O grafite do lápis, o carvão do churrasco e o diamante naquele anel caro são feitos exclusivamente do mesmo tipo de átomo: carbono. Mas como compostos formados somente com um tipo de átomo podem ter propriedades tão diferentes um do outro? É isso que você vai entender nesse texto!

Carbono

Considerando que você já leu a parte 1 desse texto e, por isso, tem certo conhecimento sobre alguns modelos de ligação química, orbitais atômicos e as regras de preenchimento eletrônico, vamos realizar a adição dos elétrons nos orbitais do átomo de carbono que tem número atômico (Z) igual a 6.

Átomo de carbono considerando o modelo atômico de Bohr, em que há um pequeno núcleo positivo e os elétrons se organizam na eletrosfera ao seu redor na forma de camadas. Para o átomo de carbono, temos dois elétrons na camada K (mais interna) e quatro elétrons na camada L (mais externa). Podemos perceber no texto como o modelo de distribuição eletrônica proveniente da mecânica quântica é um aperfeiçoamento desse modelo.

 

Iniciamos na camada de menor energia, que apresenta somente um orbital atômico s. Esse orbital pode receber dois elétrons emparelhados. Os quatro elétrons restantes irão ocupar a segunda camada, a qual tem um orbital s e três orbitais p degenerados (apresentam a mesma energia) entre si, mas com energia maior que a do orbital s.

Com isso, adicionamos dois elétrons emparelhados no orbital s de menor energia e, pela regra de Hund, adicionamos dois elétrons paralelos em dois orbitais p. Assim a configuração eletrônica do átomo de carbono fica 1s2 2s2 2p2 (ou, para evidenciar os orbitais p que recebem elétrons: 1s2 2s2 2px1 2py1) e a camada de valência, ou seja, aquela que participa das ligações químicas é a segunda camada (com quatro elétrons de valência). A camada totalmente preenchida é chamada de caroço e não participa das ligações.

Preenchimento eletrônico dos orbitais do átomo de carbono.

 

A ligação covalente depende do compartilhamento de elétrons e, portanto, da sobreposição dos orbitais atômicos de forma que as regras de preenchimento sejam seguidas, ou seja, cada orbital só poderá receber dois elétrons (emparelhados).

Considerando isso e a configuração eletrônica do átomo de carbono, temos um problema com nosso modelo, pois o orbital 2s está completamente preenchido e, portanto, somente os dois orbitais p incompletos poderiam participar de ligações covalentes. Isso diverge do fenômeno observado experimentalmente, do qual sabemos que o carbono faz quatro ligações, então podemos inferir que a teoria de ligação de valência como descrita até agora não explica as ligações de moléculas poliatômicas como o metano, CH4, por exemplo.

Para que o átomo de carbono possa ter quatro elétrons desemparelhados poderíamos promover um dos elétrons no orbital 2s para o terceiro orbital 2p (2pz, anteriormente vazio), assim cada um dos quatro orbitais na camada de valência apresentaria um elétron, podendo emparelhar com um elétron de outro átomo, formando uma ligação covalente. Ainda que seja necessário um gasto de energia para a promoção do elétron do orbital 2s para o orbital 2pz, como a formação de cada ligação libera energia, o saldo energético é negativo e a energia da molécula ainda é menor do que se o carbono fizesse somente duas ligações.

Mesmo que essa explicação apresente uma molécula de energia baixa e com quatro ligações químicas, ainda não temos um modelo que represente o fenômeno experimental.

Os orbitais s têm geometria esférica, enquanto os orbitais p tem formato de halteres e apresentam ângulos de 90° entre si, pois cada um dos orbitais degenerados está sobre um dos eixos cartesianos. Dessa forma, uma molécula de metano teria dois tipos de ligações (com energias diferentes), com três delas a 90° uma das outras. O que sabemos experimentalmente é que a molécula de metano tem quatro ligações idênticas e apresentam ângulos de 109,5° uma das outras, num arranjo tetraédrico, como previsto pelo modelo RPECV.

Para melhorar ainda mais nosso modelo, vamos lembrar que os orbitais s e p são ondas de densidade eletrônica centradas no núcleo do átomo. Podemos então inferir que os quatro orbitais interferem uns nos outros, produzindo novos arranjos quando se cruzam. Esses novos arranjos são considerados como “misturas” e são chamados de orbitais híbridos. Na hibridização, os orbitais atômicos combinam-se para formar a mesma quantidade de orbitais híbridos que só diferem entre si na orientação, seguindo o arranjo espacial previsto pelo modelo RPECV. Em todos os outros aspectos os orbitais híbridos são idênticos, inclusive a energia que fica num meio termo entre a energia do orbital s e dos orbitais p, utilizados na mistura. Além disso, a combinação linear das ondas que formam os orbitais híbridos concentra sua amplitude em um lado do núcleo, o que permite uma sobreposição mais efetiva com outros orbitais, dando como resultado ligações mais fortes do que as ligações que ocorreriam caso não existisse a hibridização.

Hibridização de um orbital s com três orbitais p, gerando quatro orbitais sp3 num arranjo tetraédrico. [Ref.]

