Você que está lendo este texto já pensou em emagrecer? No texto de hoje vou falar um pouco de alguns medicamentos controversos, os quais tentam atingir tal feito.

No livro do Stephen King: Ascensão, o protagonista começa, por algum motivo desconhecido, a perder peso, porém sem dieta ou sem exercício físico. Embora sua massa corporal e forma física permaneçam as mesmas, a balança continua, a cada dia que passa, a registrar um valor menor que no dia anterior. Não deixarei nenhum spoiler, mas como alguém pode alterar sua balança sem grandes mudanças cirúrgicas ou de hábitos de vida?

A maioria das pessoas conseguem aumentar sua massa corporal de forma relativamente fácil. Devido às pressões ambientais e, por consequência, adaptações e mudanças genéticas, nosso corpo tende a acumular energia, e a forma mais comum é armazenando gordura. Nosso organismo tem uma ordem no consumo de energia, começando por carboidratos, gorduras e, por último, músculos. Perda muscular pode indicar que estamos gastando muita energia, o que leva à suspeita de alguma doença grave.

Mas a nossa habilidade de controlar como nosso corpo gasta a energia é nula. Como vivemos à mercê de nossa genética, cada indivíduo vai manipular os nutrientes da forma que lhe foi ensinado, dependendo de sua genética.

Com o desenvolvimento de medicações para tentar alterar como nosso corpo gasta energia, tratamentos para obesidade desenvolveram-se, além de procedimentos cirúrgicos, claro. Para que alguém com grande peso consiga uma perda satisfatória, mudanças de hábitos muitas vezes não são suficientes. Pois trabalhos mostram que perda de peso pode variar entre 5% até 8% da massa, isso após 4 a 6 meses de um esforço intenso, o que acarreta pacientes abandonando a dieta e exercícios físicos.

Ao longo dos últimos trinta anos o consumo alimentar aumentou, em média, 600 kcal por dia. Assim, mesmo que nosso corpo esteja preparado para encarar épocas de fome, com o acúmulo de adipócitos, o estilo de vida moderna “força” a consumirmos mais calorias em um curto período. Contudo, não nos adaptamos e não mudamos a forma de trabalhar as calorias provenientes de carboidratos, por exemplo. Gastamos o necessário e o mínimo possível e o restante se acumula.

Protagonista do livro Ascensão, por algum motivo, começou a perder peso (mas sem perder massa ou mudanças no corpo), como comentei. Pode ser que ele tenha alterado a forma com que ele manipula seus nutrientes.

Porém, a física ainda vale e o peso ainda é (apesar de ser um livro ficcional) a massa multiplicada pela gravidade, e a massa é a densidade multiplicado pelo volume (do objeto). Logo, a gordura ainda tem sua densidade específica, e nada fora alterado nesse sentido.

Pensando ainda nesse caso, ou sua massa fora alterada ou a gravidade do planeta. Considerando o planeta terra, a massa se alterou, então foi o volume ou a densidade, mas como disse, o volume continua igual. Por fim, resta a densidade do seu corpo, que se tornou, por algum motivo, menos denso, o que por consequência final, o peso diminui, mesmo com nenhuma perda de volume aparente.

Enfim, talvez tenha ficado confuso os dois últimos parágrafos. Mas meu ponto é o seguinte: Como podemos alterar a forma como nosso corpo manipula, armazena e gasta seus nutrientes (carboidratos, gordura e músculo)?

Ao ingerirmos um alimento, ele precisa passar pela boca, esôfago, estômago, intestino delgado (duodeno, jejuno, íleo), intestino grosso e até sair pelo ânus e chegar ao vaso sanitário (ou no mato quando a coisa fica feia e não há vasos próximos).  No transcorrer do trajeto nós absorvemos o que precisamos e deixamos “para trás” o que nosso organismo não consegue absorver.

Agora, o que nosso organismo escolhe absorver vai mudar de individuo para individuo, pois alguns fatores podem ajudar ou atrapalhar a absorção. Pode ser o tipo de alimento, medicações usadas, estrutura do estômago e intestino (pode apresentar inflamações ao longo do trajeto, o que atrapalha a absorção), microbiota, dentre outros.

Após captarmos o que, teoricamente, vamos precisar, o objetivo final seria para produção de energia (claro que há vitaminas, minerais usados para outros motivos). Para atingirmos o fim (que é energia), a glicose precisa ter a capacidade de entrar dentro da célula (que temos a ajuda da insulina) e ser metabolizada até virar moléculas de ATP (nossa moeda energética). Agora, todos nós fazemos isso, mas alguns são mais eficientes que outros.

