Refletindo um pouco sobre todos os textos que escrevi aqui no Portal Deviante, cheguei a conclusão de que tudo que eu escrevi está relacionado com como as coisas estão erradas, desde a postura no celular, como utilizamos as redes sociais até as atitudes do atual governo (confesso que essa parte é fácil). A real é que a forma como escrevo reflete a minha situação atual, um já não tão recém formado e desempregado que vê tudo o que o país (e o mundo) está passando. É compreensível tender para um lado pessimista e às vezes niilista.

Se tem algo que fazemos em finais de ano, além de rever familiares e discutir política, é refletir. Antes essa reflexão me trazia ansiedade, agora vou fazer o que eu mais fiz esse ano, que é escrever. No texto de hoje tentarei não comentar o que está errado ou certo, falarei sobre Belchior,  noção de tempo, niilismo e impermanência. 

O passado de acordo com Belchior 

A primeira música que ouvi do meu conterrâneo Belchior, chama-se “A Palo Seco”, em seu primeiro verso canta “se você vier me perguntar por onde andei no tempo em que você sonhava, de olhos abertos, lhe direi: amigo, eu me desesperava”. Composta em 1976, a música fala sobre uma época em que os países Latino Americanos estavam sofrendo com os golpes militares. Brasil, Chile, Argentina, Bolívia, dentre outros viviam regimes ditatoriais, por isso o desespero de Belchior nos versos.

Capa do disco Alucinação de Belchior (1976)

A canção pertence ao disco Alucinação (1976) e, entre os temas abordados da obra, estão: ansiedade da cidade grande, esperança no futuro e sobre o passado. Belchior trata o passado  não de uma forma mística estilo ‘naquele tempo era bom’, trata como algo que temos que superar e aprender, em Velha Roupa Colorida ele canta: “No presente a mente o corpo é diferente, e o passado é uma roupa que não nos serve mais”.

Não é difícil ouvir do atual presidente e seu eleitorado frases como “na época da ditadura era melhor” ou coisas do tipo. Essa noção de tempo distorcida que eles tentam criar, associar um período no qual pessoas eram torturadas por terem opiniões divergentes do governo como algo bom, não só é irresponsável como criminoso. 

Jason Stanley em seu livro ‘Como Funciona o Fascismo’ (2018), sobre esse  passado mítico, comenta

“A política fascista invoca um passado mítico puro que foi tragicamente destruído. (…) esse passado glorioso foi perdido pela humilhação provocada pelo globalismo, pelo cosmopolitismo liberal e pelo respeito por ‘valores universais’, como a igualdade. Esses valores, supostamente, enfraqueceram a nação diante de desafios reais e ameaçadores para sua existência.” (1)

È fácil refugiar-se no passado já que é algo que não temos controle, a visão de épocas anteriores é totalmente distorcidas quando observamos distraidamente. Como o comediante Rick Gervais fala em seu Stand-up na Netflix – Humanidade (2018), “é óbvio que o passado é melhor! Você era criança nele, e quando se é criança tudo é melhor”. Tratar o que passou como algo bom e que deve ser almejado é quase como querer usar sua roupas de criança e achar que ainda vai lhe  servir. 

Voltando às músicas de Belchior, outra canção que fala sobre o passado (minha favorita) chama-se ‘Como nossos Pais’, aqui ele canta “Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmo é vivemos como os nossos pais.” 

Na música o autor comenta sobre repetir os erros, não importa quanto tempo passe, temos a tendência de fazer o que nossos pais fizeram. Olha o legado que a nossa geração tem. Falando no exemplo especificamente de mudanças climáticas, há uma responsabilidades que temos de estar fazendo algo a mais, quando na realidade nossos governantes estão discutindo dados, como se isso fosse só questão de opinião. No passado nos negamos a nos preocupar com mudanças climáticas achando que estaria longe de ser sentida. Hoje quando sentimos essas alterações no clima, discutimos se ela é real ou não, já que está nevando no Canadá (ops! já to aqui falando de como as coisas estão erradas).

será que alguém pega essa referência a HIMYM?

Outro verso da mesma música de Belchior fala “você pode até dizer que estou por fora ou então estou inventando, mas é você que ama o passado e não vê que o novo sempre vem. O mundo está mudando, temos que abrir mão do passado, o foco deve ser no presente. Por vezes esse presente parece estar passando rápido, outras vezes parece estar passando devagar.

Presente relativo  

Além da piada do ‘Pavê’, outra frase clássica de final de ano é “ nossa! como esse ano passou rápido”. A nossa percepção de tempo fica alterada conforme ficamos mais velhos, isso se dá por um fenômeno chamado Lei de Weber.

Criada no ano de 1843 pelo médico alemão Ernst Heinrich Weber para descrever estudos sobre levantamento de pesos. Por exemplo: diferenciar 100 gramas de 120g é fácil, porém saber a diferença entre 200g de 220g não. Apesar de serem aumentadas as mesmas 20 gramas, a nossa percepção é alterada.

De acordo com a lei de Weber, quando são comparados dois estímulos pequenos, basta uma diferença mínima para distinguí-los perfeitamente. Agora, se sua dimensão é maior, os dois elementos devem ser muito diferentes entre si para nos darmos conta.  Trazendo esse exemplo para o tempo é só imaginar que quando se tem 14 anos dificilmente se lembra de quando tinha 4 anos, já com 24 anos eu tenho uma noção de tempo maior. 