Assim, para a formação da molécula de metano, temos que a configuração eletrônica do carbono nesse modelo reestruturado fica com um elétron desemparelhado em cada um dos quatro orbitais sp3, podendo formar um par com o elétron do orbital 1s de um hidrogênio. A sobreposição desses orbitais ocorre de maneira frontal, dando origem a quatro ligações de mesma energia (chamadas de ligações sigma) e as regiões de densidade eletrônica apontam para os vértices de um tetraedro. Finalmente, podemos dizer que a teoria de ligação de valência é coerente com o resultado experimental.

De forma geral, os orbitais híbridos de um átomo são considerados para reproduzir o arranjo de elétrons característico da forma da molécula determinada experimentalmente, sendo assim, podemos utilizar diferentes esquemas de hibridização para descrever outros arranjos de pares de elétrons (lembrando que a mistura de N orbitais atômicos produzem N orbitais híbridos):

  • A mistura de um orbital s e dois orbitais p gera três orbitais sp2. Pelo modelo RPECV a forma em que esses orbitais estejam o mais afastado possível entre si é um arranjo chamado de trigonal planar, ou seja, os orbitais estão num plano apontando para os vértices de um triângulo equilátero (120° entre si).
  • A mistura de um orbital s e um orbital p, gera dois orbitais sp, que explica o arranjo linear.

Outros tipos de hibridização são possíveis, envolvendo orbitais d e f, porém aqui, como estamos interessados no átomo de carbono, vamos nos manter somente nos orbitais s e p.

Depois de toda essa explicação dividida em dois textos, você deve estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com as propriedades do diamante, grafite e carvão? E eu respondo: tudo! É justamente devido a toda essa diversidade possível nas ligações do carbono devido à hibridização que existem tantas possibilidades na formação de alótropos.

Voltando aos diamantes, temos que esses materiais são formados inteiramente por átomos de carbono hibridizados sp3, sendo que cada átomo é ligado a outros quatro átomos de carbono, de forma tetraédrica, gerando uma rede cristalina em três dimensões muito forte. A forma dessa rede cristalina é responsável pela alta dureza e alta condutividade térmica do diamante. E como todos os elétrons participam das ligações sigma não há elétrons “soltos”, por isso, o diamante é um ótimo isolante elétrico.

Estrutura do diamante mostrando os átomos de carbono hibridizados sp3.

 

Por outro lado, o grafite consiste de camadas em duas dimensões arranjadas de forma hexagonal. Os átomos de carbono são hibridizados sp2, fazendo com que cada átomo de carbono esteja ligado a outros três por meio de ligações sigma.

Como aqui a hibridização não utilizou todos os orbitais p disponíveis, temos um elétron no orbital que se manteve “puro”. Esse elétron forma uma ligação pi (sobreposição lateral) com outro átomo de carbono, ou seja, esses dois átomos tem duas ligações entre si, uma sigma formada pelos orbitais sp2 e uma pi formada pelos orbitais p.

A ligação pi é mais fraca do que a ligação sigma, o que explica a rede cristalina do grafite não ser tão forte quanto a do diamante, refletindo na diferença entre as propriedades mecânicas desses materiais. Além disso, esses elétrons que formam a ligação pi estão “deslocalizados”, ou seja, eles podem se movimentar numa nuvem eletrônica sobre a camada de duas dimensões do grafite, fazendo com que o grafite seja um ótimo condutor elétrico, diferente do diamante que não apresenta esses elétrons “livres”.

Estrutura em camadas do grafite, mostrando os átomos de carbono hibridizados sp2 e o orbital p que “sobra” permitindo que haja elétrons “livres” na estrutura. Cada folha do grafite é chamada de grafeno. [Adaptado de ref]

Os elétrons podem se mover pelas folhas de grafite, mas passam com dificuldade de uma folha para outra. Por isso, o grafite conduz eletricidade melhor na direção paralela às camadas do que na direção perpendicular.

Essa estrutura de “folhas” também interfere no módulo elástico (que tende a crescer com a dureza do material) e na condutividade térmica, sendo que as camadas são “ligadas” entre si por forças fracas intermoleculares chamadas de forças de Van Der Waals. É devido a essa estrutura que o grafite é um bom lubrificante seco, pois as camadas de grafite podem escorregar umas sobre as outras.

Já os alótropos amorfos de carbono consistem nessas camadas, mas empilhadas sem a regularidade que ocorre no grafite. Como o grafite é a forma termodinamicamente estável, sob dada temperatura, os átomos de carbono podem se mover no estado sólido, gerando a mudança de fase sólido-sólido para grafite. Os diferentes materiais possíveis, como carvão, nanotubos de carbono e grafeno, vão ter propriedades diversas dependendo do tamanho dessas camadas, a quantidade de camadas empilhadas e como elas estão “ligadas” entre si.

 

Apesar de bastante conteúdo sobre ligações químicas, tudo aqui foi passado de forma bastante simplificada, mas espero que você tenha entendido como diamante, grafite e carvão têm propriedades tão diferentes sedo formados apenas pelo mesmo tipo de átomo!

 

Referências:

ATKINS, P.; JONES, L. Princípios de Química: Questionando a Vida Moderna e o Meio Ambiente. 3a ed. Bookman, 2006.

PIERSON, H. O. Handbook of Carbon, Graphite, Diamond and Fullerenes: Properties, Processing and Applications. 1st ed. William Andrew Publishing, 1993.

Carbon – an amazingly allotropic element

Allotropes of carbon

Modelos em Química: o ensino de ligação química