Se minhas células são muito boas em produzir energia, e cada molécula de glicose produz uma quantidade de “2x” de energia, ao invés de “x”, vou precisar de menos glicose para viver. Porém, esse excesso irá se acumular na forma de gordura. Com isso em mente, alguns medicamentos acabam deixando o organismo “menos eficiente” na produção energética. Por consequência, necessitará de mais moléculas de carboidratos ou lipídeos.

Pensando nisso, e na forma de como nosso corpo atua sobre carboidratos, medicamentos usados hoje para diabetes mellitus tipo 2 (DM2) tendem a ser usados também para perda de peso. Lembrando que a DM2 ocorre devido à resistência à insulina, e isso tem por consequência o aumento da glicemia (açúcar no sangue). Desse modo, muitos médicos acabam receitando esses fármacos para emagrecer, pois querem manipular como nosso corpo trabalha com o carboidrato.

Um exemplo que vou usar é o chamado de análogos do GLP-1 (muito usado para perda de peso). Mas, antes vou introduzir o que é o GLP-1 (Peptídeo semelhante a glucagon 1). De forma mais simplificada, o GLP-1 atua estimulando a secreção de insulina (que é o hormônio capaz de levar a glicose para dentro de algumas células), além disso inibe a secreção de glucagon – que apresenta capacidade de aumentar a glicemia por diversos mecanismos – e inibe a formação de glicose pelo fígado (gliconeogênese). Pode, também retardar o esvaziamento gástrico, provocar saciedade, reduzir o apetite, o que por consequência consegue fazer com que o indivíduo perca peso.

Imagina você, nem tão obeso, mas nem tão magro, vai até o médico com mais de trinta exames na mão (feitos antecipadamente a pedido do médico). A partir dos exames ele receita alguns medicamentos, tais como vitamina D (que está na moda) e até o análogo do GLP-1, que será com o intuito de emagrecer (que normalmente é usado para tratar DM2).

De fato, essa medicação ajuda na perda de peso, mas será que o benefício se sobrepõe ao risco? Emagrecer sem exercícios físicos e sem dieta específica é algo saudável de se fazer? Deixo o questionamento.

Um estudo que comparou o uso do análogo do GLP-1 e com o risco de pedras na vesícula biliar mostrou que há um aumento do risco de surgimento dessas pedras. O motivo ainda está aberto para debate, mas uma justificativa é que o análogo do GLP-1 pode diminuir o esvaziamento da vesícula biliar, favorecendo seu acúmulo e formação de pedras.

Agora, vamos dizer que você injetou a medicação e teve, após alguns meses, uma pedra na vesícula biliar. Essa pedra em algum momento precisa sair, ou ela passa pelos ductos, que é o caminho natural (causando dor e risco para outras complicações mais graves, como uma pancreatite aguda), ou pode ser feita uma cirurgia para retirada total da vesícula. De qualquer forma, procedimento cirúrgico acaba sendo necessário. Cirurgias sempre apresentam algum tipo de risco. Se houver uma complicação durante a cirurgia e outros eventos colaterais ocorrem, levando até a óbito. Acabei divagando aqui. Mas será que uso de medicamentos para uma pessoa não obesa compensa os riscos? Pode deixar seu comentário.

Voltando para o livro Ascensão, nosso protagonista conseguiu alterar sua composição corporal, ou fora algum efeito mágico? Caso tenha lido o livro, deixa também seu comentário.

 

Referências

 

Vosoughi K, Atieh J, Khanna L, Khoshbin K, Prokop LJ, Davitkov P, et al. Association of Glucagon-like Peptide 1 Analogs and Agonists Administered for Obesity with Weight Loss and Adverse Events: A Systematic Review and Network Meta-analysis. EClinicalMedicine [Internet]. 2021;42:101213. Available from: https://doi.org/10.1016/j.eclinm.2021.101213

Faillie JL, Yu OH, Yin H, Hillaire-Buys D, Barkun A, Azoulay L. Association of bile duct and gallbladder diseases with the use of incretin-based drugs in patients with type 2 diabetes mellitus. JAMA Intern Med. 2016;176(10):1474–81.

Grill HJ. A role for GLP-1 in treating hyperphagia and obesity. Endocrinol (United States). 2021;161(8):1–14.