando isso ocorre seus spins devem estar emparelhados, ou seja, os elétrons devem ter números quânticos magnéticos de spin (mS) de sinais opostos.
  • Regra de Hund: se mais de um orbital em uma subcamada estiver disponível, elétrons com spins paralelos devem ser adicionados aos diferentes orbitais daquela subcamada até completá-la, antes de emparelhar dois elétrons em um dos orbitais. Isso ocorre, pois os elétrons estão mais longe um do outro e se repelem menos quando ocupam orbitais p diferentes do que quando ocupam o mesmo orbital.

 

Sabendo essas regrinhas, podemos realizar a adição dos elétrons nos orbitais do átomo de carbono e começar a tentar entender, finalmente, o que tudo isso tem a ver com as propriedades do diamante, do carvão e do grafite. Mas como esse texto já está bem grande, vou deixar você curioso por mais um tempinho e volto com nossos alótropos em mais um texto do Portal Deviante na próxima sexta-feira!

 

Referências:

ATKINS, P.; JONES, L. Princípios de Química: Questionando a Vida Moderna e o Meio Ambiente. 3a ed. Bookman, 2006.

PIERSON, H. O. Handbook of Carbon, Graphite, Diamond and Fullerenes: Properties, Processing and Applications. 1st ed. William Andrew Publishing, 1993.

Carbon – an amazingly allotropic element

Allotropes of carbon

Modelos em Química: o ensino de ligação química