Porém as vezes o tempo parece passar devagar. Para a psicóloga Claudia Hammond,

“o sistema cerebral de registro da passagem do tempo é flexível e, embora não esteja exatamente claro, certamente leva em conta emoções, expectativas, o quanto suas tarefas exigiam de você naquele período e até a temperatura, além dos sentidos (um evento auditivo parece durar mais que um efeito visual).”

série Years and Years (2019)

Talvez por isso 2019 tenha sido tão intenso (pena de quem vai fazer a retrospectiva). Olha os acontecimento no início de janeiro até dezembro! A política brasileira nos faz passar vergonha, a América do Sul está pegando fogo, onda de manifestações ao redor do mundo, a série Years and Years (2019) prevendo bizarramente correto um futuro devastador. (Eita de novo estou eu aqui falando de como o mundo está errado).

 Entre o Niilismo e a impermanência do Futuro

Personagens niilistas sempre tiveram representação na cultura POP, desde House (2004/2012), à primeira temporada de True Detective (2014), ao já famosíssimo Rick e Morty (2013/ atualmente), a Bojack (2014/2020), para citar alguns. O pensamento niilista sempre esteve aí pairando no ar. 

Bojack (2014/2020) Netflix

De forma bem simples e resumida (já que existe uma variação para cada filósofo que discorre sobre o tema), niilismo é uma forma de descrença perante as normas imposta pela sociedade, ou seja, Deus, vida após a morte, grandes astros da música, nada disso importa. Usando Nietzche como referência, para ele, quando se abre mão de tudo isso, você é responsável por suas próprias ações (aqui entraria o conceito do Eterno Retorno).

Nesse contexto filosófico em que o passado está ultrapassado, o presente inconstante, o que nos resta do futuro? Na real sei tanto quanto você, sobre a vida, o universo e tudo mais. Porém vamos analisar filosoficamente na conclusão desse texto que deveria ser um pouco mais otimista (e talvez eu esteja quase falhando miseravelmente).

É comum a sensação de impotência que temos perante ao mundo real, vendo os líderes que elegemos nos últimos anos, o discurso cada vez mais polarizado em um Brasil onde há pessoas que creem que o ódio é solução. 

Se o mundo não faz sentido e a realidade não está sob o nosso controle, o que podemos fazer é focar em nós e nas relações que temos. Tudo é finito, as coisas mudam, então não importa o que aconteceu de polêmico essa semana. Perante o tempo, Bolsonaro, Donald Trump e todos os outros Demagogos surgindo atualmente não serão nada. As coisas são impermanentes

De forma simples (e quase clichê) impermanência está ligada a variância do mundo, nada é permanente ao longo do tempo, e mesmo retirando o conceito que temos de tempo, as coisas ainda continuam não sendo permanente.  A impermanência está em tudo, até na dor que sentimos ou mesmo na alegria, dependendo de como você está hoje a impermanência pode ser uma esperança, ou pode ser medo.

As coisas são finitas, o tempo que temos nesse planeta, como falado no decorrer do texto, às vezes passa rápido, por vezes devagar. Dito isso, o importante é o que você faz com ele. Ler um bom livro, ficar com os amigos/familiares, sair para pegar Pokémons, não fazer nada, ajudar o próximo, meditar, cuidar de sua saúde, escrever (aqui pro Portal Deviante talvez), ouvir música/podcast, zerar aquele novo jogo do Kojima ou jogar Mario Kart. Bem, isso cabe a você escolher. 

Não estou falando que acompanhar as noticias e estar ligado no que vem acontecendo não é importante, porém, acima de tudo, no meio de tudo, o mais importante de tudo deve ser você (e os seus sentimentos). A mensagem que eu tenho para dar nesse texto é: Faça as coisas que te fazem se sentir bem, no fundo é você que decide o que isso significa. No fim Belchior sempre tem razão vivemos numa divina comédia humana onde nada é eterno.

E antes de acabar só uma citação do livro Cama de Gato do escritor Kurt Vonnegut (2):

“(…) No começo, Deus criou a Terra, e gostou dela, em Sua solidão cósmica.

E Deus disse: “Nós faremos criaturas vivas a partir de lama, para que a lama veja tudo que Nós fizemos”. E Deus criou cada criatura viva que se move, e uma delas era o homem.

A lama em forma de homem podia falar. Deus se aproximou quando a lama em forma de homem se sentou, olhou em volta e falou. O homem piscou. “Qual é o propósito de tudo isso?”, ele perguntou educadamente.

“Tudo deve ter um propósito?”, perguntou Deus.

“Certamente”, disse o homem.

“Então deixarei que você pense em um propósito para tudo isso”, disse Deus. E Ele foi embora.(…)”

Não sei como esse ano foi para você que está lendo esse texto, espero que tenha sido tudo bem e, se não foi, que fique (impermanência lembra né!?). Sempre vale uma olhada nas referências. Comentários, críticas e sugestões são sempre bem-vindos. Beba água, tome sol e se possível faça terapia. Ufa, é isso tudo o que eu tinha pra dizer nesse ano louco que foi 2019, que venha 2020. 

 

Referências: 

  1. Jason Stanley, Como funciona o Fascismo: a política do “nós” e “eles”, 2018, L&PM Editores. 
  2. Kurt Vonnegut, Cama de Gato, 1963, Editora ALEPH

Link para texto e vídeos:

Interpretação da música A Palo Seco

Um pequeno vídeo que resume impermanência lá do canal Meteoro BR <3

Um vídeo sobre niilismo otimista

Podcast sobre o tema:

Scicast #106 sobre Tempo

Mamilos #224 sobre Ditadura no Brasil 

Mamilos #222 com o Emicida em AmarElo

Músicas que comentei no texto:

Disco Alucinação de Belchior (1976)

AmarElo do Emicida a música Principia (2019)

Engenheiros do Hawaii música No meio de Tudo Você (2001) 

Belchior música Divina Comédia Humana (1978)